A “Vista da Janela de Gras” é a primeira fotografia de sempre ainda existente. Foi criada pelo esquecido Joseph Nicéphore Niépce, entre 1826 e 1827, em Saint-Loup-de-Varennes, França.
Louis Daguerre e o seu daguerreótipo, Henry Talbot e a técnica de papel salgado. É difícil, como noutras grandes invenções, espetar um pionés no ponto exato da história em que a fotografia nasceu.
Apesar de 1839 ter sido um grande ano para a arte de “desenhar com a luz”, um pioneiro e uma técnica inovadora foram esquecidos, subexpostos nas sombras.
É verdade que o (muito bem sucedido) daguerreótipo nos trouxe os estúdios fotográficos, e que o processo de Talbot — que evoluiria para o calótipo (ou talbótipo), registado no início dos anos 1840 e que permitia produzir negativos e cópias a partir deles, um conceito que reinaria até ao digital — foram marcos incontornáveis. Mas antes de tudo isso, Joseph Nicéphore Niépce fez história a partir de uma janela de sua casa, numa aldeia francesa.
Antes de Niépce já se sabia como fazer uma fotografia. Mas ainda ninguém tinha encontrado uma maneira de a eternizar. O jovem francês, desde cedo fascinado pela ciência e química, conseguiu em 1816 obter as primeiras impressões de uma vista a partir de uma janela.
Mas o borgonhês debateu-se com um pequeno, grande problema: as imagens escureciam muito rapidamente. Depois percebeu que a imagem deixava de desaparecer se aplicasse emulsões fotossensíveis em placas de pedra ou metal, e que poderia criar imagens permanentes através da gravura, que podiam então ser usadas para fazer cópias.
O inventor borgonhês começou a usar betume da Judeia, um derivado de petróleo, como revestimento sensível à luz. Dissolveu o betume em óleo de lavanda e aplicou uma fina camada sobre uma placa de estanho, polido. A placa era inserida depois numa câmara escura (caixa com um orifício num dos lados, que permitia a entrada e reflexão de luz e a formação de uma imagem invertida) e colocada perto de uma janela, onde se faria a exposição necessária, durante dias.
As primeiras imagens “gravadas com sol”
Em 1822, o inventor terá conseguido reproduzir uma gravura do Papa Pio VII e em 1826, do Cardeal d’Ambroise — cuja placa se encontra hoje na coleção da Royal Photographic Society, no V&A Museum de Londres.
Mas nenhuma destas imagens foi obtida diretamente da realidade — ou por palavras mais simples, nenhuma era propriamente uma fotografia.
O processo inédito que Niépce usou ficou conhecido como heliografia, um termo que vem do grego “gravar com sol”.
O primeiro “ponto de vista”
Niépce conseguiu fazer “magia” — como descreveu o próprio — em 1824, quando captou uma vista real com recurso a uma câmara escura, escreveu o francês ao irmão, Claude, a 16 de setembro, como confirma o historiador Julien Faure-Conorton, que transcreveu todas as cartas de Niépce, ao Amateur Photographer. Ao processo, Niépce chamou “pontos de vista”.
No entanto, o “sucesso” que descreveu na carta não era total: a exposição necessária para obter a imagem era de quatro a cinco dias e o resultado era pouco visível. A fotografia não sobreviveu até aos dias de hoje, mas terá mesmo sido “o primeiro clique”.
Finalmente: a mais antiga fotografia do mundo
Só em 1827, com novas lentes — cortesia do ótico parisiense Chevalier — é que Niépce captou uma imagem a partir da janela da sua casa em Le Gras. Gravou-a numa placa de estanho que ainda hoje existe, na Universidade do Texas, em Austin, como parte da Gernsheim Collection.
“Point de vue du Gras” (“View from the Window at Le Gras” ou “Vista da Janela em Le Gras”) é considerada a fotografia mais antiga ainda existente captada da vida real.
Tudo se deve a Niépce
Inventor de um motor de combustão interna, de um sistema hidráulico para abastecer Versalhes, de um método de extração do corante indigo e até de uma bicicleta, o (mais tarde) criador das primeiras fotografias preparava-se para anos de investigação para aperfeiçoar a heliografia.
Fechou uma parceria de dez anos com Louis Daguerre em 1829, segundo a U. Texas, mas a morte meteu-se à frente, em 1833, ano em que morreu subitamente. O filho, Isidore, juntou-se a Daguerre, mas foi este último quem tomou conta do leme e apresentou o daguerreótipo em 1839, que acelerou a evolução da fotografia.
Nos anos 50, surge o processo de colódio húmido de Frederick Scott Archer, que combinava a nitidez do daguerreótipo com a multiplicação de cópias permitida pelo calótipo. Mas “é muito interessante imaginar que toda a historia de revelação de fotografia e filme, e até da televisão, recua ao ponto em que Joseph Nicéphore Niépce fez esta imagem em 1826”, afirmou Dusan Stulik, do Getty Conservation Institute.