O primeiro declínio de um império nuclear está longe de ter terminado

A Rússia não tem sido mais do que um império nos últimos 300 anos — o primeiro império nuclear a entrar em declínio, diz o historiador britânico Timothy Garton Ash.

O historiador britânico Timothy Garton Ash considera que o declínio do império russo “está longe de ter terminado”, sendo a primeira vez que esse processo envolve uma potência nuclear.

O processo russo “vai ser difícil, tenso e provavelmente sangrento, e, pela primeira vez na história mundial, é o declínio de um império que possui armas nucleares”, afirmou Garton Ash em entrevista à agência Lusa.

O professor de Estudos Europeus da Universidade de Oxford referiu a Bielorrússia, as repúblicas da Ásia Central, a Chechénia ou as minorias da Federação Russa como algumas das questões menos faladas, mas ainda em aberto.

Lembrou processos de desagregação de impérios e descolonizações como os vividos pela Grã-Bretanha, Portugal ou França, em que havia países de origem bem estabelecidos e instituições a funcionar.

O historiador considera que a rebelião do Grupo Wagner marca o início de um processo longo e difícil de mudança na Rússia, mas é também o seguimento da desagregação do império russo.

“A Rússia não tem sido mais do que um império nos últimos 300 anos, desde Pedro, o Grande. Não existe um Estado-nação russo claramente definido para onde regressar”, afirmou.

O processo tem de ser vivido pelos russos, sem que outros países o possam influenciar diretamente, defendeu.

“Penso que não devemos sobrestimar de forma alguma a nossa possibilidade de influência direta sobre a Rússia”, disse.

À Europa, no contexto atual, resta garantir segurança na UE e na NATO, incluindo da Ucrânia e de outros países, e estar preparada para qualquer contingência na Rússia, positiva ou negativa.

“Devemos continuar a transmitir a mensagem ao povo russo de que é possível um futuro melhor, que se a Rússia mudar a abordagem em relação aos vizinhos e ao Ocidente estamos prontos para estabelecer uma relação diferente”, afirmou.

“Esta mensagem para a Rússia é uma das coisas mais importantes que podemos fazer, mas não podemos influenciar diretamente”, disse.

As potências não ocidentais

Garton Ash disse também que o mundo mudou desde o colapso da União Soviética, em 1991, sendo necessário contar com a China, mas também com outras potências não ocidentais, como Índia, Turquia, Brasil e África do Sul.

“Apesar do que a Rússia está a fazer na Ucrânia, estas potências não ocidentais continuam a ter boas relações com a Rússia e não vão, de todo, alinhar-se com o Ocidente”, referiu.

Garton Ash considerou que a Europa deveria repensar a relação com as outras potências não ocidentais, referindo que o Brasil “seria muito interessante no contexto português”.

“O que temos de fazer não é pensar neles como uma massa indiferenciada chamada ‘Sul Global’, que apenas tem de estar do nosso lado, mas como grandes potências por direito próprio”, defendeu.

Deve haver “uma conversa muito mais sóbria” em que os países sejam tratados como entidades “com interesses, aspirações e valores próprios”.

Com essa nova abordagem, será possível encontrar pontos comuns e projetos conjuntos, dando como exemplo o interesse de todos em preservar a floresta tropical no Brasil.

Temos de tratar todos com respeito, mas também sem o enquadramento bipolar, Ocidente e o resto, o Norte, o Sul”, disse.

Adiar Ucrânia na NATO

Timothy Garton Ash defende que União Europeia (UE) e NATO devem aproveitar a crise criada pela Rússia para se fortalecer, mas antecipou que a Aliança Atlântica deverá adiar compromissos com a Ucrânia para 2024.

“Estou absolutamente convicto de que o futuro a longo prazo da Ucrânia tem de ser na UE e na NATO. Estou igualmente ciente de que esse compromisso não será assumido em Vílnius”, disse em entrevista à agência Lusa.

Em Vílnius, haverá formas de expressar a determinação na adesão ucraniana, mas o interesse imediato “são os compromissos militares que alguns dos principais países da NATO, incluindo os Estados Unidos, assumem para com a Ucrânia”, disse.

Garton Ash considerou que a NATO só deverá dar passos mais concretos para a adesão da Ucrânia na cimeira de Washington, em 2024, mas tudo dependerá do curso da guerra com a Rússia.

A cimeira de Washington assinalará o 75.º aniversário da Organização do Tratado do Atlântico Norte, de que Portugal foi um dos Estados fundadores em 1949.

O professor de Oxford lembrou que, entre 1990 e 2007, a UE a NATO fizeram um grande alargamento a Leste, que esteve praticamente parado desde 2008.

Para Garton Ash, a crise criada pela invasão russa da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, deve ser encarada também como uma oportunidade de fortalecimento da Europa e da Aliança Atlântica.

“Quanto maior a crise, maior a oportunidade”, afirmou.

ZAP // Lusa

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