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Há uma nova biblioteca com obras inéditas (mas só abre ao público em 2114)

A artista escocesa Katie Paterson está a colecionar uma centena de obras não publicadas que não vão ser divulgadas durante a vida dos seus autores. Para uma centena de obras, uma centena de anos, já que o projeto iniciado em 2014 só será terminado em 2114.

Há uma pequena clareira nos bosques de Nordmark, a uma hora de distância de Oslo, capital norueguesa, onde milhares de árvores estão a crescer. Vão crescer durante os próximos 96 anos, até 2114, para depois serem transformadas no papel para o que a artista chama de Biblioteca do Futuro – uma coletânea de 100 livros não-publicados, escritos por alguns dos autores mais celebrados do século XXI.

“Um presente dos guardiões da literatura do presente para os leitores do futuro”, descreve o New York Times.

“A Biblioteca do Futuro tem a natureza, o ambiente no seu centro – envolve ecologia, a interconexidade das coisas, as que vivem agora e as que estão por vir. Questiona a tendências atuais de pensar curto prazo, de fazer decisões só para os que vivem agora.

“O tempo do projeto vai ser uma centena de anos. Está para além da nossa vida, mas perto o suficiente para o encararmos, compreendermos e relativizarmos”. É como Katie Paterson descreve o seu projeto.

Um presente dos guardiões da literatura do presente para os leitores do futuro

Durante este último verão, cerca de 100 pessoas fizeram a peregrinação anual até à clareira para ver a autora turca Elif Shafak – autora já de 10 romances e uma reconhecida crítica feminista do nacionalismo do seu país – presentear Paterson com o quarto manuscrito, O Último Taboo, para a biblioteca. Essa já reúne obras de Margaret Atwood, David Mitchell e Sjón.

Para Shafak, escrever para a Biblioteca do Futuro trata-se de “um ato secular de fé”, num mundo que parece ter enlouquecido, que deixa a violência acentuar a diferença entre as pessoas em vez de celebrar a sua humanidade.

Future Library / Facebook

O contributo de Elif Shafak

“Quando escreves um livro tens a esperança que vá chegar a outra pessoa, uma pessoa diferente com quem te vais conectar”. No entanto, daqui a 96 anos é impossível saber a realidade de quem estes livros vai tocar.

O anúncio de cada novo autor tem sido cada vez menos noticiado pelos meios de comunicação e não é de conhecimento geral a mais recente escolha, para quinto autor da biblioteca – Han Kang.

A Biblioteca do Futuro promete tornar a cultura palpável ao insistir em confrontar o longo e trabalhoso processo de preservar a linguagem. Recusa-se a tomá-la como garantida e relembra-nos que nem sempre fomos atentos à forma como a literatura é feita, distribuída, preservada e celebrada.

“Arca da Literatura” de Katie Paterson

A “Arca da Literatura”, como a artista escocesa a descreve, transforma-se numa metáfora invocada pelos escritores para estabelecerem uma ligação com outro tempo, outras pessoas, fazendo renascer e celebrar as obras passadas.

Em 2020, os manuscritos vão ser transportados para a New Deichmanske Library, atualmente a ser construída em Oslo, onde vão ser exibidos numa Sala Silenciosa, uma câmara virada para a floresta, coberta de madeira das árvores.

Os visitantes vão poder entrar, um ou dois de cada vez, para contemplar os manuscritos, exibidos em caixas vidradas para aguardarem o passar dos anos. Um “espaço contemplativo” capaz de instigar a imaginação do visitante numa viagem pelo tempo, é como Katie Paterson a define.

Talvez os livros da Biblioteca do Futuro nunca tenham sido feitos para serem lidos, nem mesmo no futuro. Talvez tenham sido feitos para serem adorados, desejados, um desejo que tira todas as suas forças do facto de nos ser impossível lê-los ou reproduzi-los. Livros pelos quais vale a pena esperar, pelos quais vale a pena morrer sem eles.

A palavra que a primeira autora a escrever um manuscrito para o projeto – Margaret Atwood – usa para a descrever é esperança: “a Biblioteca do Futuro é em si uma coisa muito esperançosa porque, primeiro, estamos a supor que haverá pessoas daqui a cem anos, e segundo, estamos a assumir que a floresta crescerá. Assumimos que a biblioteca ainda estará lá e que as pessoas ainda serão capazes e terão interesse em ler”.

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