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“Tenho muitas dívidas, muito financiamento por pagar”

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Tiago Petinga / Lusa

A empresária Isabel dos Santos, filha mais velha do presidente de Angola, José Eduardo dos Santos

Isabel dos Santos explicou em entrevista à Lusa a origem dos seus investimentos, salientando serem totalmente privados, o que a levou a criar muitas dívidas. Disse ainda que os empresários têm dificuldade em trabalhar e investir em Angola e salientou Portugal como um exemplo a seguir em situações de crise.

“Tenho parcerias com empresas internacionais que estão obrigadas ao nível mais elevado de governança, portanto, antes de trabalharem com um parceiro, têm de efetivamente verificar que esta pessoa é idónea e que representa e que é aquilo que diz ser”, afirma Isabel dos Santos, filha do antigo Presidente angolano José Eduardo dos Santos, quando questionada sobre as recorrentes dúvidas sobre a origem dos seus investimentos.

Isabel dos Santos diz estar habituada às dúvidas com que se depara na sua carreira. “Sempre fui alvo de escrutínio e é normal, não é algo que me preocupe”, confirma, acrescentando que “quando há rumores que falam de erário público, é falso. Felizmente, nunca trabalhei com o erário público. Gosto de trabalhar com o mercado, com o setor privado, gosto de fazer um produto que é um produto que as pessoas queiram comprar, mas queiram comprar porque ele é bom e tem um bom preço”.

“Trabalho com bancos em Cabo Verde, com bancos em outros países africanos, bancos que nos apoiam, que acreditam nos projetos, que acreditam na validade dos projetos que nós propomos. Portanto, tenho muitas dívidas, tenho muito financiamento por pagar, as taxas de juros são elevadas, nem sempre é fácil também ter essa sustentabilidade, para conseguir enfrentar toda a parte financeira dos negócios, mas também temos boas equipas e trabalhamos para isso”, diz.

A empresária criticou ainda as pessoas suscetíveis à “ideia de que se o dinheiro vem de África, ou se vem de empresários africanos ou angolanos, se calhar é duvidoso” e a forma como isto, para si, está ligado ao preconceito.

Existe um preconceito, sim. E eu acho que ele é muito à base de falta de informação. Quando olhamos para os media hoje, a narrativa que se fala de África é muito negativa, e praticamente, de África só falamos de política, governo, guerras, conflitos e desastres. Raramente falamos de empresas. De empresários africanos fala-se muito pouco, são muito poucos os conhecidos, ou seja, os atores das economias africanas ainda são pouco conhecidos na Europa e no Ocidente. Isso traz um nível de desconfiança. Essa desconfiança, claramente, não é só comigo”, explica.

No entanto, a empresária não olha para isto de forma desanimada, mas sim como sendo uma barreira a ultrapassar, “é um desafio”, acrescenta, mostrando esperança em relação à possibilidade de, com a ajuda dos media, esse preconceito poder vir a cair “e um dia podermos olhar para uma empresária que venha de África, mulher e negra, e dizer: sim, estas pessoas são competentes, capazes e acrescentam um valor”.

“Houve muitas empresas portuguesas que também ganharam dinheiro em Angola e que continuaram a trabalhar. Não temos dúvidas se efetivamente ganharam ou não. Por isso, também é preciso não ter dúvidas de que as empresas e os empresários angolanos neste mesmo meio ambiente de negócios obviamente também ganharam dinheiro, obviamente que também trabalharam”, afirma Isabel dos Santos ao relembrar que “a economia angolana entre 2002 e 2017 teve um crescimento médio de quase 9%”.

Apesar das duas crises, em 2008 e 2014, o crescimento médio da sua empresa foi positivo. “O nosso PIB em 2002 eram 30 mil milhões e em 2016/2017 eram quase 130 mil milhões. Ou seja, tivemos um crescimento de quase 900%. Ora, qualquer empresa, empresário, inserido numa economia que está a crescer e a descolar, desde que faça bem as coisas e trabalhe para o mercado, cresce.”

Quando questionada acerca da “caça às bruxas” em Angola, a empresária concorda que este é um termo bastante usado e que se vivem momentos de grandes dúvidas e que o importante é respeitar o Estado de Direito. “É muito importante que se respeite as leis, que não haja atropelo entre os três poderes, que as pessoas tenham confiança na justiça.”

Isabel dos Santos sublinha a reação portuguesa à crise que levou em 2011 à intervenção financeira internacional e à forma como o país ultrapassou o período de assistência. Mas sobretudo a forma como as empresas “se reinventaram”.

“Angola hoje tem uma crise económica profunda, estamos a passar um momento que eu diria difícil do ponto de vista económico, para as empresas isto é duro. Esta relação com Portugal pode ser muito útil, primeiro porque podemos partilhar da experiência que Portugal teve ao sair da crise”, afirmou a empresária, em entrevista à Lusa.

“Vi efetivamente que na altura da crise várias empresas foram inovadoras. Ou seja, não só apostaram na exportação, mas também em mudar os seus modelos de negócios. Obviamente houve setores que foram muitos afetados, aliás o setor da construção civil foi um desses durante a crise, mas hoje quem diria que há falta de boas empresas de construção em Portugal e trabalhadores, porque acho que está a haver um ‘boom’ imobiliário”, acrescentou.

Por isso, defende que a experiência de Portugal, que “teve de encontrar uma solução, de conseguir sair da crise, de reconstruir a sua economia” e de hoje atrair investimentos, tudo “isto em relativamente pouco tempo”, representa “um exemplo muito interessante” para Angola, até tendo em conta que são dois países com interesses económicos fortemente cruzados.

Questionada pela Lusa, a empresária diz que não consegue quantificar o investimento que já realizou em Angola até ao momento, por se tratarem de projetos a “longo prazo”. Garante que “a maior parte” do investimento que tem realizado “é em Angola”. Isto “porque acredito em Angola e em África”.

Transformar a Efacec numa empresa “líder internacional”

A empresária afirmou ainda que quer transformar a portuguesa Efacec numa empresa “líder internacional” na área da mobilidade elétrica e que está atenta a novas oportunidades de negócio em Portugal nas novas tecnologias.

“O investimento na Efacec não foi um investimento fácil”, recordou. Agora, garante, o objetivo é fazer da Efacec “um player e um líder internacional” na área da mobilidade elétrica.

Neste momento, o negócio da mobilidade elétrica representa 6% no total da faturação da Efacec, sendo que o grupo pretende que atinja os 15%, ou seja, perto de 100 milhões de euros. Até fevereiro, a Efacec conseguiu triplicar a produção de carregadores rápidos e ultrarrápidos de baterias elétricas e lançou, entre os novos projetos, soluções de carregamento com armazenamento incluído para as áreas residencial e de frotas, estando ainda a trabalhar noutros produtos inovadores nesta área.

“Hoje, o grupo todo Efacec conta com quase 2.000 trabalhadores em Portugal, mas estamos presentes em mais 30 países”, acrescentou Isabel dos Santos, assumindo-se como uma empresária que “gosta de investir em tecnologia”. “Gosto de pensar futuro, gosto de ver para onde é que as sociedades vão, como é que nós vamos viver no futuro.”

// Lusa

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