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Há dez anos, Portugal adotou a lei que permitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo

Banitsa / Flickr

Portugal adotou há 10 anos a lei que permitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo, após um debate fraturante que remeteu para mais tarde a adoção de crianças por estes casais, possível apenas desde 2016.

A proposta que viria a ser aprovada pela esquerda parlamentar, em 8 de janeiro de 2010, foi um compromisso eleitoral da governação socialista de José Sócrates. Foi aprovada com os votos favoráveis das bancadas do PS, PCP, BE e PEV.

Pedro Nuno Santos, ex-secretário-geral da Juventude Socialista, considerou na ocasião que se tratou de um dia histórico e reclamou para a JS a luta por esta lei, mesmo a nível interno. “Daqui a 100 anos estaremos a comemorar o dia do casamento para todos”, disse.

Já o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, Manuel Morujão, considerou que a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo foi uma precipitação e que a ausência de um referendo sobre a matéria abriu uma “ferida democrática”.

O diploma, confirmado em votação final global em 11 de fevereiro, retirou do Código Civil a expressão “de sexo diferente” na definição de casamento.

O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, chegou a pedir ao Tribunal Constitucional (TC) a fiscalização preventiva das normas de quatro artigos, mas o TC daria “luz verde” ao diploma, considerando constitucionais as normas enviadas por Belém.

O Tribunal considerou que a “extensão do casamento a pessoas do mesmo sexo” não colide com o reconhecimento e proteção da família como “elemento fundamental da sociedade”, sublinhando que o casamento é “conceito aberto”, que admite diversas conceções políticas.

Em maio do mesmo ano, o Papa visitava Portugal e a imprensa europeia dava conta das declarações de Bento XVI em Fátima sobre a lei recentemente aprovada, ainda a aguardar publicação. Os britânicos Times e Daily Telegraph, que enviaram jornalistas para acompanhar a visita, salientaram que Bento XVI considerou o casamento homossexual “subtil e perigoso” perante uma “enorme multidão”, em Fátima.

Poucos dias depois, o Presidente da República anunciou a sua decisão. Numa declaração, em Belém, informou os portugueses de que vetar o diploma seria “arrastar inutilmente” uma discussão que desviava os políticos de problemas graves.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística divulgados no ano passado, entre 2013 e 2018, contaram-se 2.515 casamentos de pessoas do mesmo sexo, com maior predominância entre homens (1.484).

Balanço “é positivo”

A ILGA Portugal faz uma avaliação positiva dos 10 anos da lei que permitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo, considerando que há ainda “pequenas grandes batalhas” para travar, mas que as lutas histórias foram ultrapassadas.

“A lei do casamento foi o primeiro grande marco legislativo em termos de igualdade”, disse à agência Lusa a diretora executiva da ILGA Portugal, Marta Ramos, para quem a legislação publicada em 31 de maio de 2010 permitiu “muita da mudança de discurso e de reconhecimento de direitos” que se verifica nos dias de hoje.

Em entrevista à agência Lusa, Marta Ramos lembrou que muitos países ainda não têm o casamento consagrado e muitos outros ficaram-se pela união de facto, enquanto em Portugal foi mais difícil de aceitar a parentalidade, que viria apenas a ser reconhecida mais tarde como um direito dos casais do mesmo sexo.

“O reconhecimento do casamento é profundamente positivo”, declarou, sublinhando que a questão da gestação de substituição continua por regular. “Vai sempre ser preciso ir afinando de acordo com essa evolução. Os direitos humanos nunca podem ser dados como adquiridos”, afirmou a mesma responsável.

Para Marta Ramos, o passo dado em 2010 permitiu “haver linguagem, haver um discurso para falar destas questões em Portugal”. Frisou que se trata de “falar de direitos humanos”, de igualdade. “Mas há sempre uma franja radical, inclusive no meio político”.

A ILGA continua a ser procurada pelos casais que pensam em formalizar a união, antes de se dirigirem aos serviços, para saberem o que devem fazer: “Primeiro perguntam-nos a nós o que fazer. O que têm de fazer para casar, onde devem dirigir-se, como é que devem fazer com a entidade empregadora, se têm de comunicar”, contou a responsável pela organização de Intervenção Lésbica, Bissexual, Trans e Intersexo.

ZAP // Lusa

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