Desaparecimento de Émile: o enigma dos cães, a família “certinha” e a pista política

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Acidente, homicídio ou rapto? Ainda não sinais de Émile, de 2 anos, nem do que lhe aconteceu. Mas as autoridades francesas estão a seguir uma pista política devido ao passado recente do pai da criança.

“A cena do crime é a aldeia inteira” e a investigação já passou da “pista da criança perdida à da criança possivelmente levada”, analisa o antigo comandante do Centro Nacional de Formação da Polícia Judiciária francesa, Jacques-Charles Fombonne, em declarações citadas pelo jornal regional La Dépêche.

“A pista de um predador sexual, neste local, onde todos se conhecem, é claro que é estudada, mas parece pouco plausível“, diz ainda Fombonne que também descarta a hipótese do acidente, dada a ausência de vestígios na estrada.

O facto de os cães usados nas buscas “não terem encontrado a criança é muito enigmático“, diz ainda o antigo comandante.

Numa fase em que as buscas no terreno estão mais ou menos paradas, foi criada uma célula nacional com 25 investigadores e os especialistas do Instituto Nacional de Pesquisa Criminal da Gendarmaria também estão a ajudar, o que reflecte como o caso se tornou um dilema para toda a França e não apenas para a aldeia de La Vernet, nos Alpes franceses.

Pai de Émile tem ligações à extrema-direita

Entretanto, há suspeitas de que o desaparecimento de Émile pode estar relacionado com o passado político recente do seu pai, um engenheiro de 26 anos.

O pai de Émile foi candidato nas eleições regionais de 2021 na lista do movimento “Zou!” na região do Bouches-du-Rhône à qual pertence Marselha. Esta lista está ligada à extrema-direita, incluindo os “amigos de Eric Zemmour“, como dizia a imprensa francesa na altura.

A cabeça-de-lista do “Zou!” foi Valérie Laupiès, ex-elemento do Rassemblement National de Marine Le Pen. O pai de Émile era o quarto da lista que se assumia como “anti-sistema” e que não conseguiu eleger qualquer representante.

O La Dépêche também avança que o jovem engenheiro fez parte do grupo de extrema-direita Bastião Social em Marselha, que foi dissolvido pela polícia em 2019.

No âmbito da participação nas actividades desse grupo, o pai de Émile terá chegado a ser ouvido em tribunal, por suspeitas de agressão de pessoas estrangeiras. Mas foi ilibado de quaisquer responsabilidades.

Comportamento nas buscas surpreende

O comportamento do pai durante as buscas também tem chamado a atenção de alguns populares que ficaram surpreendidos por ter aparecido no local “muito bem vestido”. “Estava de gola alta e com calça social”, refere uma voluntária nas buscas ao La Dépêche.

A sua atitude também dá que falar, uma vez que se apresentou “muito autoritário” e “a levantar o tom de voz muito rapidamente para repreender as pessoas que, segundo ele, não tinham a atitude certa“, conta essa mesma voluntária.

Uma postura que contrasta com a do avô do menino que estava “a chorar, muito emocionado”, frisa ainda a mesma fonte.

Ségolène Royal aponta ao “perfil inquietante” do pai

A antiga candidata presidencial pelo PS francês em 2007, Ségolène Royal, já notou que é preciso investigar o pai devido ao seu “perfil muito inquietante” numa publicação no Twitter que tem dado muito que falar.

Ségolène Royal também criticou o facto de a mãe de Émile só ter sido ouvida na terça-feira e apontou à polícia que devia olhar para “a hipótese de um problema ou vingança familiar“.

A política também questionou porque é que “o alerta de sequestro ainda não foi accionado“, e salientou que o menino pode estar “retido por alguém”, sugerindo procurar em “todas as casas ao redor, todos os porões, todos os sótãos”.

Os desabafos de Ségolène Royal no Twitter foram muito criticados, sobretudo por ter recebido 47% dos votos dos eleitores franceses nas eleições presidenciais de 2007. Há quem a acuse de estar armada em Sherlock Holmes, notando que devia ser chamada para ajudar a resolver o crime.

Émile não estava sozinho com os avós

Em La Vernet, uma aldeia isolada no alto das montanhas dos Alpes franceses, a família de Émile é bem conhecida dos locais. Os avós maternos do menino têm casa secundária no povoado de Haut-Vernet, onde passam férias há cerca de 20 anos.

Na altura do desaparecimento da criança, os avós estariam a preparar um passeio de carro em família. Émile não estava sozinho com os avós na altura, e a sua mãe também estaria na habitação de férias.

A mãe de Émile é a filha mais velha de dez irmãos e vários deles estariam na casa em Haut-Verne. Ela está na casa dos 20 anos, segundo o La Dépêche, pelo que alguns dos tios do menino serão ainda adolescentes.

Família “muito católica, certinha e meio antiquada”

Trata-se de uma família muito católica que é originária de La Bouilladisse, não muito longe de Marselha e a cerca de 200 quilómetros de La Vernet.

Os avós vivem naquela localidade há vários anos e os pais de Émile mudaram-se para lá há cerca de um ano, depois de terem vivido em Marselha, onde estudaram.

O pequeno não ia à creche, não o conhecemos realmente”, refere ao jornal Le Parisien o autarca de La Bouilladisse, José Morales.

Morales também revela que a família participava, “por vezes, nas manifestações da paróquia” local, onde chegou a dar alguns concertos de música sacra, tal como em La Vernet. Mas preferiam ir à missa em latim da Igreja de Saint-Charles, em Marselha, em vez de frequentarem a missa normal em La Bouilladisse.

Era “gente muito simpática e muito certinha, meio antiquada, até no jeito de se vestir”, diz ao jornal La Provence um vizinho. “Ouvíamos um pouco de gritaria, mas como com toda a criançada”, acrescenta.

Os testemunhos consultados constatam que se tratava de uma família “muito tradicional”, um “clã rígido e religioso” que vivia quase em “auto-suficiência”.

O avó de Émile é, ainda hoje, osteopata na localidade, e os seus 10 filhos não frequentaram a escola primária. “Na sociedade de hoje, ter dez filhos e ter escola em casa é um pouco como ser extraterrestre”, destaca um familiar ao La Provence.

Sobre Émile, um vizinho nota que “falava bem e andava bem”. “Até o vi escapar várias vezes, escada abaixo”, relata, notando que pensou numa “fuga” aquando do seu desaparecimento.

O autarca de La Vernet, François Balique, nota à RTL que o avô de Émile “sente-se culpado”. “É duro para um avô que perde o seu neto”, sobretudo dadas “as circunstâncias”, uma vez que a criança “escapou à sua vigilância”, sublinha.

Entre a “aflição e angústia” da família, o mistério continua e já se começa a temer que este seja um novo caso Maddie.

Susana Valente, ZAP //

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1 Comment

  1. 25 Investigadores para 25 moradores desta “Aldeia” se assim se pode qualificar , Familia vivendo de forma quasi hermética ao Sistema Social , crianças não escolarizadas , é verdade que se pode comparar com um modo de Vida marginal . Mas deixamos de lado , as especulações sobre o que pôde ou não acontecer a esta Criança . Uma certeza é , esta “Comunidade” deve ser investigada seriamente . Portanto , enquanto durarem as investigações , toda a esperança é possível !

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