Os Censos 2021 têm sido alvo de críticas relativamente aos critérios para identificação de pessoas em situação de sem-abrigo, à ausência de questões sobre identidade de género e orientação sexual, bem como sobre a lista de religiões e dificuldades no preenchimento do inquérito.
“Parece-me uma coisa feita à pressa, sem grande interesse em perceber qual a dimensão da diversidade que existe em Portugal”, disse ao Público a antropóloga, professora universitária e investigadora do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, do ISCTE-IUL, Cristina Santinho.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), na quinta-feira 1.521.806 alojamentos de residência e de 3.755.019 pessoas já tinham respondido ao inquérito.
Na semana passada, Manuel Grilo, com o pelouro da Educação e Direitos Sociais da Câmara Municipal de Lisboa, escreveu ao presidente do INE sobre os critérios para identificar pessoas em situação de sem abrigo e defendendo a inclusão das “que se encontrem em respostas de alojamento temporário, de emergência, de transição, apartamentos partilhados, entre outras”.
Na quinta-feira, a Associação ILGA Portugal – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo e o Bloco de Esquerda (BE) também criticaram os Censos. O partido questionou a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, se “o entendimento” do inquérito quanto aos “sem-abrigo é o “de pessoas sem teto e não de pessoas sem casa” e se “está o Governo disponível para diligenciar junto do INE para que o critério de identificação das pessoas em situação de sem-abrigo” permita incluir as outras situações.
Cristina Santinho sublinhou a necessidade de apoio a refugiados e imigrantes no preenchimento. “Está a perder-se uma oportunidade essencial para percebermos realmente a diversidade das condições de vida da população em Portugal”, indicou.
Já Timóteo Macedo, coordenador da Solidariedade Imigrante, referiu que há pessoas com dificuldades no português, no acesso à Internet e também quem mude de residência com muita frequência, devido à situação documental e à precariedade no trabalho.
Ao Público, o INE explicou que a resposta “através da Internet pode ser efetuada em português e em inglês”, que estão disponíveis “questionários em diversas línguas” – como árabe, bengali, francês, hindi, italiano, mandarim, nepalês, romeno, russo e ucraniano – e em Língua Gestual Portuguesa, e que a linha de apoio atende em inglês.
Cristina Santinho defendeu que deviam ser incluídas mais religiões, como as de matriz africana. O padre católico, professor universitário da Universidade de Coimbra e teólogo, Anselmo Borges, admitiu que, apesar da “panorâmica muito ampla” no questionário, este seria mais inclusivo se atendesse também às chamadas “religiões tradicionais”.
Já o presidente da Comissão da Liberdade Religiosa, Vera Jardim, disse que o inquérito “já foi bastante mais inclusivo do que costuma ser”. “Da realidade que conheço, as religiões de matriz africana não têm peso significativo nas comunidades africanas e brasileira em Portugal, muito longe disso”, frisou.
Cristina Santinho apontou ainda a “ausência de referência” ao género e orientação sexual no inquérito. O BE já tinha enviado outra questão à ministra de Estado e da Presidência, sobre que “ações vão ser tomadas” para que “sejam recolhidos dados para tratamento estatístico das pessoas lésbicas, gay, bissexuais, ‘trans’ e intersexo”.
Ao Público, o gabinete da ministra lembrou que Mariana Vieira da Silva já havia referido que, em 2018, “houve uma consulta pública relativamente ao Censos 2021, não tendo na altura sido feita qualquer sugestão de inclusão de questões específicas sobre a identidade de género ou sobre a orientação sexual”.
Quanto ao INE, respondeu, por escrito, que “os Censos são enquadrados por legislação da União Europeia” na qual “estão definidas as variáveis de observação obrigatória e as respetivas categorias”, referindo que o que é estabelecido “para a variável sexo” é “apenas as categorias masculino e feminino”.