Ao disparar laser Fibonacci a um átomo dentro de um computador quântico, os físicos criaram uma fase completamente nova e estranha da matéria, que se comporta como se tivesse duas dimensões de tempo.
A nova fase da matéria permite aos cientistas armazenar informação de uma forma muito mais protegida contra erros, abrindo assim caminho para computadores quânticos capazes de manter a dados durante muito mais tempo.
A equipa de investigadores descreveu as suas conclusões num novo estudo, publicado a 20 de julho na revista Nature.
A inclusão de uma dimensão teórica de tempo “extra” “é uma forma completamente diferente de pensar as fases da matéria“, realça Philipp Dumitrescu, autor principal e investigador do Centro de Física Quântica Computacional do Instituto Flatiron, em Nova Iorque. “Há mais de cinco anos que trabalho nestas ideias teóricas, e vê-las a ser realizadas em experiências é incrível”.
Os físicos não se propuseram a criar uma fase com uma dimensão teórica de tempo extra, nem estavam à procura de um método que permitisse um melhor armazenamento de dados quânticos.
Em vez disso, estavam interessados em criar uma nova fase da matéria — uma nova forma em que a matéria pudesse existir, além do sólido, líquido, gás, e plasma.
Começaram a construir a nova fase na empresa de computadores quânticos Quantinuum, com o processador quântico H1 da tecnológica, que consiste em 10 iões de ytterbium numa câmara de vácuo, controlados por lasers, num dispositivo conhecido como a armadilha de iões.
Os computadores comuns utilizam bits, ou 0s e 1s, para formar a base de todos os cálculos. Os computadores quânticos são concebidos para utilizar qubits, que também podem existir num estado de 0 ou 1.
Mas é precisamente aí que as semelhanças terminam. Graças às bizarras leis do mundo quântico, as qubits podem existir numa combinação, ou sobreposição, dos estados 0 e 1, até ao momento em que são medidas, sobre as quais caem aleatoriamente num 0 ou num 1.
Este estranho comportamento é a chave para o poder da computação quântica, uma vez que permite que os qubits se liguem entre si através do emparelhamento quântico, um processo que Albert Einstein chamou “ação fantasmagórica à distância”.
O emparelhamento une duas ou mais qubits, ligando as suas propriedades, de modo a que qualquer alteração numa partícula provoque uma alteração na outra, mesmo que estejam separadas por grandes distâncias.
Isto dá aos computadores quânticos a capacidade de efetuar múltiplos cálculos em simultâneo, aumentando o seu poder de processamento relativamente aos dispositivos clássicos, de acordo com a Live Science.
Mas o desenvolvimento dos computadores quânticos é travado por uma grande falha: os qubits não se limitam a interagir e emaranham-se uns aos outros.
Por não poderem ser perfeitamente isolados do ambiente fora do computador quântico, também interagem com o ambiente exterior, causando assim a perda das suas propriedades quânticas, e da informação que transportam, num processo chamado decoherence.
“Mesmo que se mantenha todos os átomos sob controlo, eles podem perder a sua ‘quantumidade’ falando com o seu ambiente, aquecendo ou interagindo com as coisas de formas não planeadas”, sublinha Dumitrescu.
Para contornar estes efeitos de decoherence e criar uma nova fase estável, os físicos procuraram um conjunto especial de fases chamado fases topológicas.
O emparelhamento quântico não só permite que os dispositivos quânticos codifiquem a informação através das posições singulares e estáticas dos qubits, mas também que os teçam nos movimentos dinâmicos e interações de todo o material.
Deste modo, é crado um qubit “topológico” que codifica a informação na forma produzida por várias partes em vez de uma só, tornando a fase muito menos suscetível de perder a sua informação.
Uma marca fundamental da passagem de uma fase para outra é a quebra das simetrias físicas — a ideia de que as leis da física são as mesmas para um objeto em qualquer ponto do tempo ou do espaço.
Como líquido, as moléculas na água seguem as mesmas leis físicas em todos os pontos do espaço e em todas as direções.
No entanto, se a água arrefecer o suficiente e se transformar em gelo, as suas moléculas irão escolher pontos regulares ao longo de uma estrutura cristalina, para se organizarem transversalmente.
De repente, as moléculas de água preferem ocupar pontos no espaço, e deixam os outros pontos vazios. A simetria espacial da água é espontaneamente quebrada.
A criação de uma nova fase topológica dentro de um computador quântico também depende da quebra da simetria mas, com esta nova fase, a simetria não está a ser quebrada através do espaço, mas sim do tempo.
Ao dar a cada ião da cadeia um abalo periódico com os lasers, os físicos pretendiam quebrar a simetria temporal contínua dos iões em repouso, e impor a sua própria simetria temporal — onde as qubits permanecem os mesmas em certos intervalos de tempo — o que criaria uma fase topológica rítmica em todo o material.
Mas a experiência falhou. Em vez de induzir uma fase topológica imune a efeitos de decoherence, os pulsares do laser amplificaram o ruído de fora do sistema, destruindo-o menos de 1,5 segundos após ter sido ligado.
Após reconsiderarem a experiência, os investigadores perceberam que para criar uma fase topológica mais robusta, teriam de atar a simetria na cadeia de iões mais do que uma vez, para diminuir as probabilidades do sistema ficar emaranhado.
Para o fazer, decidiram encontrar um padrão de pulsação que não se repetisse de forma simples e regular, mas que, não obstante, mostrasse algum tipo de simetria mais elevada ao longo do tempo.
Assim, utilizaram a sequência de Fibonacci, na qual o próximo número da sequência é criado pela adição das duas anteriores. Enquanto um simples laser periódico pode apenas alternar entre duas fontes laser (A, B, A, B, A, B, etc.), o novo pulsar combinava os dois anteriores (A, AB, ABA, ABAAB, ABAABABA, etc.).
Esta pulsação de Fibonacci criou uma simetria temporal que, tal como um quasicristal no espaço, foi ordenada sem nunca se repetir. E tal como um quasicristal, os pulsos de Fibonacci também esmagavam um padrão dimensional superior, sobre uma superfície dimensional inferior.
No caso de um quasicristal espacial como o mosaico Penrose, uma fatia de uma malha tridimensional é projetada sobre uma superfície bidimensional.
Ao olhar para o padrão do pulsar Fibonacci, vemos duas simetrias teóricas de tempo a serem aplanadas numa única física.
“O sistema obtém essencialmente uma simetria de bónus de uma dimensão de tempo extra inexistente”, escreveram os investigadores num comunicado. O sistema aparece como um material que existe em alguma dimensão superior, com duas dimensões de tempo — mesmo que isto possa ser fisicamente impossível na realidade.
Quando a equipa o testou, o novo pulsar de Fibonacci quasiperiódico criou uma fase topográfica que protegeu o sistema da perda de dados ao longo de todo o período de 5,5 segundos do teste. De facto, tinham criado uma fase que era imune à decoherence durante muito mais tempo do que outras.
Embora os físicos tenham atingido o seu objetivo, resta um obstáculo para fazer da sua fase uma ferramenta útil para os programadores quânticos: integrá-la com a computação quântica, para que possa ser introduzida com cálculos.
“Temos esta aplicação direta e tentadora, mas precisamos de encontrar uma forma de a ligar aos cálculos”, conclui Dumitrescu. “Esse é o problema no qual estamos a trabalhar agora”.