Um livro escrito num idioma que não existe e ilustrado com plantas e criaturas nunca vistas é um dos grandes mistérios da Bibilioteca Beinecke de Manuscritos e Livros Raros da Universidade de Yale, nos Estados Unidos.
O enigma parecia ter sido resolvido em 2017 pelo historiador britânico Nicholas Gibbs.
Em maio de 2019, também Gerard Cheshire, investigador da Universidade de Bristol, anunciou que tinha desvendado o mistério do livro impossível.
Falso alarme, explicou poucos meses mais tarde Gordon Rugg, professor da Keele University: ainda ninguém conseguiu decifrar o mistério do livro indecifrável escrito numa língua que não existe com criaturas nunca vistas.
O livro é conhecido com o Manuscrito de Voynich, uma homenagem ao comerciante de livros usados Wilfrid Voynich, polaco naturalizado britânico, que terá descoberto o misterioso livro em Itália em 1912.
Desde então, o texto transformou-se numa obsessão de vários especialistas e gerou muitas teorias — algumas científicas, outras mais absurdas.
“A minha teoria favorita é a de que o livro é um diário ilustrado de um adolescente extraterrestre que se esqueceu dele na Terra antes de partir”, diz em tom de piada o curador da Biblioteca Beinecke, Ray Clements.
O manuscrito é, na verdade, um livro pequeno, do tamanho de uma das reedições de clássicos da literatura que geralmente são impressos pela editora Penguin.
A capa é frágil, feita de couro desbotado, da cor de marfim desgastado.
Ao todo são 240 páginas ilustradas. Os desenhos incluem coisas que parecem visões alucinogénicas, plantas estranhas, símbolos astrológicos, criaturas em forma de medusas e o que parece ser uma lagosta.
Numa das imagens pode-se ver um grupo de mulheres nuas de pele muito pálida, que deslizam pelo que parece ser um tobogan de água.
O texto está escrito com tinta castanha e faz lembrar as descrições da língua dos elfos, criada pelo escritor inglês J.R.R. Tolkien para as sua obras, como O Hobbit e O Senhor dos Anéis.
Fuga para Inglaterra
Wilfrid Voynich nasceu em 1865, de origem polaca, e vivia na Lituânia, território que, na altura, pertencia ao Império Russo. Foi preso e enviado para a Sibéria por exercer actividades revolucionárias.
Voynich conseguiu escapar da Sibéria através da Manchúria e fugiu para Inglaterra.
Em Londres, estabeleceu uma livraria especializada em textos em segunda mão, que acabou por se converter num centro onde se reuniam os exilados políticos que viviam na capital britânica – e atraía nomes como Karl Marx.
Voynich afirmava que tinha encontrado o manuscrito em Villa Madragone, um seminário jesuíta, nos arredores de Roma.
No manuscrito estava anexada o que parecia ser uma carta escrita em 1665 por Johannes Marcus Marci, um físico do Sacro Império Romano.
A carta dizia que o livro chegou a pertencer a Rodolfo II, imperador do Sacro Império Romano (1576-1612), e que provavelmente seria obra do alquimista inglês Roger Bacon.
Outros dois possíveis autores que estariam envolvidos na criação do manuscrito seriam John Dee, mágico e astrólogo da rainha Elizabeth I, e um dos seus seguidores, Eward Kelley.
Voynich referiu-se ao livro como “o manuscrito com a mensagem codificada de Roger Bacon“.
Atração
Desde então, o manuscrito transformou-se num imane de mentes brilhantes – por exemplo, o americano William Friedman, um dos grandes criptógrafos do século 20 e que criou a NSA, a Agência Nacional de Segurança, passou 30 anos de sua vida a tentar decifrar o código do manuscrito.
E as novas teorias sobre o misterioso livro multiplicam-se.
Um botânico americano aposentado afirmou recentemente que algumas das plantas eram originárias da América Central. Já um especialista britânico garantiu que, depois de aplicar os seus conhecimentos em linguística, conseguiu traduzir dez palavras.
Falsificação
No entanto, é possível que o próprio Wilfrid Voynich tenha falsificado o livro. Um dos artifícios mais comuns na história da falsificação é o de um comerciante de livros raros que “descobre” um manuscrito desconhecido.
Voynich é conhecido por ter este “toque mágico”. Afirma-se que ele teria adquirido uma grande quantidade de pergaminhos e que aplicou o seu bom conhecimento de química, obtido na Universidade de Moscovo, para produzir tintas com pigmentos parecidos com os usados na Idade Média.
É possível que, ao falsificar o manuscrito, Voynich tenha feito o que muitos falsificadores antes dele fizeram: criar um segundo documento, para validar o primeiro e lhe dar uma origem plausível.
Até agora só se conseguiu determinar que o couro data do século 15.
Mas, até que sejam feitas análises e exames às tintas e pigmentos do manuscrito, o mistério deste livro continuará a seduzir actuais e futuros “Voynicologistas”.
// BBC