Uma década depois, o “príncipe encantado” virou sapo. O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, demitiu-se e deixou o país à deriva, com um Governo e uma economia em crise.
É o fim de uma era no Canadá, com a saída de Justin Trudeau após uma década no poder.
O primeiro-ministro canadiano vai continuar no cargo até que o seu Partido Liberal eleja um novo líder, após uma série de casos no Governo que não lhe deixaram outra saída que não a demissão.
Trudeau sublinhou que é “hora de um recomeço” e de “baixar a temperatura” política que está bem acima das temperaturas atmosféricas negativas que se sentem, nesta altura, no Canadá.
O líder do Partido Conservador, Pierre Poilievre, lidera as sondagens e surge, nesta altura, como o mais provável futuro primeiro-ministro do Canadá.
Trudeau passou de “príncipe encantado” a “príncipe do woke”
Justin Trudeau tornou-se primeiro-ministro do Canadá em 2015, depois de ter derrotado o Governo conservador de Stephen Harpe.
Chegou ao poder a “surfar uma onda de adulação progressiva em casa e no estrangeiro”, como analisa o professor assistente de Relações Internacionais e Direito Internacional no Instituto de Ciência Política da Universidade de Leiden (Holanda), Yuan Yi Zhu, num artigo de opinião no jornal britânico The Telegraph.
Trudeau conseguiu “ressuscitar” sozinho o Partido Liberal do Canadá quando estava “perto da extinção” e parecia “o herdeiro natural da marca de novo liberalismo de Barack Obama”, escreve ainda Yuan Yi Zhu que foi assessor no Governo de Stephen Harper.
Em 2017, a revista Vanity Fair sublinhava que “Justin Trudeau encanta todos os homens, mulheres, crianças e animais que conhece”.
Destacando os seus “grandes olhos azuis”, a publicação notava, numa notícia sobre o facto de Trudeau ter conquistado a então Chanceler alemã Angela Merkel, que teria inclusive conquistado Donald Trump.
Mas “tudo terminou agora em lágrimas” com a economia do Canadá em crise, e um sistema de imigração perto do “colapso” – Trudeau “acabou por arruinar um grande país”, conclui Yuan Yi Zhu que se refere ao político como o “príncipe do woke”.
A agenda progressista, com destaque para os direitos LGBTQI+ e das mulheres e a luta contra as alterações climáticas, foram marcas da governação de Trudeau que também se esforçou por “fortalecer e fazer crescer a classe média”, “defender o comércio livre”, apoiar a Ucrânia e “preparar a economia para o futuro”, conforme sublinhou aquando da sua demissão.
I will always fight for this country, and do what I believe is in the best interest of Canadians. pic.twitter.com/AE2nSsx5Nu
— Justin Trudeau (@JustinTrudeau) January 7, 2025
Crise económica, polémicas e separatismos
Os elevados gastos a que a pandemia obrigou levaram a um aumento considerável no déficit e na dívida pública do Canadá.
Depois veio a inflacção para complicar a vida dos cidadãos, seguindo-se as dificuldades em encontrar habitação, também devido à chegada massiva de imigrantes.
E nem a imposição da restrição da compra de casas por parte de estrangeiros imposta pelo Governo de Trudeau resolveu o problema.
Além disso, o Governo e o próprio Trudeau estiveram envolvidos em várias polémicas com suspeitas de corrupção e de conflitos de interesses pelo meio.
“Às vezes, parecia que cada pessoa que governava o Canadá tinha sido seu padrinho de casamento“, atira o analista Yuan Yi Zhu no artigo citado.
Mas “o legado mais prejudicial” de Trudeau para o Canadá “pode muito bem ser o enfraquecimento da sua nacionalidade“, acrescenta o professor.
Segundo o analista, o Governo do liberal “barateou a cidadania canadiana, atacou sistematicamente o passado do Canadá e fez o que pôde para dissolver os laços que mantinham o país unido”.
“Se o orgulho pelo Canadá está no seu nível mais baixo em décadas entre os canadianos, e se os movimentos separatistas estão a ganhar popularidade no leste e oeste, é por causa das acções deliberadas do seu Governo, cujo desejo mais fervoroso parece ter sido transformar o Canadá numa zona económica, cujos habitantes estavam associados uns aos outros por nada mais do que o facto de pagarem impostos ao mesmo departamento governamental”, aponta Yuan Yi Zhu.
Trump propõe “fusão” entre EUA e Canadá
Pelo meio, Trump já veio falar de Trudeau como “o governador” do “Grande Estado do Canadá”, notando que “muita gente” neste país “adora ser o Estado 51” dos EUA.
O futuro Presidente dos EUA que vai tomar posse antes da eleição de um novo Governo no Canadá, também já ameaçou impor ao país taxas de importação de 25% se este não impedir a passagem de imigrantes e de drogas para território norte-americano.
“Se o Canadá se fundisse com os Estados Unidos, não haveria tarifas, os impostos iriam baixar muito e estariam COMPLETAMENTE PROTEGIDOS da ameaça dos navios russos e chineses que os rodeiam constantemente”, escreve ainda Trump na sua rede social, Truth.
“Juntos, que grande nação seríamos”, conclui Trump.
O provável sucessor de Trudeau, Pierre Poilievre, tem como lema “Canadá Primeiro”, uma cópia do “America First” de Trump, e já prometeu “baixar impostos, construir casas, corrigir o orçamento e acabar com a delinquência”, criticando o “descontrolo nos gastos, na dívida e na imigração” do Governo de Trudeau.
Nothing has changed.
Every Liberal MP and Leadership contender supported EVERYTHING Trudeau did for 9 years, and now they want to trick voters by swapping in another Liberal face to keep ripping off Canadians for another 4 years, just like Justin.
The only way to fix what… pic.twitter.com/YnNYANTs1y
— Pierre Poilievre (@PierrePoilievre) January 6, 2025
E se o Canadá entrasse na União Europeia?
Perante isto, é um país mergulhado na incerteza que vai enfrentar negociações duras com Trump no âmbito da estratégia comercial e diplomática de Canadá e EUA.
Os analistas estão certos de que a crise política pode “enfraquecer a posição” do Canadá nestas conversações.
Neste cenário de imprevisibilidade, volta à discussão um assunto antigo recuperado pelo jornal britânico The Economist que defende “Por que razão o Canadá deve aderir à União Europeia“.
“A Europa precisa de espaço e de recursos, o Canadá precisa de pessoas”, escreve a publicação, salientando que é tempo de “negociar”.
Guerra comercial com EUA é oportunidade de “mudar o jogo”
Canadá e União Europeia (UE) já têm parcerias estratégicas no âmbito económico e comercial. Mas quando há à vista uma guerra comercial com os EUA, uma eventual adesão do país da América do Norte à comunidade europeia poderia ser uma jogada transformadora em termos geopolíticos.
Em 2018, quando Trump era o presidente dos EUA, e também ameaçou o Canadá com novas taxas sobre produtos importados, uma análise publicada pela INSEAD, uma das principais escolas de negócios do mundo, especulava sobre as oportunidades de uma eventual adesão à UE.
Referindo-se à ameaça de Trump como um “erro tolo”, essa análise considerava que podia ser “uma oportunidade entregue em bandeja de prata” para o Canadá “mudar completamente o jogo“.
“Em vez de jogar olho por olho com um negociador como Trump, a UE poderia oferecer ao Canadá uma oportunidade rápida de aderir ao seu bloco comercial” e “o Canadá substituiria rapidamente a sua relação comercial perdida com os EUA pelo acesso a um mercado consumidor ainda maior na Europa”, apontava-se na mesma análise.
Uma nova era multipolar
“Geo-estrategicamente, a UE ganharia uma posição noutro continente em vez de perder influência global através do Brexit”, e seria “o nascimento de uma nova era multipolar“, apontava-se ainda, especulando-se que os países da América do Sul poderiam pensar em seguir as pisadas do Canadá, aliando-se também à UE.
Mas na plataforma Reddit, muitos canadianos descartam a ideia, revelando os receios com a “burocracia” acrescida das regulações europeias, embora admitindo os “benefícios económicos, sociais e de segurança a longo prazo”.
O cepticismo marca a maioria das opiniões. E mesmo que uma adesão do Canadá à UE fosse possível, “os EUA nunca permitiriam que uma potência estrangeira se estabelecesse na América do Norte”, aponta um utilizador do Reddit.
Ora, isso “seria ironicamente engraçado”, pois “minaria completamente os seus motivos para criticar as acções da Rússia na Geórgia e na Ucrânia”, atira outro utilizador da plataforma.
Há, contudo, um problema que parece incontornável: o Canadá não é na Europa. Mas se a Austrália e Israel podem participar na Eurovisão…
Uma exelente ideia!
Formar o maior país do mundo, já!