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“Estratégia do louco”. O que é que Trump quer da UE para recuar nas tarifas?

Ian Langsdon / EPA

Emmannuel Macron com Donald Trump na visita do pesidente norte-americano a França

Donald Trump já ameaçou, por mais do que uma vez, que vai impor duras tarifas comerciais à União Europeia (UE). Fez o mesmo com Canadá e México e acabou por recuar. O que será que a UE lhe pode dar para não avançar?

Após ter decretado tarifas comerciais de 25% a Canadá e México, Trump acabou por alcançar um acordo com os dois países vizinhos dos EUA, que permitiu suspender as novas taxas durante, pelo menos, um mês.

Estes acordos foram anunciados como vitórias da Casa Branca, mas será que foram mesmo? Ou foi Trump quem recuou perante um braço-de-ferro que teria causado graves problemas económicos aos EUA?

Trump disse que o “sofrimento” valeria a pena, mas falta saber quantos americanos concordariam com ele perante o agravamento das suas dificuldades diárias. Muitos dos que votaram nele, fizeram-no por razões económicas, esperando que acabe com a inflação, entre outros problemas.

Ora, uma guerra comercial faria disparar os preços dos alimentos, e a indústria automóvel dos EUA poderia entrar em crise.

E mesmo que Trump insista que teve uma vitória “enorme” nas urnas, a verdade diz o contrário – ganhou o voto popular por apenas 1,5 pontos percentuais e as maiorias do seu partido no Senado e na Câmara, são pequenas.

“Trump foi enganado por México e Canadá”

Para o analista da CNN Stephen Collinson, é claro que “Trump pestanejou”, mesmo que se possa gabar de ter conseguido alguma coisa depois de ter exigido a Canadá e México que reforçassem as suas fronteiras contra a imigração ilegal, e contra o tráfico de drogas, em particular o fentanil.

A presidente do México Claudia Sheinbaum anunciou o envio de 10 mil soldados mexicanos para a fronteira, mas reforçou que isso já estava a ser discutido com a própria administração norte-americana, e salientou que Trump se comprometeu a esforçar-se para evitar o tráfico de armas dos EUA que, habitualmente, abastece os cartéis de droga mexicanos.

Já o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, concordou em nomear um “czar” do fentanil, e em criar uma força conjunta de fronteira entre os EUA e o Canadá, e anunciou um investimento de 1,3 mil milhões de dólares em helicópteros e tecnologia para proteger o “Paralelo 49”, a linha divisória entre os dois países.

Para a comentadora de Economia e Política da CNN, Catherine Rampell, é evidente que “Trump foi enganado por México e Canadá”, uma vez que os líderes dos dois países “concordaram em fazer o que já estavam a fazer – “só que Trump não parecia saber nada sobre o assunto”.

“Já há 50 mil tropas mexicanas na fronteira há anos”, destaca Rampell, sublinhando que o Canadá já tinha anunciado no ano passado, que ia gastar 1,3 mil milhões de dólares na fronteira.

“Não há concessões reais” da parte de México e Canadá, conclui a comentadora da CNN.

“O que importa é parecer duro”

Mas, na verdade, o que importa com Trump é “parecer duro”, como sustenta Stephen Collinson, considerando ainda que com o Presidente dos EUA “nada é realmente o que parece“.

O analista da CNN considera que o Presidente dos EUA aposta na “teoria do louco” que mantém o adversário na dúvida, ameaçando estar disposto a qualquer coisa para defender os interesses americanos – é algo parecido ao que Putin tem feito com a ameaça de uma guerra nuclear.

A estratégia também foi usada por Richard Nixon em 1968, no Vietname, quando tratou de passar a informação de que tinha o dedo no “botão nuclear” e que estaria disposto a “crueldades bárbaras”. Só que o Vietname nunca se rendeu.

Será que Trump quer mesmo “enfrentar” a UE?

Depois do “filme” das tarifas ao Canadá e ao México, e dos 10% de taxas impostas à China, Trump já ameaçou a UE. “Vão definitivamente avançar com a UE. Não há um prazo, mas será muito em breve”, afirmou.

O Presidente de França, Emmanuel Macron, prometeu uma resposta à altura. “Se os nossos interesses comerciais forem atacados, a Europa, como verdadeira potência, terá de se fazer respeitar e, por conseguinte, reagir”, destacou.

“As tarifas criam perturbações económicas desnecessárias e impulsionam a inflação”, sendo “prejudiciais para todos os lados”, avisou, por seu turno, um porta-voz da Comissão Europeia.

E, neste caso, o risco para Trump é muito maior. “Bater no tipo mais pequeno da sala, como o México, não impressiona”, realça o especialista em diplomacia do jornal britânico The Guardian, Patrick Wintour. Já “enfrentar a China ou a UE é diferente”, acrescenta.

O México está longe de ser uma potência mundial e tem uma população de mais de 131 milhões de pessoas. Juntamente com o Canadá (cerca de 40 milhões de pessoas), estamos a falar de um mercado de cerca de 171 milhões de pessoas.

O mercado de consumidores da UE ronda as 447 milhões de pessoas, e o chinês tem mais de 1,4 biliões!

Mas o que é que Trump quer da Europa?

Nos casos de Canadá e México, Trump usou as tarifas comerciais para reclamar vitórias nas questões de segurança relacionadas com a luta contra as drogas e contra a imigração ilegal, duas das suas bandeiras no arranque deste segundo mandato.

No caso da UE, a questão da segurança também pode ser importante, nomeadamente no Ártico. Neste âmbito, a Gronelândia poderá ser um “engodo” para impulsionar um aumento dos gastos em defesa nesta zona, ou para incentivar vantagens comerciais para os EUA.

Trump também ameaçou anexar o Canadá se este não cedesse às suas pretensões, e já disse também que pode “comprar” a Gronelândia, território autónomo da Dinamarca.

O Presidente dos EUA realçou igualmente que a UE precisa de “compensar” o seu “enorme défice com os Estados Unidos” através da “compra em grande escala de petróleo e gás” norte-americanos. “Caso contrário, serão tarifas até ao fim“, ameaçou em Dezembro passado.

Os EUA forneceram 47% das importações de gás natural liquefeito da UE, e 17% das importações de petróleo no primeiro trimestre de 2024, segundo dados do Eurostat.

Os países da UE que mais exportam para os EUA são Irlanda, Chipre e Luxemburgo.

As exportações de Portugal para os EUA representam apenas 3,8% do PIB nacional.

Eventuais tarifas de Trump podem provocar uma recessão na Zona Euro, o que deixaria Portugal numa situação “muito vulnerável”, podendo inclusive cortar empregos e encerrar fábricas no nosso país.

Estratégia do “louco” pode beneficiar a China

Entretanto, as consequências das ameaças de Trump, especialmente no que se refere às tarifas comerciais a México e Canadá, podem “demorar anos a ultrapassar”, destaca Stephen Collinson na CNN.

Até porque Trump minou o seu próprio acordo comercial firmado com México e Canadá durante o primeiro mandato, e que defendeu como “um dos maiores do mundo”.

Assim, minou também “a confiança na palavra da América e levantou dúvidas sobre a sua capacidade de fechar futuros acordos”, aponta Collinson.

Com a política externa dos EUA a depender do “carácter volátil de Trump”, cada vez mais países podem “inclinar-se para o campo chinês como o caminho mais seguro e estável”, analisa ainda o comentador da CNN.

Susana Valente, ZAP //

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