Nagasaki foi destruída pela “Fat Man”. 80 anos depois, fez soar os sinos da paz

Hiromichi Matsuda

Foto tirada a 9 de agosto de 1945 por Hiromichi Matsuda a partir do telhado do escritório do então Estaleiro Kawanami Kōgyō, localizado em Kōyagi, Nagasaki

“Quem poderia imaginar que o mundo se tornaria assim? Por favor, parem já os conflitos armados!”, pediu este sábado o presidente da câmara da cidade portuária. Morreram 74 mil pessoas, três dias depois de Hiroshima.

Um minuto de silêncio este sábado em Nagasaki, às 11h02, hora da explosão atómica que atingiu a cidade japonesa há 80 anos, numa cerimónia em que o sino restaurado de uma igreja tocou, pela primeira vez desde o ataque, em uníssono com o seu sino gémeo.

Em 9 de agosto de 1945, às 11h02, três dias depois do bombardeamento de Hiroshima, Nagasaki sofreu também o horror de uma bomba nuclear. Cerca de 74 mil pessoas morreram nesta cidade portuária do sudoeste do Japão, somando-se às 140 mil vítimas de Hiroshima.

Os Estados Unidos lançaram o primeiro ataque nuclear da história sobre a cidade de Hiroshima em 6 de agosto de 1945 e, três dias depois, lançaram uma segunda bomba atómica sobre Nagasaki, o que levou à rendição do Japão em 15 de agosto e ao fim da Segunda Guerra Mundial.

A bomba de plutónio por implosão, com o nome Fat Man, tinha Nagasaki como plano B. O plano inicial era atingir o Arsenal de Kokura, mas as condições meteorológicas e problemas mecânicos não o permitiram.

A cerca de 500 metros de altitude, dois minutos depois das 11 horas, a Fat Man detonou a uma potência equivalente a 21 quilotoneladas — foi 40% mais poderosa do que a bomba de Hiroshima.

Aquele centro industrial e importante porto da costa ocidental de Kyushu, casa da Mitsubishi, ficou destruído, mas as colinas em redor e as fábricas “absorveram” os maiores danos e pouparam as zonas mais centrais da cidade, apesar do desastre ter sido devastador.

Praticamente tudo num raio de 800 metros do hipocentro foi obliterado, com estruturas de betão a colapsar e materiais combustíveis a incendiarem-se instantaneamente até três quilómetros de distância.

Cerca de 40.000 pessoas morreram logo, mais 60.000 ficaram feridas. Em janeiro de 1946, o número de mortos deverá ter atingido 70.000 e, nos cinco anos seguintes, poderá ter duplicado devido a ferimentos e efeitos da radiação.

No dia seguinte, o imperador Hirohito sobrepôs-se aos líderes militares e avançou para aceitar a rendição, pondo um ponto final à Segunda Guerra Mundial.

Reações japonesas

“Passaram-se 80 anos, e quem poderia imaginar que o mundo se tornaria assim? Por favor, parem imediatamente os conflitos armados!”, exortou o presidente da câmara da cidade, Shiro Suzuki, perante uma plateia recorde de representantes de mais de 100 países.

“Os confrontos intensificam-se em vários locais. Uma crise que pode ameaçar a sobrevivência da humanidade, como uma guerra nuclear, paira sobre todos nós”, acrescentou o presidente da câmara.

Participaram da cerimónia este ano autoridades japonesas e “hibakusha”, ou sobreviventes da bomba, que exortaram o mundo a aprender com os horrores sofridos por Nagasaki, para garantir que não se repitam.

“Esta crise existencial que a humanidade atravessa é um risco iminente para cada um de nós que habitamos a Terra”, sublinhou Shiro Suzuki, numa “Declaração pela Paz”, lida durante a cerimónia, em que alertou para um mundo preso num “círculo vicioso de confronto e fragmentação”.

Suzuki, descendente de sobreviventes da bomba, exortou os líderes mundiais a definirem um plano concreto para alcançar a abolição das armas nucleares e destacou o trabalho de conscientização global realizado pela organização de hibakusha Nihon Hidankyo, premiada no ano passado com o Prémio Nobel da Paz.

“Os hibakusha não têm muito tempo”, disse o presidente da câmara, referindo-se ao número cada vez menor e à idade avançada dos sobreviventes. “Por isso, Nagasaki comprometeu-se a continuar a divulgar a sua mensagem pelo mundo, para que sejamos a última cidade da história a sofrer um bombardeamento atómico”, acrescentou.

Na mesma linha, o primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, alertou para a “crescente divisão global” e para a “situação de segurança mais grave” 80 anos após o bombardeamento da cidade.

“O Japão, como única nação que sofreu ataques nucleares, está determinado a manter os três princípios não nucleares e a liderar os esforços por um mundo livre de armas atómicas”, afirmou o líder, que acrescentou que Tóquio “promoverá iniciativas realistas e práticas” nesse sentido.

Rússia e Israel presentes

Entre os participantes, marcaram este ano presença a Rússia, que não era convidada desde a invasão da Ucrânia em 2022, e Israel, cujo embaixador também não foi convidado no ano passado oficialmente, por razões de segurança relacionadas com o conflito em Gaza.

A ausência da representação israelita provocou no ano passado o boicote da cerimónia pelos embaixadores dos outros países do G7.

Tóquio não proíbe armas nucleares

A cerimónia teve lugar no Parque da Paz de Nagasaki, localizado junto ao hipocentro da explosão causada pela bomba, que começou com a observação de um minuto de silêncio às 11h02 (02h02 TMG), hora exata em que a bomba de plutónio detonou.

Tal como o seu homólogo em Hiroshima, há três dias, o presidente da câmara de Nagasaki instou o Governo japonês a assinar o Tratado de Proibição de Armas Nucleares das Nações Unidas (TPAN) e exortou-o a optar por uma política de segurança que não dependa da dissuasão nuclear dos Estados Unidos.

Tóquio não aderiu ao referido tratado, uma vez que a sua plena aplicação entraria em conflito com a política nacional de depender do escudo nuclear do aliado de segurança, os Estados Unidos.

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