O projeto de extensão da plataforma continental portuguesa “é complexo” e a pandemia de covid-19 atrasou a avaliação do mesmo, afirmou à Lusa Aldino Campos, português membro da Comissão da ONU que avalia propostas apresentadas por vários países.
“O que posso dizer é que, face à experiência da Comissão dos Limites da Plataforma Continental (CLPC) e à dimensão daquilo que é conhecido da nossa proposta, é complexa”, explicou Aldino Campos.
“É uma proposta que tem vários ‘layouts’, diferentes tipos de margem continental. Temos a margem continental passiva do continente europeu e depois temos uma margem também continental, de características diferentes na região dos Açores e, portanto, tudo isso é um processo moroso“, acrescentou.
“Obviamente que o facto de termos tido uma crise pandémica no meio do processo de avaliação não ajudou nada. No início de 2020, os trabalhos pararam completamente”, reforçou, em entrevista à Lusa.
Com a extensão da plataforma continental, Portugal poderá passar a ter uma Zona Económica Exclusiva com cerca de quatro milhões de quilómetros quadrados, o correspondente a quase 90% do mar da União Europeia.
O alargamento proposto visa a garantia da soberania sobre os recursos naturais existentes no fundo do mar e no subsolo, para além das 200 milhas da Zona Económica Exclusiva portuguesa.
De acordo com o professor português, a avaliação dos projetos na CLPC seguem a “lógica das lojas, em que se tira uma senha e se fica à espera da vez para se ser atendido”.
“Basicamente o que aconteceu foi isso. Às vezes ouço órgãos de comunicação social a dizer que a ONU não quer apreciar a proposta portuguesa, quando não é isso. São processos complexos, há muitas propostas e o ‘atendimento’ é consoante a entrega das propostas à comissão de limites”, detalhou.
“São propostas extremamente complexas do ponto de vista da análise dos dados e informações que nela estão contidas e isso é moroso, que arrasta a conclusão deste processo como um todo. Posso dar um exemplo: quando se estava ainda nos trabalhos da preparação da Convenção, havia uma ideia generalizada de que no máximo, no mundo, iriam surgir cerca de 30 propostas de extensão”, afirmou.
“O problema é que a tecnologia veio dar novas visões e conhecimentos daquilo que é o fundo do mar e os Estados tiram, como é óbvio, proveito dessa evolução tecnológica. E a realidade é que, em vez das tais 30 propostas, até à data de hoje a Comissão de Limites já recebeu 92 propostas. Já temos três vezes mais o número de propostas do que era inicialmente suposto”, sublinhou o docente.
Neste momento, Portugal tem a sua proposta sob avaliação de um subconjunto de elementos da Comissão. A CLPC é composta por 21 membros que, por sua vez, são divididos em grupos de sete para escrutinar tecnicamente a informação e os dados que os Estados submetem à Comissão e que sustentam esses limites exteriores.
Aldino Campos foi reeleito este mês como membro da CLPC. O académico tinha sido eleito para um primeiro mandato em 2017.
Os membros da CLPC não podem avaliar os seus processos nacionais. Sendo português e tendo integrado a equipa que trabalhou na preparação do projeto de Portugal, Aldino Campos não pode interagir no processo por uma questão de “conflito de interesses”.
O projeto de extensão da plataforma continental portuguesa é coordenado desde 2005 pela EMEPC – Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental, e o processo junto das Nações Unidas teve início em 2009.
Extensão espanhola colide com a Portuguesa
Um dos pedidos de extensão de território em análise na CLPC é o de Espanha, que apresentou à ONU uma proposta para acrescentar cerca de 300 mil km2 ao seu território marítimo – e parte desse território é português.
Além do território marítimo correspondente às Selvagens, sub-arquipélago do arquipélago da Madeira 165km a norte das Canárias, o plano espanhol, apresentado à ONU a 17 de dezembro de 2014, visa igualmente acrescentar uma área com cerca de 10 mil km2 que Portugal solicitou à ONU em 2009, em pedido semelhante de ampliação do território marítimo nacional.
O Estado Espanhol reclama à ONU soberania sobre os recursos naturais (incluindo o subsolo) de uma área marítima de 296.500 km2 no Oceano Atlântico, a oeste das ilhas Canárias.
Segundo o El País, no caso dos 10 mil km2 disputados por Portugal e Espanha, os dois países terão que se entender, e o território deverá vir a ser repartido entre ambos, provavelmente “de forma salomónica”.
O Estado Espanhol tem insistido em que a delimitação da Zona Económica Exclusiva se faça ignorando as Ilhas Selvagens, que considera como rochas, enquanto que o Estado Português insiste na sua classificação como ilhas, o que permite a ampliação da Zona Económica Exclusiva (ZEE) portuguesa.
As Ilhas Selvagens são constituídas por duas ilhas principais e várias ilhotas, que, tal como quase todas as ilhas da região, têm origem vulcânica. O arquipélago é um santuário para aves, muito agreste, com uma área total de 273 hectares.
As ilhas terão sido descobertas em 1364 e baptizadas “Selvagens” em 1438 por Diogo Gomes de Sintra. No século XVI, as Selvagens pertenciam aos Caiados, importante família madeirense.
Em 1911, o Governo espanhol enviou uma nota ao Governo português comunicando que deliberara incorporar as Selvagens no arquipélago das Canárias, mas a soberania portuguesa das ilhas foi confirmada, em 1938, pela Comissão Permanente de Direito Marítimo Internacional.
Em 1975, aproveitando a turbulência política em Portugal, espanhóis das Canárias desembarcaram na Selvagem Grande e hastearam uma bandeira espanhola, embora a título absolutamente privado e sem qualquer apoio do Governo espanhol.
Apesar de remotas e isoladas, as ilhas já receberam visita oficial de quatro presidentes da República Portuguesa: Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa, que as visitou em 2016.
Cavaco Silva foi o primeiro presidente a pernoitar numa das ilhas, a Selvagem Grande, na noite de 18 para 19 de Julho de 2013.
A visita de Cavaco Silva às Selvagens viria a ficar marcada pelo momento em que o presidente anilha uma cagarra e lhe ordena que envie notícias. Mais do que um assunto de circunstância, a cagarra de Cavaco foi afinal uma questão de soberania nacional.
ZAP // Lusa