A indemnização foi aprovada sem um parecer favorável do conselho fiscal, o que pode tornar o seu pagamento ilegal.
A indemnização de 79 087 euros paga pela CP à atual Secretária de Estado da Mobilidade, Cristina Pinto Dias, em julho de 2015, está sob escrutínio devido a possíveis irregularidades legais.
A então vice-presidente da CP renunciou ao cargo e aderiu ao programa de rescisões amigáveis na mesma reunião do Conselho de Administração (CA), mas a documentação da CP que detalha o cálculo da indemnização mostra que Cristina Pinto Dias continuava integrada no CA no momento da sua saída.
De acordo com o artigo 397.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), indemnizações a administradores precisam de parecer favorável do conselho fiscal. A CP já admitiu que não houve pareceres jurídicos neste caso, o que pode invalidar a indemnização, avança o Correio da Manhã.
Os documentos internos da CP indicam que Cristina Dias estava oficialmente no CA ao sair da empresa, embora a CP tenha afirmado que a decisão da compensação foi tomada pelo CA, considerando que ela não estava enquadrada na estrutura da CP. No entanto, o cálculo da indemnização foi feito com base no salário do cargo de chefia, de 4312 euros.
Segundo vários juristas consultados, a inclusão de Cristina Pinto Dias no CA exigia a solicitação de um parecer ao conselho fiscal da empresa, como especificado pelo CSC. Sem este parecer, a indemnização é considerada nula. Até ao momento, a CP não respondeu às questões levantadas sobre esta situação.
Cristina Pinto Dias deixou a CP a 22 de julho de 2015 e foi nomeada, no dia seguinte, pelo governo PSD/CDS para a administração da Autoridade da Mobilidade dos Transportes (AMT), uma entidade pública onde passou a ganhar 13.440 euros mensais, quase o dobro do seu salário na CP.
No dia da sua saída, o gabinete do então Ministro da Economia, Pires de Lima, enviou ao Parlamento um ofício com o nome de Cristina Pinto Dias para a administração da AMT. A administração da CP aprovou a rescisão por mútuo acordo e a indemnização foi calculada e assinada no mesmo dia. Além disso, a administração da CP realizou uma reunião extraordinária às 17 horas de 22 de julho de 2015 para tratar especificamente da saída de Cristina Pinto Dias, que já sabia da sua futura nomeação para a AMT.
Indemnização era calculada “automaticamente”
Na audição no Parlamento, a secretária de Estado da Mobilidade afirmou hoje que a sua saída da CP foi “obrigatória por lei” para a sua entrada na AMT e que a indemnização foi calculada de forma automática.
“A minha saída dos quadros da CP era obrigatória por lei. Não havia a figura de licença sem vencimento, a figura de poder ser requisitada, cedida ou o contrato suspenso. Recorrer a qualquer outro mecanismo que não a rescisão não era possível”, disse Cristina Dias numa audição no parlamento.
“Desde o momento que notifiquei a CP, na minha intenção de aderir voluntariamente ao programa de rescisão por mútuo acordo, o processo seguiu a tramitação igual à das centenas de casos análogos, de trabalhadoras e trabalhadores da Comboios de Portugal que aderiram ao programa de rescisão por mútuo acordo”, referiu a secretária de Estado.
Cristina Dias apontou que o pedido foi “anuído e despachado para os recursos humanos” para ser tratado “de acordo com a tabela aplicável a todos os trabalhadores”.
“A indemnização foi feita de forma absolutamente clara, transparente. Era a tabela Excel que estava em vigor desde 2010″, acrescentou.
A governante rejeitou comparações com o caso da ex-secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, garantindo que “se existe algum paralelismo, é no reconhecimento do critério da antiguidade, feito pela IGF [Inspeção-Geral de Finanças], no relatório de auditoria”.
“Não saí da CP para ir para a TAP […]. Eu saí de um emprego que tinha, se quisesse, para a vida, com mais de 18 anos, para ir fazer, e com honra, o Conselho de Administração da entidade reguladora por um mandato único e irrepetível”, defendeu-se, argumentando que a indemnização foi calculada de forma automática.
Cristina Dias garantiu que o processo de entrada na AMT foi público e através da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP).
Após renunciar ao seu cargo de vice-presidente da CP, Cristina Dias voltou ao seu lugar de técnica superior.
Já perante o salário que iria auferir na AMT, a atual secretária de Estado garantiu que “não sabia, nem tinha de saber, o que é que seria” o seu vencimento.
No passado dia 22 de maio, o ex-diretor da Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário (EMEF) Francisco Fortunato, que denunciou o caso em 2015, disse no parlamento que “nenhuma norma foi cumprida” naquele processo e que a indemnização paga pela CP foi um “ato de má gestão, lesivo do interesse público e feito à total revelia dos normativos existentes e da política de austeridade então aplicada pelo Governo à generalidade dos trabalhadores”.
Em 29 de maio, também em audição na Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação, o antigo presidente da CP Manuel Queiró – que exercia o cargo na altura em que Cristina Dias era administradora e saiu da empresa – negou ter tido conhecimento prévio da ida da atual secretária de Estado para a AMT.
Nesse mesmo dia, o atual presidente do Conselho de Administração da CP, Pedro Miguel Moreira, realçou no parlamento que a revogação do contrato de Cristina Dias “terá ocorrido enquanto trabalhadora da CP e não como administradora”, ainda que o pedido de renúncia do cargo de administradora e o pedido de revogação do contrato enquanto quadro da empresa tenham ocorrido no mesmo dia, 22 de julho de 2015.
Quanto ao valor da indemnização, este responsável disse ter averiguado que foram respeitadas as regras de cálculo de compensação pecuniária. “Nos documentos que vi, não encontrei nenhuma limitação, porque existiam metas de redução de efetivo que me pareceu que seriam prioritárias”, acrescentou.
Também ouvido, a 5 de junho, o antigo secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações Sérgio Monteiro, que integrou o Governo PSD/CDS-PP liderado por Pedro Passos Coelho, disse que Cristina Dias desconhecia o salário que ia auferir na AMT quando pediu para sair da CP e rejeitou “fatos feitos à medida” para indemnização.