/

Afinal, ainda ninguém conseguiu decifrar os segredos do misterioso Manuscrito Voynich (e a ciência é que sofre)

A maneira como os media exploram algumas teorias irrealistas do Manuscrito Voynich pode estar a deformar a opinião pública na forma como se relaciona e confia na comunidade científica.

A menos que seja um especialista em linguagem medieval, provavelmente teria dificuldades em entender um livro da época.

Mas há um texto que deixa perplexos os principais especialistas do mundo no tema.

O Manuscrito Voynich é um famoso texto medieval manuscrito, com algumas centenas de páginas, todas elas ainda indecifráveis.

O significado do manuscrito começou como um verdadeiro quebra-cabeças — e um que atraiu os melhores codebreakers do mundo. Códigos são vitais para militares e para o comércio, assim sendo, desvendar um novo tipo de código seria de grande importância.

Até hoje, o esforço desses codebreakers, que incluíam os homens que decifraram os códigos da Marinha do Japão na Segunda Guerra Mundial, continua inglório. Agora, investigadores não estão convencidos de que haja sequer um código para o decifrar, ao contrário do que foi sugerido por alguns especialistas.

O padrão de repetição de palavras foi considerado complexo demais para o livro ser uma farsa secular, mas em 2004, esses mesmos investigadores demonstraram que esse raciocínio tinha falhas.

Por razões bastante técnicas, não há atualmente nenhuma maneira de dizer se o texto é o código mais difícil de decifrar na história da humanidade, ou uma farsa projetada para frustrar todos aqueles que foram encantados pelo seu feitiço, explica Gordon Rugg, professor da Keele University, no The Conversation.

Naturalmente, o livro atraiu a atenção de investigadores e dos media — não apenas por causa do mistério do código em si, mas também por causa das suas ilustrações bizarras.

O manuscrito apareceu pela primeira vez na corte de Rodolfo II da Boémia, um dos monarcas mais extravagantes da história. Um dos vigaristas mais conhecidos da história, Edward Kelly, há muito é suspeito de enganar o notoriamente crédulo Rodolfo e vender-lhe o livro. No entanto, a esta teoria faltam rigor científico e relatórios precisos.

A influência dos media

O manuscrito agora recebe cobertura internacional a cada nova solução proposta. Quase todos eles argumentam que o texto é uma língua não identificada — uma categoria da teoria com enormes falhas que há muito tempo já estão bem estabelecidas.

Por exemplo, todas as línguas reais têm regularidades na ordem das palavras. Em inglês, “Eu bebo café” é uma frase gramaticalmente correta, mas “bebo eu café” não é. No entanto, as palavras do Manuscrito Voynich não têm regularidades na sua ordem. Só essa razão é suficiente para eliminar todas as línguas conhecidas de serem candidatas, mas há muitas outras também.

Então, se as razões para excluir uma linguagem não identificada são tão fáceis de entender, por que razão estas teorias continuam a passar pela revisão por pares e pela cobertura dos media?

O Manuscrito Voynich é, na verdade, apenas um dos suspeitos do costume no radar dos media viciados em respostas clicáveis, mas inadequadas, aos mistérios antigos não resolvidos.

Beinecke Rare Book & Manuscript Library / Wikimedia

Uma das páginas do Manuscrito Voynich.

E subjacente a este crescente apetite por histórias de pseudociência que vêm salvar o dia, há uma divisão cada vez maior entre especialistas e o público. Essa mentalidade de “nós e eles” afeta não apenas o relato da ciência, mas está a minar a confiança nas instituições de investigação que transformaram o mundo moderno.

A barreira entre o estudo e os seus destinatários precisa de ser derrubada — mas isso exige uma solução mais profunda do que simplesmente dizer que os media não se deviam apressar a noticiar más histórias.

Se jornalistas ou editores demorarem muito tempo a decidir aceitar uma matéria, correm o risco de ser apanhados por um concorrente. De qualquer forma, muitas dessas histórias são baseadas em artigos com a suposta marca de confiança da revisão por pares.

No entanto, a pobre ciência nunca será completamente erradicada, e enquanto houver uma demanda para lê-la, os meios de comunicação e serão sempre tentados em publicá-la. Assim sendo, os governos e organizações devem reunir investigadores e o público para gerar uma visão mais ampla e compartilhada daquilo que constitui um bom estudo.

É claro que nós, como sociedade, precisamos de pensar mais profundamente sobre como podemos garantir que a investigação seja compreendida e valorizada. Transformar a relação do público com a ciência não é tarefa fácil, mas dada a sua pesada contribuição para a criação de um mundo melhor, seria uma vitória para mais do que apenas especialistas no Manuscrito Voynich.

Siga o ZAP no Whatsapp

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.