Injeções no Novo Banco são “dinheiro público”. E “contra factos não há argumentos”

Mário Cruz / Lusa

O presidente do Tribunal de Contas, José Tavares

Apesar das críticas, o Tribunal de Contas mantém a sua opinião: qualquer despesa do Fundo de Resolução é despesa pública e “contra factos não há argumentos”.

Os responsáveis do Tribunal de Contas – José Tavares e o juiz relator José Manuel Quelhas – estão a ser ouvidos no Parlamento a propósito da auditoria às injeções públicas no Novo Banco. A cúpula foi chamada por requerimento do PS para a comissão de Orçamento e Finanças.

“Não questionamos as opções políticas, ou seja a opção de vender o Novo Banco, e concluímos que a opção tomada salvaguardou a estabilidade do sistema financeiro. Mas também está claro – e são factos – que este contrato tem impacto nas finanças públicas. Ninguém pode negar este facto e contra factos não há argumentos”, disse José Tavares.

“Isto tem impacto no défice orçamental, na dívida pública, nos critérios de convergência. Estamos a tratar de dinheiros públicos“, acrescentou o juiz conselheiro José Manuel Quelhas, citado pelo Expresso.

A auditoria foi solicitada pelo Parlamento para averiguar vários aspetos, entre os quais se as operações feitas pelo banco – e que obrigaram à capitalização pelo Fundo de Resolução – salvaguardaram o interesse público.

No início da sua intervenção, José Tavares quis defender que tentou que a auditoria fosse “a mais construtiva e pedagógica possível”, depois das críticas de que foi alvo.

Para o presidente do Tribunal de Contas, o Novo Banco tem uma natureza pública porque “25% do capital social é público” (a parcela que é do Fundo de Resolução), e as receitas do Fundo “são públicas” uma vez que integra o perímetro orçamental.

“Tudo serve para clarificar que o Novo Banco tem especiais responsabilidades perante o Estado e os contribuintes”, frisou. “Sempre que um cêntimo entra numa entidade pública transforma-se em dinheiro público, seja proveniente do que seja. Sobre isto não pode haver dúvidas nenhumas.”

Já o juiz conselheiro José Quelhas, referiu que não há dúvidas de que a contribuição extraordinária, criada por José Sócrates em 2011, é de “natureza pública”, assim como as contribuições periódicas. Os empréstimos do Estado e da banca recebidos também têm impacto, porque o reembolso só tem de acontecer em 30 anos, acrescentou.

“Na melhor das perspetivas, apontam para [devolução] talvez daqui a 30 anos, embora o contrato admita uma prorrogação”, disse.

O Fundo, “quando se endivida, é dívida pública, releva para todos os critérios em termos de endividamento”, repetiu no Parlamento.

BCE. “Não basta que nos diga o valor e passem o cheque”

José Manuel Quelhas, relator da auditoria do Tribunal de Contas ao Novo Banco, defendeu que “não basta que o Banco Central Europeu (BCE) nos diga: o valor é este e passem o cheque” para justificar os pagamentos do Fundo de Resolução.

No relatório, o juiz contraria a posição do Banco de Portugal e do Fundo de Resolução – de que cabe ao BCE verificar as condições das injeções de capital em face das necessidades apresentadas pelo banco -, afirmando que não se trata de uma “questão de fé”.

“Ao menos queremos compreender as contas“, disse, citado pelo Público. “Nem estamos a dizer se elas estão certas ou erradas.”

No dia em que a auditoria foi conhecida, o Banco de Portugal frisou que, “no que se refere, em particular, à necessidade de serem apropriadamente demonstrados, verificados e validados os cálculos do capital do Novo Banco, que determinam os valores a pagar pelo Fundo de Resolução, o Banco de Portugal confirma que é competência exclusiva da autoridade de supervisão prudencial – no caso, o Banco Central Europeu, no quadro do Mecanismo Único de Supervisão, em que o Banco de Portugal participa – proceder a essa verificação”.

O Fundo de Resolução deu a mesma garantia, assegurando ainda que “obteve sempre a adequada confirmação junto da autoridade competente quanto às necessidades de capital do Novo Banco, procedimento que foi já confirmado por correspondência trocada com o Banco Central Europeu, e de que foi dado conhecimento ao Tribunal de Contas”.

“Nom senso” nos prémios de gestão no Novo Banco

O presidente do Tribunal de Contas disse esperar que “o bom senso impere” quanto à atribuição de prémios de gestão no Novo Banco, considerando que é dever dos gestores “gerar confiança nos cidadãos”.

“Acompanho inteiramente o apelo do senhor Presidente da República, no sentido de que o bom senso impere”, respondeu José Tavares à Lusa, após ter sido ser ouvido na manhã de hoje no Parlamento.

José Tavares disse ter “a esperança de que os senhores administradores do Novo Banco correspondam a este apelo”, considerando que é “também dever” dos gestores bancários “gerar confiança nos cidadãos”.

Na audição, José Tavares já tinha alertado que “deve ser prevenido para o futuro determinados riscos e situações, nomeadamente em termos de riscos potenciais de conflitos de interesses, prémios de gestão, especificação rigorosa e clara das obrigações contratuais, consequências do seu incumprimento”, remetendo para a auditoria.

No dia 5 de maio, Marcelo Rebelo de Sousa considerou que “os portugueses estão atentos” à situação dos alegados prémios aos administradores do Novo Banco e disse esperar que haja “bom senso” nas decisões de instituições que recebem apoios do Estado.

“Todos esperamos que quem, direta ou indiretamente, é abrangido por garantias públicas deve ter presente isso nas suas decisões. Mesmo quando se trata de instituição privada, que pensem que os portugueses, todos eles, estão naturalmente atentos. Faz parte do bom senso universal, espera-se isso das pessoas”, disse Marcelo.

O Novo Banco divulgou no dia 4 de maio à noite o relatório e contas de 2020, através da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), documento em que é dito que o banco vai atribuir bónus aos gestores referente a 2020 de 1,86 milhões de euros. O pagamento do prémio será diferido para 2022, após concluída a reestruturação do banco.

O governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, disse que tanto o Banco de Portugal como o Fundo de Resolução são “contrários” ao pagamento de prémios à gestão do Novo Banco e afirmou que o valor será “deduzido” à chamada de capital que o Fundo de Resolução pagará este ano.

O Novo Banco já consumiu 2.976 milhões de euros de dinheiro público e, pelo contrato, pode ir buscar mais 914 milhões de euros.

A instituição teve prejuízos de 1.329,3 milhões de euros em 2020, um agravamento face aos 1058,8 milhões registados em 2019. Já quanto ao valor a pedir ao Fundo de Resolução, o Novo Banco indicou que serão 598,3 milhões de euros

O Novo Banco foi criado em agosto de 2014 na resolução do Banco Espírito Santo (BES). Em 2017, aquando da venda de 75% do banco à Lone Star, foi criado um mecanismo de capitalização contingente, pelo qual o Fundo de Resolução se comprometeu a, até 2026, cobrir perdas com ativos ‘tóxicos’ com que o Novo Banco ficou do BES até 3.890 milhões de euros.

ZAP // Lusa

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