O leilão do 5G corre o risco de vir a ser temporariamente suspenso devido a uma providência cautelar interposta pela Vodafone. O administrador da Altice, João Zúquete da Silva, argumenta que “o regulamento empurra o país para um 5Gzinho”.
O leilão das Redes Móveis de Quinta Geração (5G), que deverá arrancar a 26 de novembro, corre o risco de vir a ser temporariamente suspenso. Isto porque a Vodafone interpôs, esta terça-feira, uma providência cautelar com o objetivo de anular a licença de exploração da operadora Dense Air, escreve o Expresso.
A Vodafone pretende retirar à Dense Air a licença para explorar a faixa das frequências do 3,6 GHz antes do início do leilão do 5G.
Na semana passada, a Autoridade Nacional das Comunicações (Anacom) fez saber que iria proceder à reconfiguração do espectro licenciado à Dense Air, a fim de garantir que outras licenças podem ser atribuídas na faixa dos 3,6 GHz para lançar a 5G em Portugal – algo que não satisfez a Vodafone.
Tudo começou em 2010, quando a licença, que tem uma extensão de 100 MHz e está situada na faixa dos 3,6 GHz, começou por ser atribuída à Bravesensor. Na altura, não se sabia quais as frequências que seriam escolhidas para o 5G. Em 2016, a Bravesensor vendeu a licença à Broadband Portugal BBA, numa altura em que já se conheciam decisões que apontavam o uso deste espectro no lançamento da rede 5G.
Dois anos mais tarde, quando já era certo o seu uso, a Dense Air investiu na compra da licença à Broadband Portugal BBA, explica o Expresso. Apesar do investimento, o espectro em causa nunca foi explorado comercialmente.
Altice, NOS e Vodafone consideram ilegal a manutenção da licença por parte da Dense Air, visto que, alegadamente, terá excedido o tempo máximo permitido por lei para iniciar operações.
Altice Portugal vai suspender projetos de investimento
A Altice Portugal vai suspender os projetos de investimento, “em consequência do desastre das decisões do regulador” sobre o 5G, que “até ao momento não foram contrariadas pelo Governo”, disse à Lusa o administrador João Zúquete da Silva.
As declarações do administrador da dona da MEO acontecem depois de uma reunião do grupo Altice Portugal, em Lisboa, sobre a posição da empresa relativamente às regras do leilão do 5G.
“O regulamento do leilão 5G é uma falácia”, foi “elaborado para que a Anacom possa cumprir um conjunto de indicadores estatísticos, que em nada servem realmente as pessoas, a economia, o país”, afirmou João Zúquete da Silva, que também é chefe de delegação da Altice Portugal nas audições com os grupos parlamentares na Assembleia da República.
O gestor, que teceu críticas ao regulamento, disse que perante “esta realidade indesejada”, além “dos mecanismos e ações de caráter jurídico e de litigância já anunciadas”, a Altice Portugal não tem outra alternativa a não ser “repensar” a visão estratégica para Portugal, “fazendo todos os esforços para procurar a sustentabilidade financeira e a proteção do emprego”.
Nesse sentido, “somos pois forçados a tomar medidas imediatas que passam pela suspensão de projetos de investimento em curso, pelo cessar do estabelecimento de novas parcerias, pela não operacionalização das atuais parcerias no território, com especial foco nos projetos em zonas de menor densidade populacional”, prosseguiu João Zúquete da Silva.
Inclui também o “congelamento do programa de descentralização da inovação Altice Labs – ela própria com necessidade de ser reavaliada no âmbito das suas operações em Portugal -, e ainda pela suspensão da maioria dos programas de responsabilidade e apoio social, bem como o abrandamento significativo da expansão de fibra ótica e rede móvel”, acrescentou.
“Tudo isto, em consequência do desastre das decisões do regulador que, até ao momento, não foram contrariadas pelo Governo”, apontou o administrador da dona da MEO.
“O país, nomeadamente os autarcas, têm constatado o esforço da Altice Portugal na valorização dos seus territórios e em parcerias que em muito têm sido importantes para resolver problemas nos diferentes concelhos”, destacou.
“Lamentavelmente, e perante este violento ataque ao setor, não temos outra alternativa que não suspender praticamente todos os investimentos que até agora decorriam no território português, com claro prejuízo para os nossos clientes, para o mercado, para a economia e para a sociedade”, sublinhou o gestor.
“Tal como foi concebido, este regulamento empurra o país para um ‘5Gzinho’, para um 5G administrativo e sem ambição, pois os operadores vão estar unicamente focados em cumprir as obrigações mínimas e não em desenvolver o 5G” e “tudo isto assente num conjunto de pressupostos e crenças da Anacom sem qualquer suporte técnico, estudos ou evidências, realizados internamente pelo próprio regulador ou por entidades externas independentes e credíveis”, criticou João Zúquete da Silva.
Contestou também o ‘roaming’ nacional, considerando que o “papel dos três operadores móveis, que há várias décadas investem no setor, na economia, vai ser apenas de ‘Uber’ de rede para estes novos entrantes, que funcionam como operadores parasitas do investimento consolidado daqueles que há muito estão fixados em Portugal”.
João Zúquete da Silva esclareceu que, “contrariamente à informação prestada do regulador, o ‘roaming’ nacional na Europa só existe, na realidade, em três países, de forma imposta”.
E num deles, o ‘roaming’ nacional “terminará em 2022 por não ter resultado, sendo que nos outros dois países apenas decorre por obrigações de processos de fusão”, detalhou.
Nos outros países europeus, “aquilo que o nosso regulador chama de ‘roaming’ nacional mais não é do que acordos, de âmbito limitado, entre operadores”, referiu o gestor.
“Outro pressuposto continuado da atuação do regulador é a suposta ausência de concorrência em Portugal, utilizada somente para justificar os benefícios aos novos entrantes”, apontou, destacando “que a maior prova de existência de concorrência no mercado das telecomunicações em Portugal é a liderança que a MEO assumiu na televisão paga, apenas 12 anos depois de ser lançado no mercado com zero clientes nesse serviço”.
A pandemia de covid-19, prosseguiu, “tem obrigado os operadores a um reforço e investimento na capacidade, resiliência e segurança das redes, para garantir que todas as famílias e empresas continuem a trabalhar”, tendo as telecomunicações passado a ser um bem essencial e um “fator chave” na conectividade entre pessoas e empresas, referiu.
“Face a esta nova realidade era fundamental que existisse bom senso e equilíbrio no regulamento para o 5G, só assim se colmatariam as verdadeiras necessidades do país. No entanto, não se avista qualquer medida que permita verdadeiramente a universalidade do acesso às redes de banda larga móvel, sendo que nesta matéria têm sido os operadores do setor das comunicações em Portugal a realizar o investimento necessário para o efeito”, argumentou.
Sobre a importância da capilaridade de cobertura, o administrador considerou que o regulador e o Estado “na prática nada têm feito para dar resposta a esse desígnio”.
João Zúquete da Silva salienta que “a verdade é que 10 anos após o lançamento do 4G em Portugal, e apesar da cobertura desta rede ser superior a 99,45% da população portuguesa, cerca de um terço dos portugueses não tem acesso a esta tecnologia por não possuir um ‘smartphone'”.
Ora, “esta situação verifica-se nas regiões de mais baixa densidade populacional do interior do país e foi uma destas regiões a escolhida pelo regulador para a primeira etapa das obrigações de cobertura 5G”, salientou.
Na semana passada, o ministro da Economia manifestou-se “preocupado” com “tanta controvérsia” à volta do regulamento do leilão do 5G, salientando que a cobertura do território por “boas infraestruturas de telecomunicações” tem sido um fator de atratividade de investimento.
A Anacom divulgou na semana passada o regulamento, que gerou fortes críticas dos três operadores de telecomunicações.
ZAP // Lusa