O Pikachu foi apanhado a fugir à polícia. O que é o poder subversivo da fofura?

Orimo / Youtube

Pikachu foge da polícia, na Turquia

A fofura é uma poderosa arma política. Tem chamado a atenção para as injustiças contra os vulneráveis e aumentado o apoio aos mais desfavorecidos.

No dia 27 de março, em Antalya, na Turquia, um Pikachu foi visto a fugir da polícia – tão depressa quanto as suas curtas pernas amarelas conseguiam andar.

A popular personagem do Pokémon saiu à rua para se opor à detenção Ekrem Imamoglu.

O Presidente da Câmara de Istambul, que é o principal opositor do atual regime turco, foi detido a dias de se tornar líder do Partido Popular Republicano (CHP, na sigla em turco), que quer derrubar Tayyip Erdogan.

Em resposta a esta caricata imagem, o partido de Imamoglu publicou no X: “O spray de pimenta, que até afecta o Pikachu, não fará nada a ti nem a mim! #ResistPikachu”.

Curiosamente, ao mesmo tempo, a Internet estava a ter ‘um dia em cheio’ com um outro fiel da anime japonesa, utilizando a IA generativa para infundir memes famosos, retratos de família e cenas de filmes com uma pátina de fofura, reformulando-os ao estilo da empresa de animação japonesa Studio Ghibli.

Mas não importou o facto de o diretor e fundador do Studio Ghibli, Hayao Miyazaki ter denunciado a arte gerada por IA como “um insulto à própria vida”.

Tanto o manifestante Pikachu como as animações virais do Studio Ghibli demonstram o poder subversivo da fofura – teoriza a historiadora Yii-Jan Lin, da Universidade de Yale (EUA), num artigo no The Conversation.

“Para mim, a fofura é mais do que a capacidade de se tornar viral. A fofura pode ser usada politicamente. Pode chamar a atenção para as injustiças contra os vulneráveis e pode aumentar o apoio aos mais desfavorecidos. É uma forma de soft power no verdadeiro sentido do termo”, escreveu.

O que é o poder subversivo da fofura?

Como taiwanês-americana, a historiadora conta que sempre sempre foi fã da fofura que faz parte das culturas da Ásia Oriental: personagens de desenhos animados, artigos de papelaria e até comida com aspeto fofo.

Atualmente, Lin estuda a fofura: o que torna algo “fofo” e como funciona na cultura e na política.

Muitas personagens e produtos bem conhecidos da cultura pop podem ser atribuídos ao Japão, especialmente depois da II Guerra Mundial, quando a animação japonesa – conhecida como anime – e um estilo de banda desenhada japonesa chamado manga se tornaram populares.

As suas narrativas e estética falavam a um país que ainda se ressentia da devastação provocada pelas bombas atómicas e da humilhação da ocupação americana.

A anime e a manga imaginavam futuros distópicos e utópicos, utilizando histórias nostálgicas, perturbadoras ou uma mistura de ambas para processar o trauma coletivo.

Em muitos casos, as personagens engraçadas guiaram os espetadores e os leitores através da dor, da culpa e da perda.

Tanto o Studio Ghibli como o franchise Pokémon surgiram na segunda metade do século XX, juntamente com outros titãs da fofura, como a Hello Kitty – que acaba de celebrar o seu 50º aniversário -, o Doraemon e as populares personagens da Nintendo, Kirby e Yoshi.

“A fofura domina atualmente as culturas da Ásia Oriental”, escreve Lin.

A união em torno da fofura

Na opinião de Lin, os memes do Studio Ghibli que varreram as plataformas de redes sociais nas últimas semanas revelaram um desejo generalizado de ternura numa altura em que o mundo parece particularmente duro, violento e imprevisível.

A teórica Sianne Ngai, por seu turno, argumentou que a fofura se baseia normalmente na diferença de poder entre o observador e o objeto fofo: “Um pequeno gatinho, um animal de peluche ou um bebé a arrulhar são bonitos, em parte, porque são muito vulneráveis”.

“Penso que é por isso que os esforços da Casa Branca para se juntar aos memes Ghibli falharam. A sua conta X publicou uma imagem ao estilo Ghibli de uma mulher dominicana a chorar enquanto era algemada por um agente do ICE. A imagem gerou indignação”.

Paradoxalmente, a impotência das personagens fofinhas também pode ser poderosa: A maioria das pessoas não consegue evitar aplaudir um animal de desenho animado amarelo e peludo que foge da polícia de choque.

Uma personagem engraçada pode parecer indefesa, mas pode reunir apoio para os mais desfavorecidos.

Talvez seja por isso que o Pikachu voltou a aparecer em dois outros protestos: numa manifestação anti-Netanyahu em Israel, a 5 de abril de 2025, e numa manifestação anti-Trump em Washington, D.C., no mesmo dia.

A fofura tem sido usada como uma ferramenta política.

A Milk Tea Alliance, formada em 2020, é um exemplo de um movimento pan-asiático pró-democracia que une comunidades em Hong Kong, Taiwan, Tailândia, Myanmar e outros países.

Os organizadores enfatizam a eficácia da fofura e do humor como uma ferramenta para condenar a violência e denunciar o autoritarismo.

A comédia pode ser verdadeiramente subversiva. Os cartoons políticos e os comediantes há muito que exploram esta dinâmica.

Mas a fofura acrescenta um toque de absurdo caprichoso que desnorteia ainda mais os sedentos de poder” – conclui Yii-Jan Lin.

Apesar do seu exterior fofo, pitoresco e encantador, a fofura tem superpoderes ocultos: Celebra os vulneráveis, ao mesmo tempo que retira aos autoritários a gravidade que procuram projetar.

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