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Alcoólicos que recolhem lixo das ruas na Holanda são pagos com cerveja

Ben Eekhof / Flickr

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Um grupo de alcoólicos em Amesterdão recolhe lixo das ruas e recebe cerveja como forma de pagamento, num projecto parcialmente financiado pelo governo do país.

A iniciativa, encabeçada pelo grupo Rainbow, uma empresa privada que conta com verbas estatais, visa proporcionar melhor qualidade de vida aos alcoólicos, ao mesmo tempo que os estimula a contribuir para a sociedade, refere a BBC.

“É muito difícil tirar completamente estas pessoas do álcool. Nós já tentámos de tudo e isto é a única coisa que funciona. Podemos não fazer deles pessoas melhores, mas agora têm uma vida melhor e também é bom para cidade, porque estão a contribuir para o meio onde vivem”, afirma Janet van de Noord, coordenadora do projecto.

A Rainbow não divulga exactamente o valor que o governo gasta distribuindo cerveja de graça aos participantes do projecto, receando que uma eventual repercussão negativa possa prejudicar o financiamento.

Mas Van de Noord defende que a iniciativa é uma maneira eficaz de lutar contra o impacto do alcoolismo na sociedade holandesa.

“O facto das pessoas serem presas também custa dinheiro à sociedade. De forma que este projecto só pode ser uma coisa boa e não vejo porque outros países não poderiam fazer o mesmo”, sugere.

Rene, de 52 anos, percorre as ruas na recolha  de lixo. Os seus movimentos reflectem um certo orgulho que tem de si mesmo. Um sentimento nada comum para um homem que já pagou muito caro por causa do vício.

BBC

Rene, 52 anos, utente do projecto

Rene, 52 anos, utente do projecto

“Eu tenho quatro filhos e três ex-mulheres, mas o álcool acabou com tudo”, resume.

“Eu já não os vejo, eles não sabem onde estou ou se estou vivo. Agora eu só o tenho a ele. Ele está aqui há 30 anos, nas horas boas e más”, diz Rene, referindo-se ao álcool.

O seu olhar afectuoso navega para baixo e repousa sobre uma lata de alumínio.

Os alcoólicos reúnem-se num salão comunitário, gerido pela Rainbow. A organização ainda presta assistência aos sem-abrigo e viciados em drogas, além dos alcoólicos.

Rene acaba de abrir a sua terceira cerveja do dia. São apenas 11h30 da manhã.

Ele e outros 19 colegas de trabalho chegam às 9h e apanham lixo até às 15h. Fazem pausas para beber cerveja, fumar e almoçar. Tudo de graça.

O inconfundível aroma de stamppot, um traditional ensopado de legumes holandês, predomina na cozinha.

“Eles gostam de cozinhar e acabam por descobrir qualidades que nem sabiam que tinham”, diz Van de Noord.

Quando perguntei a alguns holandeses o que achavam do projecto, todos disseram que apoiavam a iniciativa inusitada do governo.

 

Queda na criminalidade

A dez minutos de ruas agora sem lixo está o parque Oosterpark.

Desde que o programa de limpeza por alcoólicos começou, há ano, a polícia diz ter recebido menos ocorrências de esfaqueamentos e roubos no local.

A Rainbow está optimista de que o sucesso obtido até agora vá atrair mais financiamentos para que possam incluir mais pessoas no esquema. Outras cidades no país pensam implantar projectos semelhantes.

Floor van Bakkum, da clínica de antinarcóticos de Amesterdão, diz que a iniciativa é uma boa forma de lidar com um grupo muito problemático e associa a estratégia à prática de administrar doses controladas de heroína a viciados em droga.

BBC

Grupo de 20 alcoólicos apanham lixo em troca de comida e cerveja

Grupo de 20 alcoólicos apanham lixo em troca de comida e cerveja

“Ter um trabalho pode ajudá-los a fazer outras coisas com as suas vidas”, afirmou Bakkum, alertando que este tipo de iniciativa deve ser vigiada de perto para que não se torne um “convite aberto para beber no parque”.

“Este esquema não é indicado para alcoólicos que ainda moram em casa e têm emprego”, adverte.

Os fundadores do projecto encaram o alcoolismo como uma “realidade imutável” e resolvem enfrentá-lo com o único artifício que pode agradar os beneficiados pelo projecto.

“Eu venho aqui por causa da cerveja. Se não tivesse a cerveja, por que viria aqui?”, indaga Rene.
Independentemente das suas razões, o facto é que Rene e os seus amigos estão a fazer a diferença na comunidade onde vivem e que um dia os marginalizava.

“É verdade”, concorda Rene, reconhecendo a ironia. “Anteriormente tratavam-nos como lixo, e agora somos nós que estamos a recolher o lixo deles e, por isso não nos continuam a tratar como lixo”.

ZAP, BBC

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