O importante cargo que ninguém quer na União Europeia

Johanna Geron / EPA Pool

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen

Lições da pandemia foram “esquecidas” na UE: ninguém quer ser comissário da Saúde — e o cargo pode acabar em mãos inexperientes.

Numa altura em que os países europeus disputam posições de topo na Comissão Europeia, há um cargo que parece estar condenado à desgraça.

Outrora um papel fundamental, especialmente durante o auge da pandemia de COVID-19, o cargo de comissário da saúde da União Europeia (UE) corre agora o risco de ser entregue a um pequeno país da UE com interesse e conhecimentos limitados em matéria de saúde, alerta a Aliança Europeia de Saúde Pública (EPHA).

De prioridade a terceiro plano

Durante a pandemia, a política de saúde ganhou destaque na UE: dedicou mais 5 mil milhões de euros a programas de saúde e criou novas agências para fazer face a futuras crises sanitárias.

Stella Kyriakides, Comissária da Saúde na altura, trouxe a sua experiência como psicóloga clínica e veterana da política de saúde no seu país natal — o Chipre. Sob a sua liderança, a saúde tornou-se uma das prioridades da UE, algo que não era habitual numa área tradicionalmente tratada a nível nacional.

No entanto, a urgência e a atenção dada à saúde foram-se desvanecendo, avança o Politico esta sexta-feira: são as finanças e a defesa que dominam atualmente a agenda da UE.

A Aliança Europeia de Saúde Pública (EPHA) alerta para o facto de as lições da pandemia terem sido esquecidas, com a política de saúde a regressar à sua antiga posição menos proeminente.

“As lições sobre a centralidade da saúde em todas as áreas políticas parecem ter sido perdidas na pressa de passar à frente da pandemia”, afirmou a EPHA, com sede em Bruxelas.

“A pandemia de Covid-19 foi um sinal de alerta para a Europa, mas parece que as lições já foram esquecidas”, diz Silvia Ganzerla, gestora de políticas da EuroHealthNet.

Há agora uma preocupação crescente de que um comissário inexperiente possa vir a assumir enormes responsabilidades em matéria de saúde pública, como a regulação do tabagismo, do vaping e da indústria farmacêutica — um setor que já enfrenta uma forte concorrência dos Estados Unidos e Ásia.

Potenciais candidatos caem, um a um

Inicialmente, esperava-se que dois fortes candidatos disputassem o cargo de comissário da saúde: o Ministro da Saúde belga, Frank Vandenbroucke, e o antigo Ministro da Saúde de Malta, Chris Fearne.

Ambos têm um historial sólido em matéria de política de saúde: Vandenbroucke, conhecido pela sua posição dura em relação à indústria tabaqueira e pelo seu sucesso na resolução do problema da escassez de medicamentos na UE, e Fearne, respeitado pelo seu trabalho no domínio da resistência antimicrobiana. No entanto, circunstâncias políticas puseram ambos os candidatos de lado.

Bélgica, em resposta ao apelo da Presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, à paridade de género, nomeou uma candidata em vez de Vandenbroucke; Fearne, por outro lado, envolveu-se num escândalo de fraude hospitalar que levou à retirada da sua nomeação.

Surgiram naturalmente outros potenciais candidatos, como o cipriota Costas Kadis. Ministro da Saúde em 2007, está a ser considerado principalmente devido à sua formação em ciências ambientais e não à sua experiência na área da saúde.

A candidata croata Dubravka Šuica era vista como promissora candidata, especialmente se mantivesse o seu papel de vice-presidente da Comissão, o que aproximaria a saúde de von der Leyen. No entanto, não terá manifestado interesse na pasta.

Cortes no financiamento

A acrescentar à incerteza em torno da política de saúde está um corte significativo no financiamento.

No início deste ano, os países da UE votaram para reduzir o orçamento do programa EU4Health, cortando mil milhões de euros da sua dotação de 5,3 mil milhões de euros para libertar recursos para a Ucrânia.

O programa, que financia a investigação sobre questões como a COVID-19 de longa duração e iniciativas para reter os profissionais de saúde, deverá terminar em 2027.

Dizem alguns em Bruxelas que a queda do programa é um símbolo da queda de importância atribuída à saúde pública na UE.

“Cortar o programa EU4Health é enviar a mensagem errada”, disse na semana passada à Comissão do Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança Alimentar o legislador de centro-direita do Partido Popular Europeu (PPE), Tomislav Sokol: “Está a enviar a mensagem de que os cuidados de saúde não são importantes e é um sinal contra o qual devemos lutar.”

Ascensão da direita muda abordagem

Para além dos cortes orçamentais, surgem preocupações sobre o futuro político da política de saúde no Parlamento Europeu.

Em 2023, a comissão SANT foi criada para tratar exclusivamente de questões de saúde. No entanto, é uma subcomissão sem poderes legislativos: não passa de um fórum de discussão. A comissão ENVI, que trata da saúde em conjunto com as questões ambientais e climáticas, mantém a autoridade legislativa.

As ONG e os decisores políticos elogiaram a abordagem “holística” da comissão ENVI, que associa a política de saúde a questões mais vastas como as alterações climáticas. No entanto, a mudança de cenário político na UE está a complicar as coisas.

A ascensão do populismo de direita no Parlamento Europeu, especialmente após as eleições europeias de junho, mudou o tom dos debates sobre saúde. Em reuniões recentes de ambas as comissões, membros da extrema-direita questionaram as ações das agências de saúde da UE durante a pandemia e, segundo o Politico, afirmaram que as instituições europeias e nacionais tinham espalhado mais desinformação durante a Covid-19 do que os trolls da Internet.

Apesar das preocupações com a potencial falta de experiência dos novos comissários da saúde, alguns em Bruxelas acreditam que a direção geral da política de saúde será definida nada mais nada menos do que por von der Leyen.

Tomás Guimarães, ZAP //

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