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Livro deixa novas revelações: o círculo íntimo olhou para o então presidente como alguém especial. Era uma fé quase religiosa na capacidade de Biden de se reerguer.
Doadores, membros do Governo, políticos democratas e assessores ficaram chocados com o declínio físico e mental do ex-presidente Joe Biden nos últimos dois anos na Casa Branca, mas continuaram a apoiar publicamente a sua reeleição, revela um livro.
Em “Pecado Original”, um livro lançado no mês passado pelos jornalistas norte-americanos Jake Tapper e Alex Thompson depois de entrevistarem aproximadamente 200 pessoas, incluindo fontes de alto escalão, é mostrado aos leitores como o enfraquecimento das capacidades físicas e cognitivas de Biden estava à vista da maioria dos democratas com quem se cruzava, mas, mesmo assim, mantiveram-se em silêncio quando o ex-presidente anunciou que tentaria a reeleição, em abril de 2023.
Quase todas as entrevistas para este livro foram realizadas após as presidenciais de novembro, das quais Donald Trump saiu vencedor após derrotar a agora ex-vice-presidente Kamala Harris, que só entrou na corrida eleitoral quando faltava pouco mais de três meses para o sufrágio – e depois de uma forte pressão do Partido Democrata para que Biden desistisse da corrida.
O início das preocupações com a saúde de Joe Biden por parte da sua equipa remonta a 2020, mas a deterioração acelerou-se visivelmente em 2023 e 2024, até culminar no desastroso debate com Donald Trump em junho – em que Biden projetou uma imagem envelhecida, com voz rouca e dificuldades para concluir algumas frases.
Apesar de esse ter sido o momento em que o mundo constatou que o Presidente dos Estados Unidos estava em dificuldades, dezenas de políticos, assessores, doadores do Partido Democrata e membros do próprio Governo já assistiam há vários meses ao deteriorar da situação.
Em dezembro de 2022, Biden não conseguia lembrar-se dos nomes do seu conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, e da diretora de Comunicações, Kate Bedingfield, escreveram os autores.
No outono de 2023, o Presidente octogenário – o mais velho da história do país – pareceu não reconhecer Jamie Harrison, presidente do Comité Nacional Democrata.
Numa reunião no último trimestre de 2023, um secretário “ficou chocado com a forma como o Presidente estava a agir”, parecendo “desorientado” e “fora de si”.
E no início de 2024, não reconheceu a estrela de cinema norte-americana George Clooney, que Biden conhece há anos e que é um dos grandes doadores do Partido Democrata.
Clooney “sentiu um nó no estômago” quando um frágil e envelhecido Joe Biden se aproximou dele num evento de arrecadação de fundos, em junho passado, aparentemente sem reconhecer aquele que é um dos atores mais famosos do mundo.
“George Clooney”, insistiu um assessor, tentando clarificar ao Presidente quem era o homem a quem apertava a mão.
“Ah, sim!”, concedeu Biden. “Olá, George!”, disse.
Cerca de um mês após esse episódio, Clooney foi uma das vozes de maior destaque a pedir que Biden desistisse da corrida presidencial.
Ao ator somaram-se dezenas de outros nomes, maioritariamente políticos, mas também conselhos editoriais de vários jornais, incluindo do New York Times.
Contudo, esses apelos – que acabaram por surtir efeito – só surgiram a poucos meses da eleição, minando as possibilidades de outro candidato conseguir preparar-se atempadamente para o confronto com Trump.
Alguns membros do gabinete de Biden disseram a Tapper e Thompson que não acreditavam que o Presidente pudesse atuar às 2 horas da manhã se houvesse uma emergência nacional.
“Se alguém estava com ele todos os dias e sabia que havia um problema, porque é que não foi até ele e disse alguma coisa?”, questionou um membro do gabinete do Presidente, sob condição de anonimato, referindo-se ao silêncio em torno do declínio de Biden.
A vida de Biden foi marcada por várias tragédias e acontecimentos negativos: a morte da sua primeira mulher e da filha bebé num acidente de carro em 1972; dois aneurismas cerebrais com risco de morte em 1988; a morte do filho Beau em 2015, devido a um tumor cerebral; os inúmeros problemas causados pelo filho Hunter, um dependente químico em recuperação a enfrentar problemas com a justiça.
O facto de Joe Biden ter conseguido sempre ultrapassar várias adversidades ao longo da vida fez com que o seu círculo íntimo olhasse para si como alguém especial, mas subestimado.
De acordo com os autores, esse núcleo baseou-se “numa fé quase religiosa na capacidade de Biden de se reerguer“.
“E, como em qualquer teologia, o ceticismo era proibido“, acrescentaram.
Contudo, para um proeminente estratega democrata, “foi uma abominação” Biden não ter renunciado ao poder e não ter sido honesto consigo mesmo e com o país, acusando o ex-chefe de Estado de 82 anos de ter “roubado a eleição ao Partido Democrata“.
Aos autores da obra, um outro assessor da Casa Branca – que deixou o cargo por achar que Biden não deveria concorrer novamente – confessou que existiram esforços para que as pessoas não percebessem a extensão do declínio do Presidente a partir de 2023.
“Eu adoro Joe Biden. Quando se trata de decência, há poucos na política como ele. Ainda assim, foi um desfavor ao país e ao Partido que a sua família e assessores tenham permitido que concorresse novamente”, avaliou.
Jake Tapper é pivô da CNN Internacional e Alex Thompson correspondente político do ‘site’ de notícias Axios.
// Lusa