O Ministério Público arquivou a queixa de racismo feita por Nicol Quinayas contra o segurança da empresa 2045, Hernâni Pacheco. No mesmo despacho, de agosto do ano passado, o MP acusou tanto a jovem como o segurança de ofensas à integridade física simples.
De acordo com o jornal Público, Hernâni Pacheco foi acusado pelo Ministério Público de dar dois murros a Nicol Quinayas, colocando um joelho sobre as suas costas. Por sua vez, a jovem foi acusada de desferir pontapés e cuspir para o segurança quando este a tentava tirar do autocarro.
O Instituto de Medicina Legal refere, no exame forense realizado a 28 de junho ao segurança, esquimoses nos membros. Já o exame forense de Nicol, feito a 25 do mesmo mês, refere edema acentuado na face, escoriações avermelhadas e equimose arroxeada e hematoma, e diz que as lesões resultam de traumatismo “contundente”.
No processo, estava em causa a violação do artigo 240º do Código Penal e crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência.
O MP considerou que o testemunho de Nicol e da amiga Daniela sobre as ofensas racistas não constituíram prova que sustente “a versão apresentada” pela jovem, uma vez que, das cerca de trinta testemunhas indicadas, o MP considerou que só aquelas duas mulheres referiram ter havido ofensas racistas pelo segurança.
O Público teve acesso ao processo e, segundo o mesmo, várias testemunhas referiram ter ouvido Nicol Quinayas chamar “racista” ao segurança, mas como essas pessoas não ouviram a expressão dita pelo próprio não se pode concluir que os factos foram provados.
Em inquirição, a jovem acusou Hernâni Pacheco de lhe dizer “tu aqui não entras, preta de merda”. A amiga Daniela referiu que o segurança disse a Nicol e à amiga Tânia, também negra, uma frase semelhante. Já Tânia referiu que o segurança lhes disse – a ela e a Nicol – “pessoas como vocês só arranjam confusão“, o que para o MP não é necessariamente uma “expressão de índole racista”.
Além disso, Daniela e Nicol situam a frase do segurança em momentos diferentes e, por esse motivo, a procuradora considerou que os seus testemunhos são incongruentes. Em relação a este ponto, a jovem refere que é natural existirem incongruências, dado que Tânia estava “fora do autocarro e nunca chegou a entrar”.
Tanto Nicol como Hernâni foram constituídos arguidos em setembro de 2019 e acabaram por desistir da queixa. A jovem quis encerrar o assunto, mesmo contra vontade da advogada: “Preferi chegar a acordo, percebi que ia ser uma luta contra a empresa. Não vou estar nesta luta, vou perder o meu tempo. A raiva e a injustiça que senti no início perdeu-se e não ia acontecer nada.”
Nicol diz nunca ter sido ouvida pela IGAI
Paula Moreira, advogada de Nicol Quinayas, diz que a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) nunca ouviu a jovem.
A IGAI instaurou um processo de inquérito logo a seguir aos acontecimentos para avaliar a atuação da PSP naquele caso: dois agentes deslocaram-se ao local naquela noite e não registaram a queixa de Nicol, nem detiveram o segurança. Além disso, estava a ser investigado o facto de os polícias terem registado em auto de notícia o episódio, apenas três dias depois da ocorrência e já depois de Nicol ter feito queixa na esquadra.
A advogada garante que a jovem nunca foi ouvida pela IGAI. A entidade chegou a enviar um email em 2018, mas nunca mais retomou o contacto, de acordo com Paula Moreira. Segundo o matutino, depois da abertura do processo pela IGAI, o Núcleo de Deontologia do Comando da PSP do Porto também abriu um processo disciplinar aos dois agentes.
Até esta segunda-feira, a IGAI não deu resposta ao Público. O diário também tentou contactar a PSP para saber qual o desfecho do processo disciplinar, mas não obteve resposta do porta-voz Nuno Carocha.