António Cotrim / LUSA

Prometeu mas não cumpriu a entrega das faturas relativas à casa em Espinho. Vistoria à casa de Lisboa também terá sido travada pela própria Câmara Municipal. O que pode a PGR descobrir? Não muita coisa.
Luís Montenegro era ainda presidente do PSD quando a Procuradoria-Geral da República anunciou um inquérito à construção da sua casa em Espinho, em dezembro de 2023.
“Ainda bem que o Ministério Público abriu um inquérito e ainda bem que a Justiça vai tomar uma posição sobre a minha conduta”, disse na ocasião.
“Não devo nada a ninguém, não temo nada. Havendo um inquérito, toda a documentação será entregue quando solicitado. Estou disponível para fazê-lo já”, afirmou ainda, na conferência de imprensa que deu prontamente.
Em dezembro de 2024, o caso foi arquivado pela PGR, mas as faturas nunca chegaram — mesmo depois de, em julho, ter recebido um e-mail a solicitar os documentos, a que o Expresso teve acesso.
Esse e-mail recebeu uma resposta bem diferente da que foi dada em conferência de imprensa: “Não tive acesso a nenhum benefício fiscal que não tivesse sido atribuído, exatamente nos termos de qualquer outro cidadão, diretamente pela lei e/ou regulamentos aplicáveis e sempre por intervenção e/ou decisão de autoridades competentes, i.e., Câmara Municipal de Espinho e Autoridade Tributária“.
“Embora tenha muita da documentação que sustenta a afirmação anterior, ninguém melhor do que essas entidades a pode facultar e explicar”, concluiu o já primeiro-ministro.
É verdade que a Câmara de Espinho forneceu a documentação relativa à ARU (Área de Reabilitação Urbana), mas as faturas nunca chegaram ao Ministério Público, e só são referidas pela testemunha Diogo Lacerda, o arquiteto da casa.
A falta de documentação não impediu o Ministério Público de redigir um despacho que despistava ilegalidades.
“As faturas relativas às obras de construção anteriores à publicação da ARU e à certidão da Câmara Municipal a atestar a inclusão da obra no perímetro e nos efeitos da mesma, bem como a comunicação às finanças de tais factos, foram processadas e liquidadas à taxa de 23%, sendo as posteriores processadas e liquidadas à taxa de 6%”, lia-se no documento.
Esta sexta feira, Luís Montenegro desmentiu que não tenha entregue as faturas. “Eu sei que há tentativas de reeditar notícias antigas e requentadas. Eu estou muito à vontade muito tranquilo, cumpri sempre as minhas obrigações e também dei resposta às solicitações que me foram feitas” disse, citado pela Lusa.
“Eu entreguei toda a documentação que foi pedida, não vale a pena estarem a deturpar as coisas”.
Luís Montenegro foi ainda questionado se está preocupado com o facto de a ex-eurodeputada socialista Ana Gomes ter feito uma queixa à Procuradoria Europeia sobre a Spinumviva, tendo respondido que não tem conhecimento dessa queixa e acrescentou que não tem razão de preocupação.
Já questionado se concorda com o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, quando diz que, nas próximas legislativas, vai estar em causa a confiança nas lideranças dos dois maiores partidos, o primeiro-ministro respondeu: “Com certeza que sim”.
“Para a liderança do Governo, estarão em causa dois projetos políticos, o projeto político do PS e o projeto político da Aliança Democrática (AD), e dois líderes políticos, o líder do PS e o líder da AD”, disse.
Averiguação preventiva só acede a dados públicos
Foi o procurador-geral da República, Amadeu Guerra, que à saída do Supremo Tribunal de Justiça comunicou a decisão da PGR em abrir uma averiguação preventiva ao invés de um inquérito-crime.
A investigação, decorrente de 3 denúncias anónimas, averigua a legalidade da empresa Spinumviva, que Montenegro passou à mulher e depois aos filhos.
O problema é que há muita diferença entre uma averiguação preventiva e um inquérito-crime, no que ao acesso a dados diz respeito. No caso escolhido pelo procurador-geral da República, a investigação fica limitada a dados públicos, avança outra notícia do Expresso.
Tal como acontecia com a Entidade para a Transparência, a PGR não vai ter acesso, por exemplo, às contas bancárias da família do primeiro-ministro.
A PGR só poderá, portanto, ter acesso a dados a que qualquer pessoa pode aceder, como os registos comerciais, o que tornará difícil descobrir-se mais do que atualmente já se sabe sobre a empresa. Caso contrário, bastaria uma pesquisa no Google para saber mais.
Ao Expresso, a PGR justificou-se com uma lei de 1994, que permite ao MP abrir “ações de prevenção”. No entanto, a lei mudou em 2017, e é ao abrigo da da Lei 83/2017 que a investigação deve proceder.
Esta lei permite ao DCIAP ( Departamento Central de Investigação e Ação Penal) aceder “diretamente e mediante despacho, a toda a informação financeira, fiscal, administrativa, judicial e policial, necessária aos procedimentos de averiguação preventiva subjacentes ao branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo”.
No caso do antigo primeiro-ministro António Costa, quando foi investigado sobre a Operação Influencer, foi-o ao abrigo de um inquérito-crime.
A procuradora-geral-adjunta jubilada Maria José Fernandes diz que “talvez se tivesse justificado no caso do antigo primeiro-ministro também uma averiguação preventiva e não um inquérito-crime, pelo menos tendo em conta o que se sabia na altura”.
Câmara de Lisboa trava vistoria a casa
Segundo avançou esta sexta feira o Correio da Manhã, a Câmara Municipal de Lisboa terá travado uma vistoria da Polícia Municipal às obras que estão a ser levadas a cabo pelo primeiro-ministro, que consistem na junção de dois apartamentos T1 num apartamento T2 duplex, o que implica uma intervenção na própria estrutura do prédio.
De acordo com a Câmara de Lisboa, contactada pelo próprio jornal, o bloqueio à vistoria é falso. A autarquia “trata todos por igual” e “todas as obras são suscetíveis, a todo o momento, de serem alvos de inspeção/fiscalização por parte dos serviços competentes da autarquia”, afirma a CM.
O município confirma também que recebeu a comunicação de obras, mas não especifica a data em que a recebeu.