O período de “reflexão” a que o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, se entregou, a ponderar se se demite, ou não, deixa Espanha em suspenso com a “Síndrome António Costa” no ar.
Sánchez cancelou a agenda dos próximos dias e comunicou aos espanhóis, numa carta aos cidadãos, que revelará, na segunda-feira, se vai continuar à frente do Governo, ou se se demite.
A posição do primeiro-ministro de Espanha surge no seguimento de uma investigação judicial que envolve a sua esposa, e que o primeiro-ministro atribui a uma perseguição do PP, da direita tradicional, e do Vox, da extrema-direita.
A comunicação aos cidadãos é também uma espécie de “carta de amor à esposa”, mas segundo o jornalista Francisco Pascual do jornal El Mundo, esconde “o desamor verdadeiro” dos cidadãos pelo executivo de Sánchez.
E enquanto a oposição de direita acusa Sánchez de “vitimização” e de estar a fazer campanha eleitoral com o anúncio da possível demissão, o mesmo jornalista refere-se antes a uma táctica do primeiro-ministro espanhol para “manter o poder de forma excepcional”.
PSOE treme com “Síndrome de António Costa”
Enquanto isso, o país está em suspenso até à próxima segunda-feira, à espera da decisão de Sánchez. O Governo e o PSOE, o partido do primeiro-ministro, “tremem com o medo real de que Sánchez se demita”, analisa ainda o El Mundo.
O jornal assegura que Sánchez “decidiu demitir-se”, mas aponta que “ministros e responsáveis socialistas estão a tentar fazê-lo mudar de ideias“.
Os socialistas espanhóis pensam, inevitavelmente, no que aconteceu em Portugal, vivendo uma espécie de “Síndrome António Costa”.
O ex-primeiro-ministro português demitiu-se por suspeitas de corrupção associadas a elementos do seu Governo, e a figuras próximas de si, num processo que levou à queda do Governo socialista e à perda do poder para a direita nas eleições de 10 de Março passado.
É esse o cenário que o PSOE teme, tanto mais que, nas últimas eleições, não conseguiu a maioria absoluta, ao contrário do PS português, vendo-se obrigado a fazer uma “geringonça” à espanhola com oito partidos, incluindo os independentistas catalães.
Os aliados do PSOE no Governo torcem para que Sánchez se mantenha no cargo. O líder do Sumar, Enrique Santiago, já apelou ao primeiro-ministro para “acordar” do seu “sono” para retomar as “obrigações para com o país”.
Também o Podemos, outro aliado do executivo socialista, reforça a importância de “cuidar” da “geringonça” para manter o Governo em funções.
A preocupação do bloco de esquerda é “salvar a legislatura e enfrentar o “assédio da direita“, como destaca o jornal El País.
Entretanto, está a organizar-se uma concentração de apoio a Sánchez para o próximo sábado.
Sánchez fala em “falsidades” de sites alimentados por PP e Vox
Num texto publicado na rede social X, Sánchez disse que precisa de “parar e reflectir”, para concluir se vale a pena continuar à frente do Governo “apesar do lodaçal em que a direita e a extrema-direita pretendem transformar a política”.
Uma posição que surgiu depois de um tribunal de Madrid ter confirmado a abertura de um “inquérito preliminar” que tem como alvo a esposa de Sánchez, Begoña Gómez, por suspeitas de tráfico de influências e corrupção, após uma queixa da associação “Mãos Limpas”, considerada próxima da extrema-direita espanhola.
Em causa, estão alegadas ligações de Begoña Goméz a empresas privadas, como a companhia aérea Air Europa, que receberam apoios públicos durante a pandemia, ou que assinaram contratos com o Estado quando Sánchez era primeiro-ministro.
Sánchez assegura que estão em causa “falsidades” que saíram de páginas na Internet ligadas à direita e à extrema-direita, e alimentadas pelo PP e pelo Vox.
Além desta suspeita que envolve a mulher, Sánchez tem sido atacado por causa de uma investigação judicial a um assessor de um ex-ministro socialista que, alegadamente, cobrou comissões ilegais a vender máscaras a entidades públicas, durante a pandemia, incluindo Governos regionais que estavam nas mãos do PSOE.
Nenhum antigo membro do Governo, ou dirigentes do PSOE, está a ser investigado pela justiça, segundo o que se conhece deste caso, que levou à criação de comissões de inquérito no Parlamento, apoiadas pelos socialistas.
Susana Valente, ZAP // Lusa