O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público reconhece que “é inevitável” não haver falhas do MP nos casos de violência doméstica, devido à sobrecarga de processos e à falta de formação dos funcionários nesta área.
“Os funcionários do Ministério Público não têm formação nessa matéria, não lhes é dada por parte do Ministério da Justiça, e não existe número de funcionários que permita um atendimento personalizado, nem pelos funcionários nem pelos magistrados”, afirma hoje António Ventinhas em entrevista ao Diário de Notícias e à rádio TSF.
António Ventinhas deu o exemplo de uma magistrada que tem 700 processos de violência doméstica a tramitar e todos urgentes.
“Tramitar personalizadamente 700 processos de violência doméstica ao mesmo tempo é impossível. Portanto, poderemos estar aqui a falar da lei, do MP, mas quem tem 700 processos para tramitar vai falhar em algum deles, é inevitável. Como em qualquer profissão que tiver mais do que humanamente conseguir fazer, vai falhar”, admite na entrevista divulgada hoje.
Questionado sobre o caso de Valongo, em que uma mulher foi assassinada 37 dias após apresentar queixa por violência doméstica, refere que “foram detetados problemas que devem ser corrigidos“.
“Este relatório da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica é importante por isso mesmo”, diz, defendendo que a formação dos funcionários do MP que fazem o primeiro atendimento é uma “questão premente”.
Mas, observou, em muitos casos de violência doméstica “os acontecimentos são imprevisíveis”.
“A imprevisibilidade é um fator importante nestes casos. Às vezes, as relações parecem estar amenizadas e, de repente, há uma situação, que espoleta um problema antigo e leva ao homicídio”, afirma, sublinhando que nestes casos “ninguém assume que há um risco de vida iminente”.
Apesar de ainda haver falhas na resposta a estes casos, António Ventinhas elogia o aumento de prisões preventivas aplicadas ao crime de violência doméstica nos últimos anos: “Tem até uma frequência estatística já relevante”.
Sobre o caso que envolve o ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente, Ventinhas defende que “as relações entre Portugal e Angola, quer judiciais quer políticas, não devem ficar condicionadas por um único processo independentemente do interveniente”.
“Muitas vezes se pergunta porque é que o Ministério Público não se investiga a si próprio, mas está aqui um caso em que o fez. Investigou-se a si próprio e levou a julgamento uma pessoa que esteve num alto cargo dentro do MP, designadamente no Departamento Central de Investigação e Ação Penal. Portanto, este é um bom exemplo de um caso em que o MP se investigou a si próprio e levou a julgamento uma pessoa que teve altas responsabilidades, até em termos de investigação criminal”, sublinha.
Observa ainda que se “tem colocado muito o enfoque no Ministério Público, mas o processo transitou para a fase judicial”.
“Neste momento, passámos para uma fase seguinte, a judicial, onde há um recurso para a Relação por conseguinte isso terá sempre de ser apreciado judicialmente. Não é uma decisão do MP, nem da Procuradora-Geral, mas é exclusivamente uma decisão do juiz que aprecia o caso em concreto. Agora, uma das questões que limitou sempre foi a questão da lei de amnistia. Todos os crimes em Angola estavam amnistiados até aos 12 anos”.
// Lusa