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O nazismo descoseu a moda de Berlim

(dr) Yad Vashem Archiv

No início do século XX, Berlim era um dos mais importantes centros do setor têxtil, graças à alma de negócio dos judeus. O nazismo veio ‘descoser’ tudo e, desde então, a cidade ficou longe de se estabelecer como uma capital da moda.

A indústria têxtil irrompeu em Berlim na década 1830, pela mão de visionários judeus.

As máquinas de costura industriais adotadas nos anos 1850 revolucionaram o setor.

No entanto, o que realmente tornou Berlim num “próspero centro de moda” foi mesmo a alma do negócio dos “judeus pioneiros“, como contou Uwe Westphal, ao Deutsche Welle (DW).

Uwe Westphal é o autor da obra “Berlim Metrópole da Moda 1836 – 1939. A História da Ascensão e Destruição da Indústria da Moda Judaica”. Dedicou quase 40 anos à pesquisa sobre a indústria esquecida da moda judaica de Berlim.

À Revolução Industrial – em meados do século 19 – seguiu-se a fundação do Império Alemão, em 1871.

Esse momento, explicou o jornalista, consagrou na sua Constituição novos direitos aos judeus, permitindo que a população judaica alemã conseguisse implementar os seus métodos, sem restrições legais.

Em 1871, Berlim tinha apenas pouco mais de 800 mil habitantes. Na década de 1920, com a agregação de cidades e vilas à volta, a capital alemã tornou-se numa metrópole com mais de 4 milhões de habitantes, dos quais 4% eram judeus.

Os judeus migraram das áreas rurais para as grandes cidades, em busca de novas oportunidades e melhores condições de vida.

“Entre eles havia alfaiates, costureiras e empresários como David Leib Levin, que veio de Köningsberg [atual Kaliningrado] e abriu uma fábrica de casacos femininos”, contou Westphal.

Berlim à medida de todos…

As tendências, ‘à medida’, de Paris eram muito caras para a classe média, que estava cada vez mais interessada em estar na moda.

Os empresários judeus conseguiram dar a volta e tiveram a ideia de produzir roupas baratas, com tamanhos padrão prêt-à-porter.

Berlim oferecia roupas baratas, elegantes e de alta qualidade, inspiradas na alta costura parisiense.

A indústria da moda de Berlim atingiu o seu auge nos anos 1920, com mais de 2700 empresas do setor – predominantemente de famílias judaicas: David Leib Levin, Nathan Israel, Manheimer e Hermann Gerson.

Conclusão: os judeus souberam adaptar-se, na perfeição, às novas exigências da era industrial. “Eles tinham sensibilidade sobre o gosto dos clientes e tinham contactos internacionais com fabricantes de tecidos”, enalteceu o jornalista.

Berlim com medidas para alguns…

Com a ascensão de Hitler ao poder, em 1933, o antissemitismo elevou-se ao extremo. Os judeus – e respetivos negócios – sofreram fortes boicotes.

As empresas têxteis judaicas foram sendo adquiridas por membros do partido nazi.

Os judeus foram, desde logo, proibidos de pedir empréstimos bancários. “Para as empresas de moda, isso foi um desastre. Não era possível fazer qualquer desfile de moda sem garantia bancária”, detalhou Westphal.

O especialista contou ainda que os judeus foram obrigados a tornarem-se sócios dos nazis, para terem acesso a fundos e, por último, a transferirem as suas propriedades a “preços ridiculamente baixos“.

Em novembro de 1938, num motim policial, os nazis invadiram centenas de empresas em Hausvogteiplatz – centro da moda berlinense -, e destruíram tudo o que conseguiram.

“Das 2700 empresas judaicas do setor, restaram apenas 24, que foram confiscadas até 1940”, disse o jornalista.

O principal objetivo de Hitler era criar novos escritórios ou empresas nazis.

Josef Neckermann e Hugo Boss são apenas dois nomes conhecidos, entre os vários que lucraram com a aquisição hostil e forçada de empresas judaicas. “Eles controlaram a produção de roupas e fardas militares”, revelou Westphal.

Nas décadas de 1950 e 1960, a indústria da moda da Alemanha Ocidental mudou-se de Berlim para Munique e Düsseldorf, devido à divisão da antiga capital; e, a partir da década de 1970, a Alemanha deixou de ter destaque no setor, em definitivo.

Tudo o que era moda foi completamente destruído: escolas de moda, a cultura que abrangia moda, arquitetura, Bauhaus, música, indústria cinematográfica e artes visuais em geral”, lamentou Westphal.

“É assustador ver que, desde 1945, ninguém se quer lembrar desta cultura da moda. Não há comemorações dos muitos estilistas judeus. Isso contrasta com as muitas empresas alemãs que estavam profundamente envolvidas com o Estado nazi e vêm agora tentar reparar os erros do passado”, acrescentou o jornalista.

Atualmente, Berlim organiza duas vezes por ano uma Semana da Moda. No entanto, está muito longe de ser uma capital da moda.

Miguel Esteves, ZAP //

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