O mundo da tecnologia wearable continua a evoluir. Um dos avanços mais significativos é a capacidade dos smartwatches para detetar paragens cardíacas.
Um estudo recente, publicado no jornal Nature, conduzido pela Google Research demonstrou que um algoritmo de aprendizagem automática pode identificar a perda súbita de pulso com uma precisão notável.
O sistema, concebido para reconhecer eventos de paragem cardíaca, pode chamar automaticamente os serviços de emergência quando deteta falta de pulso. Esta funcionalidade pode mudar a vida das pessoas, especialmente daquelas que sofrem uma paragem cardíaca sem ninguém por perto para ajudar.
A deteção precoce e a intervenção médica rápida são fundamentais para a sobrevivência, o que faz desta inovação um potencial fator de mudança na resposta a emergências.
“A tecnologia wearable tem o potencial de revolucionar a resposta a emergências“, observou a equipa de investigação da Google.
Segundo o earth.com, a paragem cardíaca fora do hospital é uma das principais causas de morte súbita em todo o mundo. Em muitos casos, a sobrevivência depende do reconhecimento imediato e de uma resposta médica rápida.
Um número significativo destes incidentes ocorre sem testemunhos, tornando quase impossível uma intervenção atempada. Os estudos mostram que 50-75% dos casos de OHCA ocorrem sem que ninguém esteja por perto para pedir ajuda.
Este atraso na resposta de emergência reduz drasticamente as hipóteses de sobrevivência. Sem desfibrilhação em poucos minutos, podem ocorrer danos cerebrais e a probabilidade de recuperação diminui rapidamente.
Os investigadores procuraram resolver este problema criando um sistema que permite aos smartwatches detetar automaticamente a ausência de pulso. Desta forma, esperam melhorar as taxas de sobrevivência das pessoas que sofrem uma paragem cardíaca quando ninguém está presente para ajudar.
Para desenvolver um sistema fiável, os investigadores treinaram um algoritmo utilizando dados de fotopletismografia e de movimento.
O estudo envolveu testes exaustivos em seis grupos distintos, garantindo que o algoritmo funcionava, tanto em ambientes controlados como no mundo real.
A primeira fase de testes teve lugar numa ambiente clínico. Num laboratório de eletrofisiologia, 100 doentes submetidos a testes de desfribilhação sofreram uma fibrilhação ventricular induzida, o que permitiu aos investigadores recolher dados sobre estados sem pulso.
Outros 99 participantes experimentaram a ausência de pulso através de um modelo de oclusão arterial induzida por torniquete, refinando ainda mais a capacidade do algoritmo para detetar uma perda de pulso.
Para além dos ensaios clínicos, os investigadores precisavam de avaliar o desempenho do sistema na vida quotidiana. Para tal, recolheram dados de 948 utilizadores que usaram o smartwatch e condições normais sem sofrerem uma paragem cardíaca, o que ajudou a equipa a medir os falsos alarmes e a aperfeiçoar a precisão do algoritmo.
Uma vez recolhidos os dados iniciais, foram necessários mais testes para avaliar a fiabilidade do sistema em diferentes cenários.
Para determinar a frequência dos falsos positivos, 220 participantes usaram o smartwatch nas suas rotinas diárias.
Este grupo ajudou a determinar a frequência com que o algoritmo poderia detetar erradamente uma perda de pulso quando não estava a ocorrer uma verdadeira emergência.
Para validar ainda mais o sistema, 135 participantes foram submetidos a testes em condições de vida livre e em ambientes controlados.
Estes indivíduos experimentaram a atividade do mundo real, ao mesmo tempo que foram expostos a eventos controlados sem pulso através do método de oclusão arterial induzida por torniquete, o que permitiu aos investigadores comparar os resultados em diferentes ambientes.
Uma parte única do estudo envolveu duplos profissionais. 21 acrobatas treinados simularam colapsos de paragem cardíaca extra-hospitalar, ajudando os investigadores a compreender até que ponto o algoritmo conseguia detetar a perda de pulso durante eventos súbitos e de grande movimento.
Uma vez que os colapsos no mundo real envolvem movimentos imprevisíveis, este teste foi essencial para garantir que o smartwatch conseguia detetar a paragem cardíaca em situações dinâmicas.
O estudo produziu resultados promissores, mostrando que o algoritmo do smartwatch conseguia detetar com precisão a ausência de pulso, mantendo os falsos alarmes num nível mínimo.
Os investigadores não encontraram diferenças significativas entre os sinais da fibrilhação ventricular e os da falta de pulso induzida pela oclusão arterial.
O sistema alcançou uma taxa de sensibilidade de 72% para eventos sem movimento e sem pulso, o que significa que identificou corretamente a paragem cardíaca em quase três de cada quatro casos.
A sensibilidade para colapsos simulados foi ligeiramente inferior, com 53% a refletir uma chamada de emergência falsa por cada 21,67 anos de utilização, um valor promissor para a aplicação no mundo real.
Ao detetar uma perda de pulso, o sistema identificou a ausência de pulso em 57 segundos. Em seguida, esperou mais 20 segundos para verificar a resposta do utilizador antes de iniciar uma chamada de emergência.
Este curto tempo de resposta pode fazer uma diferença crítica nas taxas de sobrevivência, garantindo que a ajuda chega o mais rapidamente possível.
Os smartwatches equipados com deteção de paragem cardíaca têm o potencial de salvar inúmeras vidas.
Para os indivíduos que sofrem uma paragem cardíaca sozinhos, esta tecnologia pode ser a diferença entre a vida e a morte. Ao assegurar uma resposta médica imediata, os smartwatches poderão em breve tornar-se ferramentas essenciais nos cuidados de saúde de emergência.
Apesar da sua elevada especificidade, a redução das taxas de falsos positivos continua a ser um próximo passo crucial. Embora o algoritmo tenha tido um bom desempenho em ambientes controlados, os cenários do mundo real podem ser imprevisíveis. Os investigadores reconhecem que são necessários mais aperfeiçoamentos para aumentar a precisão em condições quotidianas.
Um dos desafios consiste em distinguir entre verdadeiros eventos sem pulso e irregularidades temporárias do pulso causadas por movimento, stress ou problemas nos sensores.
A recolha contínua de dados dos utilizadores de smartwatches pode ajudar a melhorar o algoritmo, permitindo-lhe adaptar-se a diferentes condições de forma mais eficaz.
À medida que a tecnologia wearable avança, a linha entre o controlo da condição física e os dispositivos médicos que salvam vidas continua a esbater-se. Os smartwatches já não são apenas ferramentas para contar passos e monitorizar o ritmo cardíaco — estão a evoluir para se tornarem companheiros de saúde essenciais.
A capacidade de detetar uma paragem cardíaca de forma autónoma representa um grande salto em frente na inovação dos cuidados de saúde.
Ao combinar a aprendizagem automática com dados de saúde em tempo real, os investigadores estão a alargar os limites do que os dispositivos portáteis podem alcançar. O objetivo não é apenas monitorizar a saúde, mas também responder ativamente a situações de emergência de vida.