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GNR comprou mega-lancha por 8 milhões (“um crime de lesa pátria”, dizem na Marinha)

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eu2018bg / Flickr

O Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita

A aquisição por parte da GNR de uma lancha de 35 metros, por mais de 8,4 milhões de euros, está a deixar os oficiais da Marinha muito incomodados. E há quem acuse o Governo de estar a criar, de forma “camuflada”, uma Guarda Costeira “para depois fazer arrear a Marinha”.

A Bojador é “a maior lancha alguma vez comprada” pela GNR, conforme avança o Diário de Notícias (DN) que falou com elementos ligados à Marinha e que consideram que esta compra implica uma “duplicação de meios”.

A lancha foi adquirida a uma empresa holandesa, seleccionada num concurso público internacional, beneficiando de uma comparticipação de 75% de verbas europeias, através do Fundo de Segurança Interna da União Europeia (UE).

É a primeira de “quatro embarcações para patrulhamento costeiro (três Coastal Patrol Boat e um Coastal Patrol Vessel)” que a GNR vai adquirir, cumprindo as “especificações técnicas” definidas pela Agência FRONTEX para “ampliar a capacidade de vigilância e detecção, potenciando mais e melhor controlo das actividades de vigilância da Fronteira Externa da UE”, como refere a força policial numa nota enviada ao DN.

As outras três lanchas a adquirir são de menor dimensão e terão um custo de 2,2 milhões de euros, sendo também financiadas pela UE, mas essa compra deve avançar só no próximo ano.

Para a Marinha, a aquisição da megalancha Bojador é uma espécie de afronta. A embarcação é maior do que qualquer das lanchas de fiscalização da Marinha que só tem quatro operacionais, uma vez que faltam verbas para a manutenção das restantes cinco.

“Se uma Marinha é muito cara, o melhor é ter duas”

Para o ex-chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), Almirante Melo Gomes, está-se “a criar uma duplicação de capacidades que vai custar muito mais ao erário público“, conforme declarações ao DN.

“Parece que, se uma Marinha é muito cara, o melhor é ter duas, duplicar recursos”, lamenta ainda, notando que “a experiência dos 700 anos da Marinha” está a ser “desprezada”.

“Num país de recursos limitadíssimos é um crime de lesa pátria não racionalizar os meios que temos”, acrescenta o Almirante, frisando que é preciso “fazer bem com o pouco que temos, partilhando recursos, não duplicando, sem sequer haver colaboração”.

Melo Gomes critica que devia haver “mais coordenação” entre o Ministério da Administração Interna (MAI) e o Ministério da Defesa Nacional (MDN), considerando ainda que “o evidente maior peso político do MAI tem feito com que essa distribuição de tarefas seja ignorada”.

O Almirante fala ainda de “dois pesos e duas medidas do Estado”, frisando que “enquanto na GNR, tudo se resolveu num ano, na Marinha estamos há anos à espera dos seis NPO que nos fazem falta como de pão para a boca”.

“Enquanto o MAI delegou as competências desta aquisição no comandante-geral da GNR, e tudo se resolveu num ano, já na Defesa demora“, acrescenta, notando que “só em Agosto passado o ministro assinou um despacho a dar orientações políticas para essa aquisição”, mas “não à Marinha, foi à holding IdD Portugal Defense, e estamos desde essa data à espera da Resolução de Conselho de Ministros”.

“De forma encapotada estão a criar Guarda Costeira”

Também o ex-vice CEMA, Almirante Pires Neves, critica a aquisição feita pela GNR, apontando que “de uma forma encapotada estão a criar uma Guarda Costeira, para depois fazer arrear a Marinha“.

“É melhor assumirem de uma vez por todas que as Forças Armadas não são precisas. Assumam que só precisam das Forças de Segurança e de uma Guarda Costeira”, atira este Almirante também em declarações ao DN.

Para Pires Neves, há “um enorme contra-senso”, considerando que a compra da lancha “estará à revelia dos interesses do Estado, que devia pugnar pela articulação entre a defesa nacional e a segurança interna”.

“Será que o MDN foi consultado?”, questiona ainda, notando que os portugueses devem também “questionar se fizeram as contas sobre quanto pode custar esta duplicação de meios, ou quanto custa uma Guarda Costeira e uma Marinha”.

“Não há guerra entre a Marinha e a GNR”, atira ainda Pires Neves, considerando que para isso “tem de haver lealdade, não haver benefício de um contra o outro”. “Isso não é cooperação, é submissão“, conclui.

Marinha “não quer qualquer concorrência”

Mas para o Capitão de Mar e Guerra Silva Paulo, doutorado em Políticas Públicas e com uma tese sobre a Autoridade Marítima, “a Marinha vê como ameaça ao seu poder” este reforço das capacidades da GNR para o patrulhamento em alto mar, conforme refere também ao DN.

“Muitos oficiais da Armada rejeitam este modelo, porque não gostam de ser uma espécie de táxi da GNR e da PM [Polícia Marítima]”, atira Silva Paulo, salientando que “há, pelos menos, 25 anos, desde a criação da PM, que a Armada se sente acossada nos seus poderes do mar que, para ela, são inalienáveis”. “Não quer qualquer concorrência”, refere.

“As pessoas têm que olhar os militares e ter em conta que a sua doutrina é para a guerra”, aponta contudo, frisando que estes “são treinados para combater inimigos”. “Não são treinados, como os polícias, para defender o cumprimento da lei e os direitos dos cidadãos”, aponta.

O Capitão acredita que “cada entidade deve ficar com os recursos para cumprir as suas missões”, considerando que “a defesa militar” deve ficar para a Marinha e “a fiscalização e a investigação criminal para as forças de segurança”.

Silva Paulo também defende “a criação de uma Guarda Costeira ou Guarda Marítima, fundindo a Unidade de Controlo Costeiro da GNR com a PM, juntando todos os meios de acção marítima disponíveis destas forças e não militares da Marinha”.

ZAP //

29 Comments

  1. Parece aquele comportamento pseudo-macho da “minha é maior que a dele”. Ou então o queixinhas com o brinquedo do irmão que é maior. Isso ou cães a marcar o seu território…

    • Com certeza que o básico do sr. Zé Torres não soube ler a notícia. Senão não dizia disparates destes. Como a net foge ao controlo da sua mãezinha, vem para aqui dizer tudo o que lhe vem à cabeça. Independentemente do disparate que sai.

  2. brincam com o nosso dinheiro. Assim é facil governar. Quando falta basta aplicar mais multas.
    Quando fizerem o balanço do que encaixaram com as multas nas acções que estão a fazer, disfarçadas de sensibilização, já podem pagar isto e muito mais.
    o pai é rico!!!

    • So sabel falar de multas..
      irra… Quem não transgride não é multado por muita caça à multa que se faça!!!

      Em vez de se queixarem, cumpram… e acordem mais cedo, deve resolver pelo menos as multas por excesso de velocidade.

    • As multas são, directamente, proporcionais ao civismo. Falo por mim: já fui autuado uma dúzia de vezes e com razão em todas elas, isto é, tive azar e tive sorte para cima de 10 000 vezes que não fui autuado. Por exemplo, todos os dias circulo em excesso de velocidade na minha cidade, várias vezes. E considero-me um cidadão razoavelmente cívico. É típico de muitos portugueses acharem que as infracções às regras não deveriam ser penalizadas. E não são, como se pode ver do meu acumulado.

  3. Se guarnecerem a GNR com aviões, também podem fiscalizar e patrulhar todo o espaço aéreo português! Alguém duvida? Eu não.
    A questão que o povo português, com toda a legitimidade, irá levantar será:
    – Então, porquê a existência da Força Aérea Portuguesa?
    Eu, militar da Marinha e português, no âmbito da notícia em assunto, também sinto legitimidade para questionar:
    – Porquê a existência da Marinha de Guerra Portuguesa?
    Tanto quanto sei, a fiscalização em Alto-Mar implica a realização de abordagens, muitas delas não consentidas, ou seja, com oposição relevante por parte do presumível infrator. Para estas situações, a Marinha dispõe de um Destacamento de Operações Especiais (DAE) ou, em situações menos agressivas, de um grupo especializado em abordagem (PELBOARD), além doutras capacidades que não quero enunciar. O que fará a GNR nestas situações? Não faz a abordagem (tapa o sol com a peneira) ou pede apoio à Marinha, como habitual!
    Como é do conhecimento geral (assim espero), os militares estão preparados para defenderem os interesses de Portugal em tempo de guerra, assim como se encontram (mais que) preparados para defenderem os mesmos interesses em tempo de paz. E esses interesses vão muito para além das fronteiras nacionais!
    Já não fazem falta? O Poder Político, com decisões como esta (Lancha da GNR, entre outras), começa a querer passar essa ideia à população portuguesa. As consequências de tais decisões podem ser imensuráveis!
    Como alguém escreveu, há dois tipos de países:
    – Os que têm Marinha (leia-se Forças Armadas) e os outros.
    A escolha é do povo e dos políticos!
    As consequências, essas serão apenas suportadas por todos nós.
    MLS

    • Muito bem, uma opinião fundamentada na experiência. Mas, o caro MLS de certeza que sabe, quando são necessárias “reformas”, as mesmas não se fazem ou são paliativas. E sabe porquê, não agradam, não são do interesse dos grupos sociais que preferem manter tudo como está, incluindo os seus interesses, pessoais ou de grupo.

      • Sim, muito mais do que possas imaginar.
        A Frontex é atualmente reconhecida como uma das pedras angulares do espaço de liberdade, segurança e justiça da UE. As operações de busca e salvamento também se tornaram oficialmente parte do seu mandato sempre que tais situações ocorrem no contexto da vigilância das fronteiras marítimas.
        Neste capítulo, a Marinha portuguesa também tem dado cartas! Basta acompanhar as notícias.

  4. Na realidade, parece-me mesmo um marcar de território ou, melhor, de poderes pessoais.
    A manterem-se as competências da Marinha, mantém-se a actual hierarquia.
    Ao passarem competências (ou na criação de novas…) para a GNR, há lugar à criação de hierarquias, novos espaços de comando, etc. com grande possibilidade de serem ocupados por pessoas com experiência (e uma boa probabilidade de serem descontentes com a falta de promoções) da Marinha, por transferência.
    Esta situação não acontece só com a parte marítima da segurança e é resultado das forças de segurança estarem no MAI, do ministro favorito.
    No meio disto é evidente que há gastos a mais e mal dirigidos, as queixas da Marinha em relação à parte operacional são totalmente justas. Seria menos custoso colocar as valências fiscalizadoras em trabalho conjunto com a Marinha, no “hardware” existente e devidamente mantido.
    Mas os egos…

  5. Seja com participação de fundos Europeus ou não, 8 milhões é vergonhoso.
    Mas mesmo assim, a marinha devia era pegar nos dois submarinos e enfia-los no…..

  6. Marinha intervenção em ambientes de guerra, calamidades, etc… ou de apoio as outras forças armadas ou policiais.
    GNR e Policia marítima intervenção em fiscalizações, investigações etc…
    O que está mal é duplicarem as competências e neste caso a Marinha andar a fazer fiscalizações não me parece o mais lógico criar uma unidade que juntasse a GNR e PM e os seus respectivos meios seria o mais sensato. O problema é que há demasiadas altas patentes que precisam de comandar navios.

  7. Em todo o caso só desejo que este negócio não venha a ter o mesmo insucesso que os kamov que estão todos inoperacionais, mais para sucata de que outra coisa.

  8. A lancha custou 2 milhões pois os outros 6 foram dados por um organismo de segurança interna da UE. Na minha opinião devia existir um exército comum na Europa. E os países apenas tratavam da segurança interna com uma única polícia e respectivos departamentos. PSP, GNR, PJ, FA, SEF, etc. equivalem a muitos jobs for the boys. Muita duplicação de cargos de chefia e secretária que na prática tiram operacionais do terreno.

  9. Pois eu acho muito bem coitados pois pelas notícias que de vez em quando são divulgadas ”eles” precisam de bom material para transportar a ”droga”

  10. Lembram-se do atual Primeiro Ministro ter sido Ministro da Administração Interna? Pois…. é desde essa altura que a GNR tem vindo a usurpar funções de outras “instituições”…… procurem ligações e vão entender muitas coisas…

  11. Sem organizaçao e tipico compadrio para encher os bolsos dos amigos, sempre acho que qualquer que seja quem governe faz o mesmo. Uns fazem mais que outros ou será que a desvalorizaçao ou inflaçao justifica o aumento. Corrupçao no seu melhor e sempre não é por acaso que nesta escala estamos bem colocados para o pior.

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