A criatura que se rebelou e não está presa (ou morta), o sinal de fraqueza do criador forte

ZAP // Metzel Mikhail / TASS / ZUMA

O historiador britânico Timothy Garton Ash considerou hoje que a rebelião do Grupo Wagner marca o início de um processo longo e difícil de mudança na Rússia, mas é também o seguimento da desagregação do império russo.

Em Lisboa para apresentar o seu livro mais recente, “Pátrias – Uma história pessoal da Europa” (Temas e Debates, junho de 2023), Timothy Garton Ash admitiu surpresa com a forma como aconteceu a revolta.

Mas contou que um alto dirigente ucraniano lhe disse em Kiev, no início do ano, que o caminho para a vitória na guerra passaria “por uma espécie de mudança política na Rússia”, que não se sabia como aconteceria.

Ninguém poderia prever um motim armado da própria criatura criada por Vladimir Putin, o senhor Prigozhin”, disse Garton Ash em entrevista à Lusa.

Dezasseis meses após o início da guerra contra a Ucrânia, a Rússia enfrentou no fim de semana uma rebelião do Grupo Wagner, liderado por Yevgeny Prigozhin, que era visto como um aliado do Presidente da Rússia.

Prigozhin ocupou o comando militar russo na cidade de Rostov-on-Don, sudoeste da Rússia, e mandou avançar uma coluna de mercenários para Moscovo, que voltou para trás após um acordo mediado pela Bielorrússia.

O chefe do Wagner exigia a demissão do ministro da Defesa, Serguei Shoigu, e do chefe do estado-maior, Valery Gerasimov, a quem acusou de atacar os seus efetivos e de incompetência na guerra contra a Ucrânia.

Garton Ash qualificou estes eventos como “boa notícia para a Ucrânia” por mostrar que, à semelhança de muitas ditaduras, a russa é forte, mas também é frágil.

“O facto de a sua própria criatura se ter rebelado contra si e não estar na prisão ou morta é um sinal de fraqueza de um homem forte”, afirmou.

Para Garton Ash, a posição enfraquecida de Putin ficou visível até para os cidadãos russos comuns. “Por isso, penso que é o início de um longo e difícil processo de mudança na Rússia”, disse.

O professor de Estudos Europeus na Universidade de Oxford, Inglaterra, defendeu que, agora mais do que nunca, o Ocidente tem de apoiar a Ucrânia.

“A menos que estejamos preparados para ver a Ucrânia perder esta guerra, não há outra alternativa senão continuar no caminho que escolhemos”, referiu.

Garton Ash considerou que o Grupo Wagner, tal como era conhecido desde 2014, acabou depois dos acontecimentos do fim de semana, e que Putin tem agora de se preocupar em consolidar o poder.

É isso que ele mais teme, a perda do poder, que pode ser potencialmente a perda da liberdade, a perda da riqueza e até mesmo a perda da vida”, afirmou.

O antigo jornalista e atual colunista do jornal britânico The Guardian admitiu que se está “a entrar num período mais perigoso” com o risco de uma escalada por parte de Putin.

Não há nenhuma forma de avançar sem riscos”, afirmou, no entanto advertindo que “o risco a longo prazo será maior” se o Ocidente vacilar no apoio à Ucrânia por medo da reação de Putin.

Timothy Garton Ash considera aidna que o maior perigo para o apoio ocidental a Kiev será Donald Trump ser eleito Presidente dos Estados Unidos em 2024, por ser “a única pessoa capaz de ‘puxar o tapete’ à Ucrânia”.

Em “Pátrias”, o historiador debruça-se sobre os últimos 50 anos na Europa, com base nas viagens que iniciou pelo continente quando Portugal ainda vivia sob uma ditadura.

Olhando para trás, compreendemos que um dos grandes motores da história europeia ao longo destes 50 anos foi o declínio do Império Russo, que começámos a observar na década de 1980”, afirmou.

O Ocidente pensou que esse império tinha entrado em colapso em 1991, com a dissolução da União Soviética, mas estava enganado, diz Garton Ash, “porque os impérios não desistem sem lutar”.

No caso russo, disse, o império começou a atacar na Geórgia, em 2008, na Ucrânia, em 2014, e no mesmo país oito anos depois.

“De certa forma, 2022 é uma continuação dessa história”, acrescentou.

Timothy Garton Ash, 67 anos, vai apresentar “Pátrias” na terça-feira, no Estoril Political Forum, organizado pelo Instituto de Estudos Europeus da Universidade Católica Portuguesa.

// Lusa

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