Os elefantes evoluíram para vencer o cancro (e nós poderemos fazer o mesmo)

Os cientistas esclareceram recentemente a razão pela qual os elefantes, um dos maiores animais do planeta, apresentam, paradoxalmente, taxas de cancro invulgarmente baixas.

A investigação revelou que estes notáveis mamíferos são portadores de variantes genéticas únicas que reduzem o risco de tumores, e as descobertas poderão ajudar a desenvolver novas terapias contra o cancro para os seres humanos.

Segundo o New Atlas, à medida que um organismo envelhece e as suas células continuam a replicar-se, as probabilidades de mutações cancerígenas aumentam. E quanto maior for o organismo, mais células tem, logo, mais possibilidades de mutações e maior risco de cancro à medida que envelhece.

Dentro de cada espécie, esta observação tem-se mantido geralmente verdadeira. Desde os seres humanos mais altos aos cães maiores, verificou-se que o risco de cancro está positivamente correlacionado com o tamanho do corpo.

Assim, em teoria, os animais de grande porte que vivem vidas longas deveriam apresentar taxas de cancro mais elevadas do que os organismos mais pequenos e de vida curta.

Mas tal não se verificou, e a discordância é conhecida há muito tempo como “Paradoxo de Peto”, em homenagem ao epidemiologista Richard Peto, que descobriu que as taxas de carcinogénese por célula não eram consistentes entre espécies. De facto, em algumas espécies maiores, como as baleias e os elefantes, parecia haver muito poucos indícios de cancro, apesar de serem enormes e viverem vidas longas.

No início de 2025, uma equipa de investigadores pôs em causa a ideia básica do paradoxo de Peto, apresentando o primeiro conjunto de dados em grande escala sobre a prevalência do cancro em cerca de 260 organismos.

Descobriram que as espécies maiores tendem a ter uma prevalência ligeiramente mais elevada de cancro do que as espécies mais pequenas. No entanto, as coisas tornaram-se realmente interessantes quando se debruçaram sobre a forma como certos organismos grandes desenvolveram técnicas para se protegerem do cancro.

Embora se saiba que cada espécie desenvolveu as suas próprias capacidades únicas para suprimir o cancro, os elefantes sempre foram de particular interesse para os investigadores.

Estes animais têm uma esperança de vida semelhante à dos humanos e, apesar do seu tamanho, mostram poucos sinais de cancro, mesmo em idade muito avançada. Estima-se que apenas 5% dos elefantes acabam por sucumbir ao cancro, em comparação com 25% dos humanos.

Um estudo realizado há alguns anos identificou uma das principais formas de estes enormes mamíferos evitarem o cancro. Os elefantes parecem ter 20 cópias diferentes de um gene supressor de tumores conhecido como p53.

Este gene codifica uma proteína, também conhecida como p53, que serve como um protetor celular crucial, que atua um pouco como um guarda cuja função é parar a divisão de uma célula quando deteta qualquer dano ou mutação no ADN.

Quando o gene p53 não está a funcionar corretamente, as células danificadas podem multiplicar-se e o tecido canceroso acumula-se.

Pensa-se que a desregulação do gene desempenha um papel em mais de metade dos cancros humanos, mas, ao contrário dos elefantes, só temos uma cópia do gene.

Um estudo de 2022 procurou investigar exatamente como a variedade de genes p53 nos elefantes suprime o cancro.

“Este estudo intrincado e intrigante demonstra o quanto os elefantes são mais do que um tamanho impressionante e como é importante não só conservar, mas também estudar estes animais emblemáticos ao mais ínfimo pormenor”, explicou Fritz Vollarth, coautor do estudo. “Afinal de contas, a sua genética e fisiologia são todas determinadas pela história evolutiva, bem como pela ecologia, dieta e comportamento atuais”.

A atividade do p53 numa célula é regulada por outro gene conhecido como MDM2, que codifica uma proteína que essencialmente inativa a proteína p53.

Esta via p53-MDM2 é fundamental para o funcionamento das células saudáveis — o p53 intervém para verificar a saúde de uma célula e o MDM2 impede o p53 de desencadear a morte celular, enviando um sinal para dizer que tudo está a funcionar bem.

A nova investigação descobriu que os elefantes têm uma incrível variedade de diferentes proteínas p53 que podem aumentar as formas de contornar a inativação do MDM2.

Nos humanos, como só temos uma cópia do gene p53, não é preciso muito para o MDM2 assumir o controlo e permitir que as células cancerosas se repliquem. Mas nos elefantes a proteína p53 assume dezenas de formas moleculares diferentes, evitando a inativação pelo MDM2 e impedindo a replicação de muitas mais células cancerosas.

“Este é um desenvolvimento empolgante para a nossa compreensão de como a p53 contribui para impedir o desenvolvimento do cancro”, afirmou Robin Fåhraeus, coautor do estudo.

“A existência de várias isoformas de p53 em elefantes com diferentes capacidades de interagir com MDM2 oferece uma nova abordagem emocionante para lançar nova luz sobre a atividade supressora de tumor de p53.

O estudo de 2022 apresentou novos e impressionantes conhecimentos sobre os mecanismos desenvolvidos pelos elefantes para evitar o cancro. Além de demonstrar como estes mamíferos maciços utilizaram diferentes moléculas p53 para suprimir o crescimento de células cancerosas, o estudo também apontou para potenciais resultados clínicos humanos.

Ao destacar dezenas de novas formas de ativação das moléculas p53, os investigadores apresentam agora uma série de novas vias para terapias específicas contra o cancro em seres humanos.

No ano seguinte, em 2023, uma equipa diferente de investigadores apresentou uma nova hipótese para explicar porque é que os elefantes podem ter desenvolvido tantas iterações do gene p53.

A questão que colocaram foi o que poderia ter levado a tantas variações no gene p53 quando o cancro se desenvolve principalmente durante a velhice, muito depois de um animal se ter reproduzido. Se os elefantes morressem de cancro depois de terem produzido a maior parte da sua descendência, não haveria uma grande pressão de seleção para minimizar o cancro.

Neste caso, os investigadores sugerem que a resposta está nos testículos do animal.

Na maioria dos mamíferos produtores de esperma, os testículos caem do corpo para o escroto — isto é crucial porque o esperma saudável precisa de ser mantido a uma temperatura ligeiramente mais fria do que a temperatura corporal dos mamíferos.

Mas os elefantes são de certa forma únicos por não terem a tática evolutiva de alojar os seus testículos fora do corpo. O que significa que o esperma dos elefantes é frequentemente exposto a temperaturas corporais elevadas que podem danificar o ADN.

Assim, esta nova hipótese defende que a proliferação dos genes p53 nos elefantes não se destina a proteger os animais do cancro, mas sim a proteger o esperma dos animais.

Estes genes têm a função geral de parar a divisão de uma célula quando são detetados danos no ADN, pelo que são provavelmente importantes para manter a saúde do esperma dos elefantes. A proteção contra o cancro é possivelmente um benefício secundário que ajuda os animais a terem uma vida longa e saudável.

Teresa Oliveira Campos, ZAP //

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