O Papa Francisco pediu, esta quinta-feira, “medidas concretas e efetivas” para erradicar os abusos sexuais por parte do clero, visto que “não basta condenar os crimes”. As declarações foram feitas na abertura de uma cimeira histórica, que decorre no Vaticano até domingo, concebida para debater a forma como a Igreja Católica lida com as denúncias desses atos.
“O povo de Deus está a ver-nos e espera que nós não só condenemos, mas que tomemos medidas concretas e efetivas”, afirmou o Papa Francisco perante 190 representantes da hierarquia religiosa, reunidos numa cimeira sobre abusos a crianças por membros do clero, um tema que abalou a Igreja em 2018.
Segundo informou o Jornal de Notícias (JN), no seu discurso de abertura do encontro sobre a “Proteção dos menores na Igreja” – focado na responsabilidade e na transparência – o sumo pontífice referiu que a concretização das medidas “é necessária”.
“Confrontados com o flagelo do abuso sexual realizado por homens da Igreja contra as crianças, pensei em consultar-me convosco, patriarcas, cardeais, arcebispos, bispos, superiores religiosos e responsáveis, para que juntos (…) possamos ouvir o grito dos pequenos que pedem justiça”, sublinhou.
Aos presentes, afirmou que, nessa reunião, pesa a responsabilidade pastoral e eclesial que os obriga a discutir em conjunto, de maneira sinodal, “sincera e profunda”, sobre a forma como “enfrentar esse mal que aflige a Igreja e a humanidade”.
A reunião começou com as palavras de uma vítima de abuso sexual, lidas por um dos membros da comissão organizadora e especialista na luta contra os abusos, o padre Hans Zollner. “Nem os meus pais, nem os oficiais da igreja ouviram o meu clamor e pergunto-me: ‘Porque Deus também não o ouviu?'”, disse o padre, ao ler as palavras da vítima.
De acordo com o JN, o Papa Francisco vai tentar convencer, nos próximos dias, os presidentes das Conferências Episcopais da Igreja Católica no mundo da sua responsabilidade individual face às agressões sexuais a menores.
De acordo com a TSF, o Papa estará presente em todas as sessões e momentos de oração da cimeira, que reunirá 114 conferências episcopais: 36 da África, 24 da América do Norte, América Central e América do Sul, 18 da Ásia, 32 da Europa – incluindo Portugal – e quatro da Oceânia.
O papa Francisco escolheu para o comité organizador do evento o arcebispo de Chicago (Estados Unidos), Blase J. Cupich, o arcebispo de Mumbai, Oswald Gracias, o vice-secretário recém-nomeado da Congregação para a Doutrina da Fé, Charles Scicluna, e o presidente do Centro para a Proteção das Crianças da Pontifícia Universidade Gregoriana e membro da Comissão para a Tutela dos Menores, Hans Zollner.
A comissão organizadora afirmou que os participantes “trabalharão juntos para responder a este sério desafio”, estando prevista a participação de algumas vítimas. Na preparação para este encontro, pediu aos presidentes das conferências episcopais para ouvir as vítimas nos seus países.
Em Lisboa, o cardeal-patriarca falou com uma das vítimas
“Se fomos parte do problema, agora temos de ser parte da solução”, disse em entrevista à Agência Ecclesia, na quarta-feira, o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, que, antes de partir para a cimeira, encontrou-se com uma vítima de abuso sexual.
O cardeal afirmou que leva para o encontro no Vaticano uma “expetativa grande”. Até agora, a única informação da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) sobre este assunto tinha sido a de que existia uma “disponibilidade ativa” para escutar as “presumíveis vítimas” que se quisessem aproximar da Igreja, nas palavras do porta-voz dos bispos portugueses, padre Manuel Barbosa.
Questionado sobre se tinha ou não conversado com alguma vítima em resposta ao pedido do Vaticano, D. Manuel Clemente sublinhou que face a essa disponibilidade apareceu “uma pessoa” que quis falar com ele. “Falou longamente comigo, eu ouvi e com certeza que estive com essa pessoa no seguimento do caso”, disse.
O cardeal-patriarca de Lisboa afirmou ainda que, ao convocar esta cimeira, “o Papa Francisco quis alargar à Igreja mundial” a sua “preocupação e o seu empenho em ultrapassar e resolver um problema que é grave e precisa de ser resolvido”.
Assegurou ainda que tomou a iniciativa de se aproximar das vítimas de abusos dos casos que foram conhecidos publicamente. Porém, o encontro acabou por não avançar como forma de proteger as vítimas. “Claro está que não forçamos ninguém a conversar daquilo que não quiser conversar, mas a disponibilidade era e mantém-se ativa”, explicou.
A 12 de fevereiro, a CEP disse que os casos de abusos sexuais por parte de clérigos são reduzidos em Portugal. Confrontado com denúncias pelas comunicação social, o secretário da CEP salientou que “os casos tratados nos tribunais eclesiásticos onde chegam as denúncias são pouquíssimos e, desses, mais de metade da investigação prévia parou por falta de fundamento”.
Segundo afirmou na conferência de imprensa, desde 2001 foram denunciados em Portugal “cerca de uma dezena de casos”, dos quais já existem algumas decisões judiciais.
Abusos sexuais nos EUA e na Europa
O mesmo artigo da TSF mostra que os casos de abusos sexuais de menores por parte de membros da Igreja Católica estendem-se aos Estados Unidos (EUA), Alemanha, Irlanda, Holanda, Austrália, França e Espanha.
Na Igreja dos EUA, um relatório de um júri da Pensilvânia revelou que pelo menos mil crianças foram vítimas de 300 padres nos últimos 70 anos, com gerações de bispos a falharem repetidamente nas medidas de proteção à comunidade e na punição dos violadores. No sábado, o ex-cardeal e arcebispo emérito de Washington, Theodore McCarrick, foi expulso, acusado de abusos sexuais a menores e a seminaristas.
Na Alemanha, um relatório interno encomendado pela Conferência Episcopal aponta para 3.677 casos de abusos sexuais cometidos por 1.670 elementos da Igreja, entre 1946 e 2014. Na Holanda, pelo menos 20 bispos e cardeais foram associados a abusos sexuais.
Já na Austrália, o cardeal George Pell, que dirigia a Secretaria da Economia do Vaticano, foi considerado culpado por um tribunal em Melbourne de abuso sexual a duas crianças.
Em agosto, a poucos dias de uma visita à Irlanda, onde mais de 14.500 pessoas declararam-se vítimas de abuso sexual por parte de padres, o papa escreveu aos católicos do mundo, condenando este crime e exigindo responsabilidades.
Um artigo do Correio da Manhã (CM), divulgado esta quinta-feira, indica que os tribunais da Santa Sé e a Congregação para a Doutrina da Fé receberam, nos últimos 15 anos, mais de seis mil denúncias de abusos sexuais de menores praticados pelo clero.
O número de denúncias tem aumentado, com destaque para 2018, em que relatos credíveis atingiram os 900, cerca do dobro dos últimos anos. Um das razões para essa subida foi a investigação, ordenado pelo Papa Francisco e lavada a cabo pelo Vaticano, aos abusos sexuais no Chile, um dos países mais afetados por este escândalo, lê-se no artigo.
Ao CM, uma fonte da Congregação para a Doutrina da Fé disse que “o crescimento dos casos a chegar ao conhecimento da Santa Sé deve-se à colocação em prática das normas publicadas por Bento XVI e reforçadas pelo Papa Francisco, que obrigam à denúncia dos casos, evitando como, infelizmente, muitas vezes acontecia, que fossem encobertas por padres e bispos”.
A mesma fonte recusou-se a revelar números concretos, remetendo para o que foi dito, em 2014, pelo representante da Santa Sé, nas Nações Unidas, ou seja, que, entre 2004 e 2014, o Vaticano tinha recebido 3400 denúncias credíveis, 401 das quais em 2013. Foi dito também que, naquele período, a Igreja tinha expulsado do clero um total de 848 padres.
Além disso, foram condenados outros 2572 sacerdotes a penas perpétuas de oração e penitência, acrescentou o CM.
No mesmo artigo, o jornal diário relata que o sociólogo e jornalista francês Frédéric Martel, no seu livro “No Armário do Vaticano” – colocado à venda esta quinta-feira -, considera que 80% dos clérigos no Vaticano são homossexuais.
O artigo refere ainda que, numa carta aberta publicada na quarta-feira, o cardeal alemão Walter Brandmüller e o cardeal americano Raymond Burke, assumidos críticos do Papa Francisco, afirmaram que os abusos sexuais por parte dos clérigos são uma consequência da “praga homossexual” que grassa na Igreja. Na missiva, perguntam ao Papa a aos bispos, se também eles se vão manter calados sobre esta e outras questões.
Os dois cardeais sublinham que “o abuso sexual de menores é um crime horrível, sobretudo quando praticado por um padre” e vincaram que este é apenas um sintoma de uma crise muito mais alargada. “A praga da agenda homossexual tem se espalhado na Igreja, promovida por redes organizadas e protegidas por um clima de cumplicidade e uma conspiração de silêncio”, acrescentaram.
Walter Brandmüller e Raymond Burke são dois dos quatro cardeais – dois deles morreram – que, em 2016, publicaram um conjunto de perguntas, colocadas os Papa Francisco, sobre a decisão de abrir os sacramentos a pessoas em situações matrimoniais irregulares. O Papa nunca respondeu às perguntas.
O Papa pede a quem?!
Deus não parece estar preocupado…