A inovação de Kevin Esvelt tem potencial para ser usada tanto para o bem como para o mal. Os perigos que pode advir dela, deixam o biólogo reticente em relação a esta tecnologia, que também tem o potencial de salvar muitas vidas.
Sempre nos foi dito que as ações têm consequências, mas nunca pensamos num caso tão extremo como o de Kevin Esvelt. Um erro ou uma má decisão deste biólogo americano do MIT é o suficiente para ser responsável pela morte de pelo menos 25 mil crianças. No pior dos casos, esse número pode chegar aos 2,5 milhões.
“Imagine 25 mil crianças mortas. É quase impossível. Isso é quase um terço das crianças de Boston”, disse Esvelt à VICE. Esta é quantidade de crianças que podem morrer de malária nos próximos dez anos.
Estas vidas podem ser salvas graças à tecnologia de edição de genoma baseada na ferramenta CRISPR. Com recurso a esta inovação, os cientistas conseguem editar o nosso código genético para evitar que doenças passem de geração em geração — podendo pôr fim a algumas das maiores patologias que nos assolam.
Apesar das grandes aplicações que pode vir a ter, Esvelt quer usar a tecnologia de edição de genoma para estabelecer algumas diretrizes morais sobre como a ciência pode usar esta ferramenta. Nas mãos certas, pode ser usada para o bem maior; mas nas mãos erradas, pode ser precursora de destruição.
O biólogo chegou à conclusão de que a evolução natural das espécies acabaria por se sobrepor a qualquer edição que um cientista fizesse no ADN de um animal. Como tal, era necessário editar os genes de forma a que, quando o animal se reproduzisse, passasse obrigatoriamente o novo gene para as suas crias.
O objetivo passava então por criar uma unidade genética, que basicamente é quando um gene prolifera por toda a espécie, mesmo que não contribua necessariamente para a sobrevivência do organismo. No passado, já tentaram replicar isto em humanos para tentar travar a malária, contudo encontraram grandes dificuldades e custos absurdos.
A ideia de Esvelt foi usar o CRISPR para facilitar a criação de uma unidade genética. “Se editássemos todas as aves selvagens para se tornarem imunes à gripe, não haveria gripe aviária. Poderíamos editar todos os vermes parasitas que causam tanto sofrimento”, explicou Esvelt. O artigo científico foi publicado em 2014 na revista eLife.
O fim da utopia
No entanto, o biólogo rapidamente percebeu que as suas aspirações poderiam acarretar consequências que ainda não tinha considerado. “Eu pensei: ‘espera lá’. Uma coisa é a humanidade conseguir fazer isto. Outra coisa é investigadores independentes terem este tipo de poder”.
Esvelt acabou por perceber que a sua visão utópica poderia depressa tornar-se num pesadelo. Caso algum lunático decidisse “brincar” com esta tecnologia para o mal da humanidade, será que alguém conseguia travá-lo? A reversibilidade foi uma das primeiras coisas que preocupou a sua equipa.
Quais são as consequências de não fazer nada? De ser muito cauteloso? Quantas pessoas poderiam salvar com a sua invenção? Estas são questões que mantêm Esvelt acordado à noite e que o deixam hesitante em relação a esta revolucionária tecnologia.
“Sou moralmente responsável por todas as consequências desta tecnologia”, disse à VICE. “Mesmo que alguém a use e estrague tudo, isso ainda é, até certo ponto, minha culpa”, acrescentou. Num artigo sobre a sua tecnologia, a Pacific Standard escreveu que “desde Robert Oppenheimer que um cientista nunca trabalhou tanto contra a proliferação da sua própria criação”.
Apesar de reconhecer a responsabilidade que detém na sua posição, é com agrado que exerce a sua profissão.
“Eu não trocaria o meu emprego pelo mundo”, disse inicialmente antes de se corrigir: “Quer dizer, eu trocaria. Eu definitivamente trocaria o meu trabalho pelo mundo. Eu trocaria a minha vida pelo mundo“, atirou.