Arrancaram na segunda-feira as audições dos comissários indigitados, que vão ter de prestar provas de competência aos eurodeputados. o Parlamento Europeu ouviu os primeiros três futuros membros do colégio. Entretanto, foi informado a Ursula von der Leyen que deve pedir novos comissários à Hungria e à Roménia.
Até terça-feira da próxima semana, o Parlamento Europeu irá avaliar o nível dos comissários indigitados. Em audições de três horas, os candidatos a um lugar na comissão vão ter de demonstras que tem qualidades para o cargo proposto, noticiou o Diário de Notícias (DN) na segunda-feira.
“Vamos querer saber quem é que faz o quê, que instrumentos é que cada comissário tem para concretizar a sua carta de missão, que garantias é que nós temos de que esses compromissos vão ser efetuados”, contou o eurodeputado socialista, Carlos Zorrinho ao DN, salientando que “é nestas audições que se prepara o mandato”.
Além das avaliações sobre “a capacidade e a competência para o respetivo portfólio”, os eurodeputados vão apurar “as políticas e as medidas que [cada comissária] defende para a pasta que recebe”. Ou seja, uma avaliação da “predisposição do candidato e das políticas que defende”, disse o eurodeputado social-democrata, José Manuel Fernandes.
“Nós não poderíamos ter um comissário de política de desenvolvimento regional, que quisesse acabar com uma política regional, ou não poderíamos ter um comissário que fosse contra a política de coesão e contra a existência dos fundos contra a filosofia da política de coesão”, exemplificou, congratulando-se de “não ser esse o caso de Elisa Ferreira”, que vai ser ouvida na quarta-feira à tarde.
Casos polémicos
Para esta terça-feira, o Parlamento Europeu tinha prevista a audição do conservador húngaro László Trócsányi, apesar de, na semana passada, a comissão parlamentar de Assuntos Jurídicos ter levantado dúvidas sobre a sua idoneidade para o cargo, numa votação secreta.
László Trócsányi foi rejeitado cerca de uma hora depois de ter acontecido o mesmo à candidata socialista romena Rovana Plumb. Ele fora nomeado para comissário do Alargamento e ela para comissária com a pasta dos Transportes.
Na sequência da decisão, a nova presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, pediu aos membros da comissão parlamentar de Assuntos Jurídicos para explicarem as razões que estão na base de tal decisão.
Até ao momento, ainda está por esclarecer a que título vão ser ouvidos, já que as causas do chumbo a ambos são inéditas. Os eurodeputados consideram que estão em causa conflitos de interesse e incongruências nas respetivas declarações de propriedade.
Na segunda-feira, a comissão de Assuntos Jurídicos confirmou o “voto claro” que tinha expressado na quinta-feira passada, rejeitando uma vez mais a nomeação dos dois comissários indigitados.
“Não me admirava nada de que houvesse a substituição desses nomes, por parte dos respetivos governos”, admite o deputado José Manuel Fernandes,do PSD, para quem o impasse “também demonstra uma outra coisa que, muitas vezes, passa ao lado”.
“É o forte poder que o Parlamento tem no escrutínio que se faz sobre cada um dos candidatos a comissário”, afirmou, considerando que esta “seria uma boa prática por exemplo em Portugal, que o próprio parlamento pudesse ouvir os candidatos antes de cada ministro tomar posse”.
As reticências em relação a László Trócsányi prendem-se com a ligação a um escritório de advogados, com interesses na Rússia, além de “situações ambíguas”, relacionadas com contratos “ilegais” para obras públicas, a nível local. Já a romena Rovana Plumb poderá enfrentar mais alguma resistência.
A eurodeputada francesa Manon Aubry, do grupo da Esquerda Unitária e Esquerda Nórdica Verde, anunciou no Twitter que aquela comissão se viu “forçada a votar novamente, embora a decisão tomada na quinta-feira tenha sido clara. Esse precedente antidemocrático é escandaloso. Permanecemos firmes: os dois candidatos foram rejeitados, mas o ataque à democracia e as falhas desse processo permanecem”.
A eleita francesa colocou na conta que tem naquela rede social os CV e as declarações de interesses fornecidas ao Parlamento Europeu pelos futuros comissários, para quem quiser ver e tirar as suas próprias conclusões.
https://twitter.com/ManonAubryFr/status/1178631841827434496?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.dn.pt%2Fmundo%2Finterior%2Fparlamento-europeu-forca-von-der-leyen-a-pedir-novos-comissarios-a-hungria-e-romenia-11355538.html
O regimento do Parlamento Europeu é claro sobre os passos seguintes, quando a chamada comissão JURI identifica “um conflito de interesses”, passando a elaborar as recomendações adequadas para pôr termo ao dito conflito.
“Estas recomendações podem incluir a renúncia aos interesses financeiros em causa ou a mudança da pasta do comissário indigitado pelo Presidente da Comissão; em casos mais graves, se o conflito de interesses não puder ser resolvido, e em último recurso, a comissão competente para os assuntos jurídicos pode concluir que o comissário indigitado não tem condições para exercer as suas funções”.
Entretanto, a AFP e a Associated Press avançaram que a Hungria, governada pelo controverso primeiro-ministro Viktor Orbán, propôs um novo candidato e falaram no nome do atual embaixador húngaro em Bruxelas, Oliver Varhelyi.
Segundo o Politico.eu, que citou um porta-voz da nova presidente da Comissão Europeia, numa tentativa de fazer avançar o processo, Ursula Von Der Leyen pediu aos governos da Hungria e da Roménia que indicassem novos candidatos a comissário.
Folha limpa?
Entretanto, outros dois candidatos à Comissão Europeia, sobre os quais persistiam dúvidas quando à sua idoneidade, podem avançar para as audições parlamentares, livres de suspeitas. Pelo menos os titulares de cada uma das investigações em curso levantaram as suspeitas de fraude.
O ministro belga das Relações Externas, Didier Reynders, estava a ser investigado por suposto envolvimento em vários esquemas de corrupção envolvendo os contratos estatais no Congo, Cazaquistão, Líbia e até mesmo na Bélgica.
A acusação foi lançada por um ex-espião belga, que deu origem a uma investigação do Procuradoria Federal de Bruxelas, que decorreu durante cinco meses, permitindo encerrar o caso na justiça belga, na sexta-feira, a poucos dias de Didier Reynders ser ouvido no Parlamento Europeu, para o cargo e comissário – precisamente – da Justiça.
A notícia foi conhecida há duas semanas. No domingo, o advogado de Reynders, Didier Matray, comentou que o caso foi arquivado “por não haver ofensas”. Mas o antigo espião admite que possa ter havido ligações familiares, no desfecho da decisão e entregou uma nova acusação na justiça belga.
Já o comissário indigitado para a pasta da Agricultura, o polaco Janusz Wojciechowski, viu as duvidas quanto à sua conduta resolvidas, depois do Observatório Antifraude da União Europeia, OLAF, ter fechado a investigação sobre a utilização indevida de fundos europeus, relativa ao tempo em que foi eurodeputado.
O OLAF reconheceu que os 11.243 euros em causa foram devolvidos, sem que “nenhuma recomendação disciplinar ou judicial fosse feita” contra o comissário indigitado.
Apenas a francesa Sylvie Goulard, indigitada para a pasta do Mercado Único, tem ainda uma investigação em curso. O OLAF está igualmente a investigar o uso indevido de fundos, do tempo em que foi deputada no Parlamento Europeu. Alegadamente, terá usado dinheiros europeus para pagar salários de assistentes que, na realidade, estavam a trabalhar para partidos em França e não no Parlamento Europeu.
Audições
A cada audição, o presidente e os coordenadores de cada comissão parlamentar reúnem-se à porta fechada, para fazerem a avaliação de cada um dos comissários e anunciarem a sua decisão. Várias audições estão agendadas para as 21:30 e, nestes casos, as respetivas reuniões terão lugar na manhã seguinte.
A portuguesa Elisa Ferreira, por exemplo, tem audição agendada para a quarta-feira, a partir das 18:30 (menos uma hora em Lisboa). A reunião de avaliação está marcada para quinta-feira, 03 de outubro, às 10:00. Elisa Ferreira, ex-eurodeputada socialista e vice-governadora do Banco de Portugal, foi nomeada comissária da Coesão e Reformas pela alemã Ursual von der Leyen.
Decisões
A Conferência dos presidentes das Comissões reúne-se a 15 de outubro para fazer um balanço global das audições e enviar as suas conclusões à Conferência dos presidentes dos grupos políticos, que vão reunir-se dois dias depois, para uma avaliação final, na qual poderão ser dadas as audições por encerradas.
Muito teria de ter corrido mal, até lá, mas o deputado José Manuel Fernandes considera que “um adiamento da votação por novas audições”, não é de excluir, por não ser “nada de anormal”. No entanto, acredita que “todos os prazos serão cumpridos, como previsto”.
Se assim for, a 23 de outubro, Ursula von der Leyen apresentar-se-á no Parlamento Europeu para conhecer a decisão final dos eurodeputados, sobre o seu colégio de comissários, incluindo sobre o Alto Representante da UE para os Negócios Estrangeiros, o socialista espanhol Josep Borrel, num ambiente político menos favorável. A nova Comissão poderá depois entrar em funções a 01 de novembro.