Os padres que decidam pedir a dispensa do celibato para poderem casar deixam de ser afastados das suas comunidades e, ao contrário do que vinha sendo regra, podem continuar a lecionar religião ou teologia. Mais: devem ver facilitado por parte da hierarquia da Igreja o desempenho de “serviços úteis” à comunidade.
De acordo com um artigo do Público, esta mudança passou despercebida mas os seus efeitos consubstanciam uma “pequeníssima revolução” dentro da Igreja Católica.
“Na anterior situação, os padres que pediam dispensa para casar deviam, em princípio, afastar-se do lugar onde tinham exercido como padres e deixavam de poder ensinar. Era uma profunda humilhação”, recordou o padre e professor Anselmo Borges.
Para o próprio, aliada à possibilidade de virem a ser ordenados homens casados na Amazónia, esta mudança “traduz uma abertura para acabar com o celibato obrigatório” entre os padres católicos.
O novo “rescrito” do Papa Francisco, que funciona como uma norma do Vaticano de aplicação universal, este abandonou expressões como “secularização” e “remissão ao estado laical”.
No novo documento de resposta aos padres que pedem para abandonar funções a fim de se casarem, de que o portal Religion Digital mostrou um exemplar dirigido a um padre espanhol, a Congregação para o Clero – presidida pelo cardeal Beniamino Stella – aponta como “desejável” que o clérigo dispensado seja acolhido pela comunidade eclesial em que reside “para prosseguir o seu caminho, fiel aos deveres da sua vocação baptismal”.
Cabe aos respetivos bispos garantir que as funções ou serviços que lhes venham a ser confiados decorram “sem causar escândalo” entre os fiéis, ainda segundo o documento, datado de julho.
Mas as mudanças vão mais além: o padre dispensado poderá continuar a dirigir ou desempenhar funções docentes, nomeadamente em instituições tuteladas pela Igreja Católica. E mesmo a proibição de ensinar teologia em instituições de ensino superior passa a poder ser removida pela Congregação para o Clero, desde que o bispo o solicite.
Ao Público, Jorge da Silva Ribeiro, o presidente da Associação Fraternitas, um movimento que congrega e apoia padres que pediram a dispensa do sacerdócio – e que escreveu em 2014 ao Papa Francisco pedindo mudanças neste campo -, aponta outras alterações aparentemente inócuas mas que diz traduzirem novidades nada negligenciáveis.
“O bispo passa a estar obrigado a enviar uma carta assinada pelo solicitante como prova de que este foi informado da decisão. E isso é importantíssimo porque muitos dos meus colegas que pediram a dispensa nunca chegaram a receber o ‘rescrito’ e há bispos que demoram dois anos ou três a informar os padres da decisão, na esperança de que estes mudem de opinião”, indicou.
Fim dos casamentos às escondidas
Na sua versão anterior, as normas da Igreja impunham uma penitência ao padre, cujo casamento não podia ser autorizado se não fosse “discreto” e despido de aparato. Na prática, os padres acabavam por ser afastados das suas paróquias, em Portugal como na generalidade do mundo católico. Agora, pede-se-lhes apenas que casem “respeitando a sensibilidade dos fiéis do lugar”.
E se anteriormente se estipulava que o padre remetido ao estado clerical ficava impedido de celebrar homilias, bem como de assumir funções como leitor ou acólito, as novas regras proclamam que o padre poderá, com autorização dos respetivos bispos, exercer alguns ofícios eclesiásticos, ficando, aliás, obrigado a dispensar a confissão quando se confronte com alguém “em perigo de morte”.
O diretor do portal Religion Digital, José Manuel Vidal, fala numa “mudança absoluta e radical”. “Os padres já se podem casar sem corar”, opinou, congratulando-se pelo facto de “as vexações, os desterros e os casamentos às escondidas” passarem a fazer parte do passado.
O português Anselmo Borges apontou outro pormenor, para sublinhar a sua tese de que as mudanças quanto ao fim do celibato obrigatório estão à porta. “Este rescrito define, a dado momento, que a dispensa do celibato é inseparável da perda do estado clerical, explicando que estes dois elementos são parte de um único procedimento na ‘práxis atual’. Ora, quando se fala em ‘praxis atual’ há uma clara abertura para acabar com esta lei que Jesus não impôs que é a lei do celibato obrigatório para os padres”, interpretou.
Esta mudança não pode, aliás, e segundo Anselmo Borges, ser interpretada senão no contexto da aproximação do Sínodo para a Amazónia, que decorrerá em Roma, entre os dias 06 e 27 de outubro, e de cuja agenda constam temas tão controversos quanto a ordenação de homens casados como forma de responder à falta de padres naquela região.
Quando foi divulgado o documento preparatório do sínodo, admitia-se apenas a ordenação de anciões, “preferencialmente indígenas, respeitados e aceites pela sua comunidade, ainda que já tenham uma família constituída e estável”. Mas o que os comentadores viram aqui foi uma “astúcia” do Papa Francisco para fintar os conservadores.
“Como dizia há tempos o cardeal Walter Kasper, Francisco tem de avançar lentamente para não cometer suicídio papal”, reforçou Anselmo Borges, para quem a alusão à necessidade de identificar “o tipo de ministério oficial que pode ser conferido” às mulheres – que consta igualmente do documento preparatório – é outro sinal que confirma as mudanças que se estão a operar no seio da Igreja Católica.
Antes isso que a promiscuidade sexual dentro da Igreja. É tempo de sacudir as teias de aranha e pó, que polui esta Instituição !