Manuscrito roubado do Marquês de Sade regressa a Paris

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Pormenor de "A Mulher de Lot",  jaci XIII

Pormenor de “A Mulher de Lot”, jaci XIII

O manuscrito de “Cento e Vinte Dias de Sodoma”, escrito por Sade em 1785, roubado, vendido, disputado na justiça suíça e francesa e finalmente recomprado por sete milhões de euros, regressa a Paris no bicentenário da morte do autor.

Um rolo de 12 metros formado por folhas de papel de seda coladas e escritas de ambos os lados compõe esta obra mítica do século XVIII, catálogo de perversões sexuais de uma violência inaudita, redigido na Bastilha pelo marquês de Sade, à revelia dos seus carcereiros.

O manuscrito acaba de voltar a França, procedente de Genebra, em perfeito estado de conservação, e a partir de setembro estará em exposição no Museu de Cartas e Manuscritos, em Paris, uma instituição privada criada por Gérard Lhéritier, o seu novo proprietário.

“Este manuscrito excecional, roubado em 1982, sinalizado pela Interpol e disputado por duas famílias, está, por fim, de regresso a França, após uma história rocambolesca. Mas foram necessários três anos de árduas negociações”, disse Gérard Lhéritier, citado pela agência de notícias francesa, AFP.

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Rolo do manuscrito I de "Os 120 dias de Sodoma", na Biblioteca Bodmeriana

Rolo do manuscrito I de “Os 120 dias de Sodoma”, na Biblioteca Bodmeriana

O empresário desembolsou, “no total, sete milhões de euros” por este original muito controverso escrito na Bastilha pelo Marquês de Sade (1740-1814), o que o tornou um dos três manuscritos mais caros conservados em França, estando segurado em 12 milhões de euros pela Lloyds.

Gérard Lhéritier adquiriu-o a Serge Nordmann, filho do colecionador suíço Gérard Nordmann.

“Uma parte dos sete milhões de euros foi para a família Nordmann, detentora legal do rolo, segundo a justiça helvética, e a outra para Carlo Perrone, herdeiro de Nathalie de Noailles, legítima proprietária do manuscrito, segundo a justiça francesa”, explicou.

Lhéritier adiantou que agora irá “fazer com que seja classificado como ‘Tesouro Nacional’, para que permaneça em França e regresse, talvez um dia, à Biblioteca Nacional de França” (BNF).

Em 1785, temendo que a obra lhe fosse confiscada, Sade copiou os seus rascunhos, com uma letra minúscula e estreita, para as duas faces do rolo de papel de seda com 12 metros, composto por folhas de 11,5 centímetros de largura, coladas umas às outras, que escondeu na parede da sua cela, contou o novo proprietário.

Na noite de 03 para 04 de julho de 1789, porque discursava à multidão a partir da sua cela, Sade foi transferido para o hospício de Charenton, deixando para trás o seu manuscrito — uma perda que lamentaria até à morte, afirmando ter derramado “lágrimas de sangue”.

O famoso rolo foi encontrado durante a destruição da Bastilha e vendido ao marquês de Villeneuve-Trans, cuja família o conservou durante três gerações.

No final do século XIX foi vendido a um psiquiatra de Berlim, Iwan Bloch, que publicou em 1904 uma versão repleta de erros.

Em 1929, Charles e Marie-Laure de Noailles, ela descendente do marquês de Sade pelo lado materno, adquirem o manuscrito e publicam-no numa edição limitada aos “bibliófilos subscritores” para evitar a censura.

Mais tarde, a sua filha, Nathalie de Noailles, confiaria, em 1982, o precioso rolo ao seu amigo editor Jean Grouet.

Alguns meses depois, quando o editor deveria devolver-lho, o estojo de couro foi encontrado vazio – o manuscrito tinha sido roubado.

Grouet vendeu o rolo por 300.000 francos (cerca de 50.000 euros) ao colecionador suíço de obras eróticas Gérard Nordmann, assim se tendo iniciado uma feroz batalha judicial, entre a família Noailles, à qual o manuscrito foi roubado, e a família Nordmann, que adquiriu o documento “de boa-fé”.

/Lusa

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