O processo de substituição de Raúl Castro na liderança cubana inicia-se esta quarta-feira com a realização de uma sessão para a constituição do novo Parlamento, um dia antes do inicialmente previsto.
A decisão do Conselho de Estado de Cuba de antecipar a sessão constitutiva da IX Legislatura da Assembleia Nacional do Poder Popular tem como propósito “facilitar o desenvolvimento dos passos que requerem uma sessão de tal importância”, indicou a agência cubana de notícias (ACN).
Inicialmente, estava anunciado que a reunião parlamentar se celebraria apenas amanhã e agora é de supor que se desenrolará em duas jornadas: esta quarta e quinta-feira.
Na sessão, uma comissão integrada pelos 605 deputados elaborará e submeterá à votação da recentemente renovada assembleia uma proposta que inclui o Presidente, primeiro vice-presidente, cinco vice-presidentes e 23 membros do Conselho de Estado, o órgão máximo de Cuba.
Raul Castro, de 86 anos, deixará de ser Presidente de Cuba, em cumprimento da limitação de mandatos a um máximo de dez anos decretada por ele mesmo, sendo expectável que o atual primeiro vice-presidente, Miguel Díaz-Canel, de 57 anos, ocupe o cargo.
A acontecer, será a primeira vez que o chefe de Estado cubano não tem apelido Castro em 60 anos, primeiro com Fidel Castro de 1976 a 2008 (o líder da revolução esteve como primeiro-ministro de 1959 a 1976), depois com Raul até agora.
Apesar de deixar o poder, Raúl continuará como secretário-geral do Partido Comunista de Cuba até ao próximo congresso, previsto para 2021.
“Richard Gere cubano”
O atual vice-presidente, Miguel Díaz-Canel, prestes a completar 58 anos, é visto como o sucessor mais expectável. Engenheiro eletrotécnico de formação, cumpriu apenas três anos de serviço militar e é também significativamente mais novo do que a maioria da cúpula do partido, escreve o Observador.
“Este homem nasceu em 1960 e não é como os outros dirigentes comunistas que nasceram antes da chamada Revolução que levou os irmãos Castro ao poder. Foi educado e doutrinado como o povo cubano em geral, por este Governo”, explica Luis Enrique Ferrer, dissidente cubano e um dos líderes do partido oposicionista União Patriótica de Cuba (UNPACU), ao jornal online.
A escolha é significativa mas “só quando já tiverem desaparecido todos os membros da velha guarda é que Díaz-Canel poderá ser um fator de mudança“, considera.
Conhecido pela simpatia e por ser “muito terra-a-terra”, Díaz-Canel é um fã confesso dos Beatles, faz-se acompanhar da mulher em público e já foi várias vezes apelidado de “Richard Gere cubano”.
“A sua proximidade e acessibilidade sugerem que trará um estilo pessoal diferente da geração anterior de líderes cubanos”, considera John McAuliff, presidente do Fundo para a Reconciliação e Desenvolvimento dos EUA, uma organização que tenta criar laços com os países outrora “inimigos”.
No entanto, essa acessibilidade não significa maior transparência, escreve o Observador. Díaz-Canel, correspondente da BBC em Cuba, conta que o vice “não é muito amigo de fazer declarações à imprensa” e “tem um estilo de baixo perfil mediático que lhe permite mover-se mais livremente”.
E que ideias trará consigo? Não se sabe. “Miguel Díaz-Canel tem uma reputação de ser um homem de mente aberta, pragmático e um bom gestor”, diz ao jornal o académico William LeoGrande. Porém, há quem continue a duvidar que esta chegada ao poder vai trazer mudanças de fundo.
Um desses casos é a advogada Laritza Diversent. “Digamos que há uma mudança de imagem, um funcionário público mais jovem com mais dotes de ‘oratória’ e coerência para responder à imprensa internacional, mas que não se afastará nem um milímetro da política trazida desde os anos 60 pelos irmãos Castro”.
“Enquanto a velha guarda for viva e a família Castro mantiver o poder, Díaz-Canel não passará de um fantoche”, lamenta-se ainda o oposicionista Luís Enrique Ferrer.
“Hasta Siempre, Comandante”
Fidel Castro, o histórico líder cubano, morreu aos 90 anos, em novembro de 2016. O líder da Revolução Cubana foi um dos homens mais carismáticos e controversos da História política do século XX e foi a última grande figura do comunismo ocidental.
Após um longo e conturbado período como opositor do regime de Fulgêncio Batista, um aliado dos EUA, chegou a Havana, em janeiro de 1959, juntamente com o seu companheiro de luta Che Guevara e a Revolução Cubana fazia a sua entrada na História.
Em 1961, declarou Cuba um Estado socialista e os EUA cortaram relações diplomáticas com Havana, que se prolongaram até 2015. Em março deste ano, Barack Obama tornou-se no primeiro Presidente norte-americano em funções a visitar a Cuba em 88 anos. No entanto, dura até hoje o embargo económico dos EUA a Cuba, iniciado também em 1961.
Fidel resistiu à oposição de dez Presidentes norte-americanos (Eisenhower, Kennedy, Johnson, Nixon, Ford, Carter, Reagan, Bush pai, Clinton e Bush filho), numa relação com os EUA que transportou a Guerra Fria para o continente americano.
Desde o triunfo da revolução, Cuba manteve relações estreitas com o bloco socialista europeu. Até à queda da União Soviética, em 1991, recebeu ajuda económica e militar do país, mas o fim do bloco comunista fez Cuba mergulhar numa crise económica.
Fidel chegou ao poder apoiado pela maioria dos cubanos, prometendo reinstaurar a Constituição de 1940, criar uma administração honesta, restabelecer liberdades civis e políticas e realizar reformas moderadas.
Mas recebeu acusações da comunidade internacional de autoritarismo, radicalismo e violação aos direitos humanos, além de perseguição a religiosos e homossexuais. Milhares de cubanos deixaram o país, de maneira legal ou ilegal, por não estarem de acordo com o Governo ou por causa da situação económica.
A 31 de julho de 2006, Fidel Castro afastou-se devido a problemas de saúde e delegou o poder no irmão, que começou um processo de abertura e de reformas no país, reconhecido em 2009 pela União Europeia, que levantou nesse ano as sanções a Havana.
ZAP // Lusa