Falha de comunicação entre bombeiros franceses quase causou um apagão em Portugal

Um supervisor europeu concluiu que falhou a comunicação entre os bombeiros e a gestora de rede francesa, RTE, sobre o incêndio que colapsou uma linha de muito alta tensão.

De acordo com o Público, a linha de alta tensão estava localizada no Sul de França e desencadeou uma “situação crítica”.

O incidente que em julho deixou os sistemas elétricos de Portugal e Espanha separados da restante rede da Europa continental ainda está a ser analisado, mas a recolha de informação junto dos operadores envolvidos, a francesa RTE, a espanhola REE e a portuguesa REN, já permitiu aos peritos que lideram a investigação chegar a algumas conclusões.

Segundo um relatório preliminar do organismo europeu, que reúne 42 gestores das redes de transmissão elétrica de 35 países, o European Network of Transmission System Operators for Electricity (ENTSO-E), há uma “relação de causa-efeito” entre o grande incêndio florestal de dois dias no Sudoeste de França e o colapso de uma linha dupla de muito alta tensão entre Perpignan e Narbonne.

Foi esse o gatilho que provocou a sobrecarga de outras linhas e, num efeito em cascata, comprometeu vários elementos da rede de transmissão, acabando por resultar no corte repentino das “auto-estradas” elétricas entre França e Espanha, que deixou o sistema ibérico a um passo do apagão.

“Devido à resposta rápida e coordenada dos operadores de rede, nenhum dano de maior se registou no sistema elétrico”, refere o relatório técnico do ENTSO-E, sem deixar de notar que, a dado momento, “a situação foi crítica”.

Apesar de se ter conseguido impedir o apagão, não se evitaram algumas perturbações no fornecimento elétrico em Portugal e Espanha.

A instabilidade repentina de um sistema onde todas as peças devem funcionar em perfeita articulação e sincronia fez saltar vários mecanismos automáticos de proteção, quer ao nível da rede de distribuição quer dos centros eletroprodutores. Mas isso foi pouco relevante, se comparado com um desfecho que podia ter sido muito pior.

O relatório técnico publicado em novembro explica que há quatro níveis de gravidade na classificação deste tipo de incidentes. As ocorrências dignas de atenção, as que são significativas, as grandes e, a mais grave de todas, o apagão.

O incidente de 24 de julho atingiu o terceiro nível mais elevado nesta escala de gravidade, pois pertence a quatro critérios que o colocam no grupo dos incidentes grandes. Três deles correspondem mesmo ao nível de prioridade imediatamente antes do apagão, que tem prioridade um.

No Twitter, no próprio dia 24 de Julho, de que tudo teve origem num incidente com um hidroavião,

O relatório constata que houve uma falha de comunicação entre os serviços de bombeiros regionais e a RTE (Réseau de Transport d’Électricité), embora não refira nada quanto à informação avançada pela REE (Red Eléctrica de España) no Twitter, no próprio dia 24 de julho, de que tudo teve origem num incidente com um hidroavião.

Segundo o documento preliminar, porque ainda vai ser feito um relatório final, a publicar durante o primeiro trimestre deste ano, naquele dia foram mobilizados mais de 850 bombeiros, um helicóptero e nove aviões para combater o incêndio nos arredores da localidade de Moux, que consumiu 850 hectares de vegetação.

Existe um acordo entre a RTE e o serviço de bombeiros, SDIS: Service Départemental d’Incendie et de Secours, para que, em caso de fogo na proximidade das linhas elétricas, possa ser feito um pedido de desligamento para facilitar a intervenção dos aviões e operacionais no terreno

Mas “neste caso específico, devido à intensidade da situação, esta comunicação não aconteceu”, nota o relatório.

Assim, embora os bombeiros estivessem “cientes da existência de duas linhas a 400 kV” naquela área, a RTE “não foi informada do incêndio”.

Essa ausência de comunicação impediu o gestor da rede francesa de coordenar previamente com a espanhola as medidas para compensar antecipadamente o desligamento da linha dupla de muito alta tensão a 400 kV de Baixas-Gaudière, cuja falha desencadeou todo o processo.

“Sem confirmação do corte das linhas, os bombeiros organizaram-se de modo a lidar com o fogo, sem deixar de manter uma distância de segurança” e, quanto à RTE, até ao disparo do primeiro circuito, às 16h33, continuou a aplicar os procedimentos normais do sistema.

E para a próxima?

Apesar deste episódio de desarticulação entre os bombeiros e a gestora da rede elétrica francesa, que já está a ser corrigido para garantir que a “informação relevante” não se perde, o ENTSO-E, que funciona como uma espécie de supervisor do sistema, diz que há mais lições a retirar do caso.

Os operadores de transmissão fazem avaliações permanentes dos critérios de operacionalidade da rede e, normalmente, os critérios meteorológicos e ambientais são tidos em conta para preparar os planos de contingência.

No entanto, “sem ter recebido um alerta para condições ambientais excecionais”, a RTE não incluiu a possível perda de uma linha dupla na lista de fatores de risco porque, em termos estatísticos, havia baixa probabilidade de isso acontecer.

Se os acontecimentos de 24 de julho “não questionam o racional das análises de contingência” do operador francês, verifica-se que é importante reforçar a “capacidade da RTE de antecipar este tipo de condições excecionais”, com meios adicionais de alerta, como o recurso a fotografias de satélite em tempo real ou novos sistemas informáticos, destaca o relatório.

Assim que houve o primeiro disparo, às 16h33, a RTE e a REE decidiram em conjunto reduzir os fluxos de energia de França para Espanha, de 2500 MW para 1200 MW.

Porém, em questões de segundos, antes que se conseguisse concretizar esta redução, uma segunda linha de muito alta tensão desligou-se.

Às 16h36, a chamada “Área Síncrona da Europa Continental” já estava separada em duas zonas. Em paralelo, foi impossível assegurar logo o aumento da produção em alguns centros eletroprodutores, para compensar este efeito.

Os acontecimentos desencadearam a ativação de mecanismos de proteção do sistema elétrico marroquino, que interrompeu temporariamente a ligação a Espanha.

Para lidar com o repentino desequilíbrio entre a oferta e a procura de eletricidade na Península Ibérica e evitar o cenário mais catastrófico de todos, de apagão generalizado, os operadores de rede de Espanha e Portugal tiveram de ativar de imediato os seus planos de defesa para este tipo de situações.

No caso português, como revelou a REN, foi reduzido o consumo em bombagem hidroelétrica, em todos os consumidores industriais com contratos de interruptibilidade e em diversos consumidores da rede de distribuição nacional, pré-selecionados em articulação com a E-Redes, que opera a rede de distribuição.

Segundo o ENTSO-E, no lado espanhol foram reduzidas cargas num total de 3561 MW e, no lado português, de 680 MW.

Com o sistema elétrico ibérico estabilizado, em termos de tensão e frequência, às 17h09 iniciou-se o processo de ressincronização com a rede europeia, que ficou concluído às 17h33.

Segundo a REN, a ligação ao sistema europeu foi restituída “ao fim de 30 minutos e a situação ficou praticamente toda normalizada ao fim de uma hora”.

Passado o susto, o desejável é retirar conclusões que permitam que este episódio raro não se repita no futuro.

Para o relatório final, o ENTSO-E promete uma “análise às principais causas” e também “recomendações e ações internas”, que terão de ser postas em prática.

ZAP //

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