400 mortos, avisos ignorados: o outro lado do aeroporto de Istambul

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Arne Müseler / Wikimedia

Aeroporto de Istambul

Um dos aeroportos mais movimentados do mundo foi construído em poucos anos – mas a que custo? Dois assuntos criaram controvérsia.

Quando André Ventura disse no Parlamento que o novo aeroporto em Alcochete deveria ficar pronto em poucos anos, citou o exemplo do aeroporto de Istambul: 5 anos até ser inaugurado – na verdade foram 3 anos e meio, desde o início das obras até à inauguração.

Primeiro, não é bem assim. Realmente o aeroporto já foi inaugurado em 2018, mas incompleto. Ainda hoje está a ser expandido, com o objectivo de chegar aos 200 milhões de passageiros por ano.

Segundo, basta ouvir a resposta do ministro Miguel Pinto Luz, ao próprio Ventura: “A Turquia é outro regime, outra forma de estar, não pertence à União Europeia…”.

400 mortos

Na Turquia, quando Recep Tayyip Erdoğan (ou alguém próximo do seu Governo) diz que é para fazer, tem que aparecer feito.

Nem que para isso não sejam respeitadas condições de segurança para quem lá trabalha.

O Governo não admite, mas diversas estimativas – de jornais e organizações – apontam para mais de 400 mortes. E ainda deve subir, porque a construção continua. O Governo fica-se pelos 55 mortos (que já não são poucos).

Uma investigação conjunta do Construction News e do Architects Journal fala sobre o “cemitério” no qual o aeroporto se transformou, e no “custo humano” à volta desta construção.

Há partilhas de trabalhadores que se sentiam em perigo de morte enquanto trabalhavam mas “abrandar não era uma opção”. Se não cumpriam as ordens, seriam despedidos – e era preciso “sustentar a família”.

Há relatos de trabalhadores esmagados, de morte iminente (ou confirmada) no telhado, de questões de segurança não cumpridas, de falta de formação em saúde e segurança – os trabalhadores assinavam formulários para simular que tinham recebido formação. Eram falsos. Quando alguém morria ou ficava ferido, era prometida formação, que nunca aconteceu.

Lá em cima, no telhado, quando os assustados trabalhadores deixavam uma sugestão para estarem mais seguros, ouviam a resposta do patrão: “Não te queixes!”.

E há uma frase forte na investigação: “Não somos escravos”.

Ainda antes da inauguração, o jornal turco Cumhuriyet, além de referir as mais de 400 mortes durante a construção (média de 3 a 4 por semana), indicou que os familiares das vítimas mortais foram pagos para ficarem calados sobre o assunto.

Poucas semanas antes da inauguração, os trabalhadores organizaram protestos mais fortes. Queixavam-se de más condições, de dormirem em “dormitórios cheios de vermes”, de terem ficado presos lá dentro durante feriados e salários em atraso.

Relatórios?

O Journo foca-se noutro aspecto: os avisos ambientais que foram ignorados pelo Governo.

Uma área ao longo da costa do Mar Negro, coberta por bosques, lagos e dunas costeiras, foi devastada por causa das obras.

Grandes zonas de Istambul ficaram sem oxigénio“, avisou o activista Başar Toros.

Em 2013, a Avaliação de Impacto Ambiental avisava que iriam ser destruídas ou retiradas 2.5 milhões de árvores – o Governo disse que o número exacto de árvores destruídas só seria revelado quando o aeroporto estivesse pronto.

A Turquia é “outro regime”, como disse Pinto Luz. Nuray Çolak, do planeamento urbano de Istambul, disse que na Turquia “as empresas de construção podem facilmente obter uma licença da Direcção Regional de Florestas em qualquer região que queiram”.

“Ninguém sabe quantas licenças foram emitidas ou quanto da floresta foi destruída”, avisou.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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