O ex-presidente do Tribunal Constitucional acusou, esta segunda-feira, a Procuradora-Geral da República (PGR) de pretender intervir no processo criminal, classificando esta atuação como “própria de um processo inquisitório” e “à revelia da Constituição e da lei”.
Numa intervenção nas jornadas parlamentares do PSD, Manuel da Costa Andrade começou por criticar o “currículo pouco recomendável” do poder político por ter afastado da Procuradoria-Geral da República ou do Tribunal de Contas “pessoas reconhecidamente competentes e idóneas”, numa referência a Joana Marques Vidal e Vítor Caldeira.
O ex-presidente do TC deixou ainda duras críticas ao ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, embora sem referir explicitamente o seu nome, devido aos festejos dos ingleses a propósito da final da Liga dos Campeões, no Porto.
“Ministros que se movem ao nível da inexistência, mesmo quando mercadejam a autoridade do Estado, sacrificam a dignidade dos portugueses, humilhados e feitos estrangeiros no seu país, denegando-lhe privilégios que com vassalagem prodigalizam a estrangeiros ruidosos e violentos, só porque consomem álcool e trazem uma saca carregada de libras”, afirmou, citado pelo semanário Expresso.
Costa Andrade também deixou recados ao líder do PSD, Rui Rio, devido à eventual aproximação com o Chega, um partido que, lembrou, quer restaurar a pena de morte, dizendo que se o fizesse estaria a “vender a alma ao Diabo”.
“Quando se chega aqui atinge-se o inultrapassável que não pode sequer ser motivo de conversa. Só a coberto da irresponsabilidade e da inimputabilidade político-cultural se pode sonhar em restaurar a pena de morte no país pioneiro na sua abolição (…) Uma proposta que o PSD só podia negociar se estivesse disposto a vender a alma ao Diabo”, atirou.
Atual PGR age como “um agente encoberto”
Depois, o antigo deputado do PSD centrou as críticas na atual PGR, Lucília Gago, aludindo à polémica diretiva sobre a subordinação hierárquica do Ministério Público.
“Assiste-se com complacência ao propósito declarado e formalizado pela Procuradora-Geral da República de pretender intervir ativamente no processo criminal escondendo depois a mão e apagando as pegadas dos seus passos, agindo como um agente encoberto inteiramente à revelia da Constituição e da lei como é próprio de um processo inquisitório”, apontou.
A diretiva, que foi contestada pelo sindicato dos magistrados, reforça os poderes da hierarquia sobre a autonomia dos procuradores, prevendo que a hierarquia possa intervir nos processos-crime “modificando ou revogando decisões anteriores”.
‘Bunker’ para “acolher corruptos”
O ex-presidente do Tribunal Constitucional alertou ainda que criar leis que punam a falta de cumprimento dos deveres de transparência pode ter “efeitos perversos” no combate à corrupção, funcionando como “cartas de alforria” para corruptos.
Costa Andrade falou genericamente nas iniciativas de luta contra a corrupção, entre as quais se inclui um projeto-lei apresentado pelos sociais-democratas (e semelhante à de outros partidos) e que aumenta as obrigações declarativas dos políticos e altos dirigentes públicos e agrava as penas de prisão para a ocultação intencional de aumento de rendimentos, sem criminalizar, contudo, a sua falta de justificação.
“Uma solução legal que puna a falta de cumprimento dos deveres de transparência, contra ela não há obstáculos constitucionais (…) Só que não se passará muito daqui, pouco se adiantará neste ponto em matéria de luta contra a corrupção”, declarou.
Para Costa Andrade, uma condenação por atentado contra a transparência “pode valer como carta de alforria do corrupto, imunizando-o contra a possibilidade de ser punido por corrupção”.
“Punir quem sacrifica a transparência pode desencadear o efeito preservo de frustrar o objetivo almejado, a punição da corrupção”, considerou.
O ex-presidente do TC defendeu mesmo que estas propostas, “se forem convertidas em lei, valerão como um ‘bunker’ em que os corruptos podem tranquilamente acolher-se”.
“Sucederá assim se do cumprimento das obrigações declaratórias resultar que os rendimentos são de origem ilícita, mesmo criminosa, mesmo que se que se declare que provieram da corrupção. Um dado que depois não pode ser valorado contra o declarante”, afirmou, invocando o princípio jurídico da não autoincriminação.
ZAP // Lusa