A descoberta absolutamente incrível de vários fósseis de tubarões totalmente articulados do Cretáceo Superior, há 105 a 72 milhões de anos, está a lançar a tão necessária luz sobre a misteriosa árvore genealógica dos tubarões.
Nas camadas fósseis de Lagerstätte, em Vallecillo, no México, uma equipa de paleontólogos fez a descoberta de uma vida: vários fósseis excecionalmente bem preservados de um género extinto chamado Ptychodus.
Os fósseis preservavam não só os ossos articulados dos tubarões, mas também algumas das suas estruturas cartilagíneas, contornos de todo o corpo e possivelmente até órgãos.
Estes pormenores revelam a forma como os dentes e as vértebras dos tubarões se enquadram no contexto dos seus corpos, o que constitui uma nova ferramenta para estimar os seus tamanhos e a sua posição filogenética.
Os fósseis, cuja descoberta foi apresentada num artigo publicado esta quarta-feira na Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, confirmam finalmente que os Ptychodus são um tipo de tubarão pertencente à família Lamniform, que inclui os grandes tubarões brancos.
Os Ptychodus seriam, na verdade, uns anões em comparação com os grandes tubarões brancos modernos, que atingem uns impressionantes 9,7 metros de comprimento.
No entanto, a sua estratégia de alimentação não podia ser mais diferente: os seus dentes consistiam em placas de esmagamento que permitiam a estes animais alimentarem-se de animais com carapaça que, de outra forma, seriam demasiado difíceis de comer.
“Os nossos resultados apoiam a ideia de que os lamniformes eram muito diversos ecomorfologicamente, e representavam o grupo dominante de tubarões nos ecossistemas marinhos do Cretáceo”, Romain Vullo, paleontólogo do Centro Nacional Francês de Investigação Científica e autor principal do estudo, citado pelo Science Alert.
“O Ptychodus pode ter-se alimentado predominantemente de presas nectónicas de carapaça dura, como amonites e tartarugas marinhas, em vez de invertebrados bentónicos”, acrescenta o investigador.
“A sua extinção, que ocorreu durante o Campaniano, muito antes da crise do final do Cretáceo, pode ter estado relacionada com a competição com os emergentes mosassauros globidensinos e prognatodontinos de dentes rombos”, detalha Romain Vullo.
Os fósseis de Ptychodus têm sido um mistério desde que os primeiros fósseis dos seus dentes trituradores foram encontrados em Inglaterra, em 1729.
A maior parte dos restos encontrados nos séculos que se seguiram foram dentes e vértebras, as únicas partes do esqueleto de um tubarão que são feitas de osso. O resto, sendo cartilagem, tende a não sobreviver o tempo suficiente para ser fossilizado, deixando muito para a imaginação.
Apesar de fragmentados, os poucos restos encontrados em todo o mundo oferecem pistas suficientes para se perceber o animal que os deixou.
Atualmente, há tubarões que adotam uma estratégia alimentar semelhante, conhecida como durofagia, o que dá precedência a uma dieta deste tipo.
A relativa ausência de restos mortais, quando tantos dentes foram encontrados em jazidas de fósseis do Cretáceo Superior, confirma que o animal teria um esqueleto de cartilagem. E as raras vértebras de Ptychodus que temos são consistentes com as vértebras encontradas noutros tubarões.
Com base apenas no tipo de restos que os tubarões normalmente deixam para trás, é impossível inferir com certeza como eram esses tubarões. Até a nossa compreensão do famoso megalodonte é apenas baseada numa série de conjeturas educadas.
Mas eis que temos algo como a Lagerstätte de Vallecillo.
Um Lagerstätte é um tipo de jazida fossilífera que tende a preservar incrivelmente bem os restos mortais, incluindo os tecidos moles que normalmente se decompõem antes de o processo de fossilização poder ter lugar.
Os seis espécimes de Ptychodus que os paleontólogos encontraram no Lagerstätte de Vallecillo estão finalmente a revelar a forma literal deste antigo predador.
Nenhum dos fósseis era de tubarões particularmente grandes, com o mais longo a atingir pouco mais de 2 metros de comprimento total.
Mas estes fósseis revelaram com o maior detalhe que alguma vez vimos a anatomia destes tubarões, permitindo aos investigadores extrapolar essa anatomia para outros dentes recuperados, daí inferindo que teriam um comprimento máximo de 9,7 metros.
Agora sabemos também quantas vértebras estes tubarões tinham, qual o tamanho das órbitas oculares, quantas barbatanas tinham, o tamanho das cabeças e a forma dos corpos — detalhes que permitiram agora aos autores do estudo classificar com segurança os tubarões como lamniformes e determinar que podiam nadar a grandes velocidades.
Segundo os investigadores, estes tubarões tinham também uma forma corporal diferente da de qualquer tubarão durófago vivo, o que mostra como pode ser difícil determinar a morfologia de um tubarão com base apenas nos seus dentes.
É possível, afinal, que o Ptychodus tenha sido o maior tubarão dutófago que alguma vez existiu — muito maior do que o maior que existe atualmente.