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Mais de um milhão do “saco azul” do GES terá ido para ex-marido de juíza no caso EDP

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António Pedro Santos / Lusa

O ex-banqueiro e presidente do BES, Ricardo Salgado

Terá sido pela mesma conta sediada no estrangeiro que foi remunerada a Tartaruga Foundation, de que era beneficiário o ex-ministro da economia, Manuel Pinho. Juíza apresentou pedido de escusa esta segunda-feira.

As defesas de Manuel e Alexandra Pinho pediram à juíza Margarida Ramos Natário para avaliar a sua imparcialidade para julgar o Caso EDP, revelando que o seu ex-marido recebeu 1,2 milhões de euros via ‘saco azul’ do GES.

Esta segunda-feira, a adjunta apresentou um incidente de escusa para que o Tribunal da Relação decida se deve continuar no coletivo.

“Farei por uma questão de respeito à justiça e à função de juiz, não que considere que tenha mudado muita coisa. Perante as notícias que têm saído desde quinta-feira, acho que se impõe que suscite de modo próprio o incidente de escusa e que a Relação decida. Fá-lo-ei, não porque considere que algo mudou”, afirmou Margarida Ramos Natário.

De acordo com o requerimento submetido ao tribunal e a que a Lusa teve acesso, António Miguel Natário Rio Tinto, ex-marido da magistrada que integra o coletivo deste julgamento, “foi remunerado através de uma conta sediada no estrangeiro titulada pela Enterprises Management Services Ltd., que, segundo a acusação, constituía o ‘saco azul do GES’”, enquanto era quadro superior da instituição liderada pelo ex-banqueiro Ricardo Salgado.

“Foi por essa mesma conta que, segundo a acusação, foi remunerada a Tartaruga Foundation de que era beneficiário o arguido Manuel Pinho (…), ou seja, o mecanismo utilizado para efetuar pagamentos no estrangeiro ao arguido Manuel Pinho e ao Eng.º Rio Tinto é precisamente o mesmo”, lê-se no documento, acrescentando que estes pagamentos, por regra, não eram declarados fiscalmente.

Os advogados Ricardo Sá Fernandes e Manuel Magalhães e Silva — que representam Manuel Pinho e Alexandra Pinho, respetivamente — asseguraram ainda que terão existido outros pagamentos ao ex-marido da juíza, feitos através do Banque Privée por outras empresas do Grupo Espírito Santo (GES), embora descartem qualquer juízo de valor sobre a conduta de António Miguel Natário Rio Tinto.

Apesar de defenderem que “não se põe em causa a idoneidade” da juíza-adjunta e que “não se duvida que a mesma julgue genuinamente que pode participar no julgamento com inteira imparcialidade”, as defesas deixaram um alerta para a forma como esta situação pode ser percecionada pelos cidadãos.

“A questão resume-se ao risco de, a partir da factualidade em causa, se gerar uma suspeita sobre a imparcialidade, objetivamente apreciada, da Dra. Margarida Ramos Natário, ditada por circunstâncias de que a meritíssima Juíza até se pode ainda não ter apercebido, mas que são suscetíveis de lançar essa dúvida para um observador externo, o que é atendível à luz de um critério de transparência e isenção que a comunidade dos cidadãos – o povo – tem direito a ver respeitado”, vincaram.

Divórcio foi “precaução”

As defesas citaram também declarações da juíza no âmbito de outro processo judicial, no qual Margarida Ramos Natário testemunhou que se divorciaram em agosto de 2014, mas continuaram a viver em união de facto e que o divórcio teria ocorrido por “precaução” e para “salvaguarda dos filhos”, pelo que “dividiram património” face à situação que se vivia então no BES, com o colapso do banco.

O caso foi revelado na passada quinta-feira pela SIC e pelo jornal Público, que adiantaram que Margarida Ramos Natário foi casada durante vários anos com António Miguel Natário Rio Tinto, atualmente a trabalhar no Dubai, mas que no passado desempenhou diferentes cargos em diversas entidades do GES — como a ES TECH Ventures SGPS e a Espírito Santo Informática —, chegando em 2014 a administrador no Novo Banco.

A juíza não revelou que foi casada com um alto administrador do GES por entender não haver razão para tal, revelação que levanta questões sobre a sua imparcialidade.

Questionado sobre a situação, o Conselho Superior da Magistratura explicou então que a juíza “não pediu para sair do processo” e que considerou que “não há nenhum impedimento”, numa decisão que contou com o apoio do juiz presidente da comarca de Lisboa, Artur Cordeiro.

Salgado e outros seis acusados de corrupção nas ligações à Venezuela

O ex-banqueiro Ricardo Salgado foi acusado pelo Ministério Público de corrupção e branqueamento de capitais no caso das ligações do GES à Venezuela, numa acusação que se estende a mais seis arguidos.

Segundo a acusação, avançada pelo Observador e que a Lusa teve também acesso, ao antigo presidente do GES são imputados 20 crimes de corrupção ativa com prejuízo do comércio internacional e 21 de branqueamento, em coautoria com mais cinco dos arguidos, sendo que só não responde por associação criminosa neste processo, uma vez que já foi acusado desse crime no processo principal do Universo Espírito Santo.

“Pelo menos entre o final de 2008 e até julho de 2014, com a promessa de pagamento de vantagens em dinheiro, além dos vencimentos auferidos, e para que violassem os seus deveres profissionais, Ricardo Salgado comandou um grupo restrito, estável de sujeitos que se posicionou na interação com os demais para desenvolver soluções que satisfizessem fins criminosos”, lê-se no documento com mais de 800 páginas assinado pela procuradora Olga Barata.

Em causa estão Paulo Murta, antigo quadro da Gestar, Eurofin e ICG; Michel Ostertag, ligado também à Gestar e ICG; Humberto Coelho, ex-administrador da unidade do banco no Dubai; Jean-Luc Schneider, antigo administrador das sociedades ESFIL e Enterprises; e João Alexandre Silva, que liderou a sucursal do BES na Madeira e dirigiu o Departamento de International Business and Private Banking, todos acusados pelos mesmos crimes, além de associação criminosa.

Os dois últimos elementos são também acusados de corrupção passiva no setor privado e ao cidadão suíço é ainda imputado burla qualificada.

Já em relação ao antigo diretor de ‘compliance’ do BES João Martins Pereira, o MP acusa-o apenas de branqueamento e corrupção passiva no setor privado.

Como os factos ocorreram entre 2009 e 2014, houve vários crimes que já prescreveram, nomeadamente, tráfico de influência, falsificação e corrupção ativa no setor privado.

“Ricardo Salgado, a par da angariação de negócio, elaborou um esquema de pagamentos ocultos a funcionários e agentes públicos venezuelanos, necessários a que o BES e o GES beneficiassem e mantivessem negócio que aproveitaria a operativa, liquidez e tesouraria de tais entidades públicas venezuelanas”, referiu o MP, num processo em que se destaca a petrolífera estatal PDVSA, apontada como o maior e mais importante cliente do banco.

De acordo com o MP, o ex-banqueiro contou com a colaboração dos restantes arguidos para dissimular a circulação do dinheiro em relação a estes cidadãos da Venezuela, “cujas vontades, para influenciar decisões no âmbito das respetivas entidades públicas que beneficiassem o negócio do GES, haviam sido compradas”.

João Alexandre Silva foi designado pelo MP como a “guarda avançada” de Salgado na relação com o mercado venezuelano, cabendo sobretudo a Paulo Murta – também visado pela justiça americana – a criação de estruturas em nome de terceiros para que os reais beneficiários venezuelanos pudessem receber do GES.

Para o MP, a captação da atividade de entidades públicas da Venezuela revelou-se “uma oportunidade para assegurar liquidez” para a área não financeira do grupo – como as sociedades ESI ou Rioforte – e chegou a atingir em 2009 mais de oito mil milhões de dólares.

Foram gastos, segundo a acusação, cerca de 214 milhões de dólares americanos em pagamentos a terceiros entre fevereiro de 2009 e junho de 2014. Os reais beneficiários eram pessoas politicamente expostas na Venezuela, tendo sido criados esquemas de ocultação dos pagamentos ilícitos pela sociedade ES Enterprises – que era omitida dos organogramas do GES – através de diferentes entidades no Dubai, Madeira e Suíça.

Entre os principais visados pelos pagamentos na Venezuela terão estado Eudomaryo Carruyo, antigo diretor executivo financeiro da PDVSA, com cerca de 15 milhões de dólares (MD); Nervis Villalobos, funcionário da PDVSA e representante do presidente da companhia, Rafael Ramirez, com 48 MD; Rafael Cure Lopez, gerente de operações internacionais da petrolífera, com 15,2 MD; Victor Aular, diretor e, posteriormente, vice-presidente da PDVSA, com 29 MD; Abraham Ortega, responsável de operações internacionais da PDVSA, com 11 MD.

O julgamento do Caso EDP continua esta segunda-feira com a sexta sessão no Juízo Central Criminal de Lisboa, estando previstas as declarações da mulher do ex-ministro da Economia, Alexandra Pinho.

Manuel Pinho, em prisão domiciliária desde dezembro de 2021, é acusado de corrupção passiva para ato ilícito, corrupção passiva, branqueamento e fraude fiscal.

A sua mulher, Alexandra Pinho, está a ser julgada por branqueamento e fraude fiscal – em coautoria material com o marido -, enquanto o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, responde por corrupção ativa para ato ilícito, corrupção ativa e branqueamento.

ZAP // Lusa

6 Comments

  1. Este País está PODRE…..a corrupção deu cabo dele…..alguém duvida? O problema é que as vigarices foram tão bem feitas ( ou os advogados de defesa destes corruptos são tão bons) que NUNCA SE CONSEGUE PROVAR NADA!!! Por isso vai continuar sempre na mesma.

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