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Casos de tráfico humano mais registados em Portugal são de exploração laboral

Os casos de tráfico de seres humanos mais registados em Portugal estão relacionados com a exploração laboral, nomeadamente no setor agrícola.

“Em Portugal, como noutros países, o que tem sido mais registado e também mais identificado é o tráfico para fins de exploração laboral, nomeadamente no setor agrícola“, disse à agência Lusa Rita Penedo, diretora do Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH), a propósito do Dia Internacional contra o Tráfico de Pessoas, que se assinala este sábado.

A diretora do OTSH explicou que, pelo próprio modus operandi deste tipo de exploração laboral, o número de vítimas é “quantitativamente maior”, comparativamente a outras formas de exploração.

O relatório do OTSH, relativo a 2015, refere que 65% das situações de exploração laboral ocorrem sobretudo em áreas rurais, e que a maior parte das vítimas portuguesas no estrangeiro são exploradas na agricultura (48 casos em 2015).

No ano passado, foram sinalizados, em Portugal, 193 casos suspeitos de vítimas de tráfico de seres humanos (menos quatro face a 2014), 135 dos quais relativos a situações detetadas em Portugal e 58 a portugueses no estrangeiro, informa o documento.

“Estamos a falar de um crime que, do ponto de visto quantitativo, não é representativo, mas não é por isso que é menos importante, até porque a questão das cifras negras neste crime pode ter alguma expressividade”, disse a diretora do observatório, tutelado pelo Ministério da Administração Interna.

Sobre o modo de recrutamento utilizado pelos traficantes, Rita Penedo explicou que são de vários tipos, desde anúncios, através de familiares ou pelo método “passa a palavra”, utilizado para fins de exploração laboral, em que a vítima involuntariamente acaba por recrutar outras vítimas.

“Em regiões mais carenciadas ou com situações de exclusão social e taxas desemprego mais elevadas, a vítima pode conhecer familiares, amigos, vizinhos e involuntariamente” recrutá-los para situações de tráfico, explicou.

Em Portugal e noutros países, como Espanha e Roménia, são, por vezes, estruturas mais familiares a fazer o recrutamento “e não propriamente redes de crime organizado transnacional”, observou.

Desespero

Para Rita Penedo, a prevenção “é muito importante” para prevenir estes casos e evitar que as vítimas, depois de resgatadas, voltem a cair nestas redes, quando regressam aos seus locais ou países de origem.

“O retorno assistido” tem de ser “ainda mais consolidado e robustecido”, porque as “situações de desespero levam, às vezes, que a pessoa tente novamente a sorte”.

Apesar das autoridades fazerem a avaliação de risco, “as vítimas fazem a sua própria avaliação e a sua própria análise e, por vezes, aquilo que lhes é pago” nos locais onde vivem e voltam à condição de vítima.

Para a responsável, a formação contínua dos profissionais que estão no terreno é essencial para saber reconhecer o crime e lidar com as vítimas.

No entanto, a sociedade também tem de “estar alerta” e denunciar este crime público, como já acontece com as situações de violência doméstica.

“Em relação ao tráfico, ainda está um pouco apartada”, porque acha que estes casos só acontecem aos estrangeiros, disse Rita Penedo.

Contudo, frisou, “é indiferente” se acontece a estrangeiros ou a portugueses. “São pessoas e isto é um crime contra a liberdade pessoal, é uma grave violação dos direitos humanos. É importante fazer esta sensibilização”.

É preciso também reforçar o conhecimento que se tem sobre o fenómeno para “melhor intervir, melhor apoiar, melhor condenar e prevenir”.

Mais de 15 mil pessoas foram vítimas de tráfico na EU

Mais de 15 mil pessoas foram vítimas de tráfico na União Europeia (UE) em 2013/2014, mas “o número real é suscetível de ser substancialmente mais elevado”, reconhece o último relatório da Comissão Europeia sobre o tema.

O relatório sobre os progressos realizados em matéria de luta contra o tráfico de seres humanos conclui que, entre 2013 e 2014, o período mais recente objeto de análise, 15.846 mulheres, homens, meninas e meninos foram vítimas de tráfico na UE, mas apenas 6.324 pessoas tiveram contacto oficial com a polícia ou com o sistema de justiça penal.

De acordo com o relatório, o tráfico de seres humanos para efeitos de exploração sexual continua a ser a forma mais comum (67% das vítimas), seguindo-se o tráfico para exploração laboral (21%).

Mais de três quartos das vítimas registadas eram mulheres, percentagem que sobe para 95% no caso da exploração sexual, “uma das tendências que aumentou mais acentuadamente”, segundo o relatório.

“Estamos particularmente preocupados com as mulheres e crianças, sobretudo para exploração sexual”, reconhece a coordenadora da União Europeia contra o tráfico de seres humanos.

Em entrevista à Lusa a propósito do Dia Mundial Contra o Tráfico, que as Nações Unidas assinalam a 30 de julho, Myria Vassiliadou, coordenadora da Luta Antitráfico da UE, assinala que, por outro lado, “a maioria dos traficantes e certamente todos os clientes são homens”.

O relatório também destaca as ligações entre o tráfico de seres humanos e outras formas de criminalidade e a exploração dos mais vulneráveis no contexto da atual crise de migração, bem como o aumento da utilização da Internet e das novas tecnologias para o recrutamento de vítimas.

De acordo com o mesmo relatório, os países europeus com mais vítimas são Roménia, Bulgária, Holanda, Hungria e Polónia.

Nigéria, China, Albânia, Vietname e Marrocos são os principais países terceiros de nacionalidade das vítimas — vítimas, que, em 65% dos casos, eram cidadãos da União Europeia.

“Não obstante os progressos realizados, os Estados-membros da UE devem intensificar os seus esforços para lutar eficazmente contra o tráfico de seres humanos”, conclui o relatório.

ZAP / Lusa

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