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Cartão do Adepto. O objectivo é combater violência no desporto, mas as claques não estão convencidas

rioavefc / Flickr

Muitos adeptos opõem-se à medida por considerarem que viola o direito de associação e a Associação Portuguesa de Defesa do Adepto já lançou uma petição para levar o tema à Assembleia da República.

As intenções são boas – controlar a violência, combater o racismo e tornar os desportos mais inclusivos – mas a criação do cartão do adepto está longe de ser unânime.

Segundo o Governo, a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (APCVD) vai emitir cartão para responsabilizar adeptos que promovam incidentes relacionados com “racismo, xenofobia e intolerância“.

A medida foi aprovada em Setembro de 2019, mas só entrou em vigor esta época para haver um período de adaptação dos recintos e porque na época passada não houve público nas bancadas.

O documento é necessário para quem quiser assistir aos jogos na zona das claques, custa 20 euros, é válido durante três anos. Os requerentes têm de ter pelo menos 16 anos e o cartão pode demorar até dez dias úteis a chegar a casa.

Quem pedir o cartão tem de enviar os seus dados pessoais à APCVD, que partilha a informação com os organizadores dos jogos, mas o governo garante que a informação pessoal não vai ser fornecida a terceiros.

A nova lei obriga os clubes a criar zonas específicas nos estádios para quem quer assistir aos jogos com tambores, bandeiras, megafones ou tarjas que também só podem ser acedidas caso de tenha o cartão, e também ter zonas para adeptos da casa e visitantes.

Fica ao critério de cada clube criar zonas para público sem cartão. Dos 40 clubes profissionais, apenas oito não criaram uma zona para adeptos visitantes sem cartão, sendo um deles o Sporting. Por causa disto, muitos adeptos do Vizela não puderam assistir ao confronto com os leões da primeira jornada no estádio de Alvalade.

Entre os 1400 adeptos que já se registaram, os três grandes são os mais representados, já que mais de 1000 são do Porto, cerca de 170 são sportinguistas e 140 apoiam o Benfica.

“É uma medida específica para espectáculos de risco elevado e das competições profissionais. O que está em causa é uma norma de perigo abstracto e de medidas adicionais de segurança para estes jogos e não para os demais”, afirma Rodrigo Cavaleiro, presidente da APCVD, em declarações à SIC.

Já que é nestes casos que se verificam “alguns incidentes que ocorrem com mais frequência”, a medida vem “proteger as pessoas em idade inferior”, acrescenta Rodrigo Cavaleiro, que reforça que agora todos aqueles que estiverem envolvidos em desacatos “têm já uma idade em que são imputáveis do ponto de vista criminal“.

Segundo a constitucionalista Teresa Violante, o cartão vigora apenas nos “espaços em que os adeptos se queiram organizar em claque” que estão associados a “situações de maior risco”. “Se o adepto não quiser passar por essa situação, é livre de assistir ao jogo noutro local”, revela à SIC.

Adeptos não apoiam a ideia

São muitas as críticas à medida do lado dos adeptos, e neste caso não parece haver distinção nas cores clubísticas. A 12 de Setembro de 2020, representantes de várias claques reuniram-se para mostrar o seu desagrado com o documento.

Esta medida pode ainda ser vista como ineficaz e vazia. Não é o cartão que muda a natureza do cidadão. Muito menos o sector onde escolhe apoiar a sua equipa. Ao invés, potencia que os grupos se espalhem pelos estádios, criando maiores riscos e problemas às forças de segurança. É contraproducente”, afirmou o grupo durante a reunião.

A Associação Portuguesa de Defesa do Adepto tentou travar a implementação do cartão do  com uma providência cautelar junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que não foi bem-sucedida. O tribunal considerou que a lei se enquadra no conjunto de medidas de segurança dos eventos desportivos.

No entanto, a APDA entende que a lei “está altamente ferida de todo o tipo de repressões às liberdades mais básicas”. “A legislação referente ao cartão do adepto viola direitos, liberdades e garantias tuteladas pela nossa Constituição, a mãe de todas as leis. Não vamos deixar-nos levar pela força da enxurrada”, prometeu a presidente Martha Gens.

Num debate na SIC Notícias, Martha Gens, que é também advogada, dá o exemplo de uma criança com menos de 16 anos que queira levar um cartaz de apoio à sua equipa. Neste caso, a criança é demasiado jovem para ter o cartão do adepto e ficar nessa zona do estádio, mas também é barrada das zonas gerais por ter um objecto que não é permitido.

A associação lançou também uma petição para levar o assunto ao parlamento, que tem já 6000 assinaturas e defende que o cartão é “mais um atentado à liberdade de expressão e de associação dos adeptos em Portugal”.

A petição refere também que medidas semelhantes noutros países europeus foram um “fracasso completo“. “Porque interessaria ao nosso país copiar um, confirmado, mau exemplo?”, pode ler-se.

O líder dos Super Dragões, Fernando Madureira, é um dos rostos mais notórios das claques, e não apoia a medida. “Eu tenho quatro filhos e uma tem onze anos. Ontem tive de explicar à minha filha que podia trazer os irmãos para a claque, mas ela teve de ficar em casa com os avós. Acho que só por aí esta lei está ferida de morte”, conta à SIC.

O Futebol Clube do Porto e o Benfica foram inclusivamente já multados em 510 euros cada por cânticos e tarjas mostradas nos jogos frente a Belenenses SAD e Moreirense, respectivamente, na jornada inaugural da Primeira Liga.

Segundo o Conselho de Disciplina, “ao minuto 90, na bancada topo norte, setor 27, ocupada exclusivamente por adeptos do FC Porto identificados através de indumentária alusiva ao clube e bandeiras, exibiram uma tarja por breves minutos com o seguinte texto: ‘que se f*** o cartão!‘”.

Já em Moreira de Cónegos, os adeptos das águias “entoaram cânticos, de forma repetida e continuada, contra Cartão Adepto, com a seguinte mensagem: ‘O meu registo é só um, metam o cartão no c*'”.

No campo político, a Iniciativa Liberal já fez uma proposta para acabar com o cartão por ser uma medida “ineficaz” e que o único documento necessário é o cartão do cidadão.

“Não se percebe como é possível querer aplicar cá uma medida que se mostrou totalmente ineficaz nos vários países europeus em que foi aplicada nos últimos 15 anos”, refere o partido em comunicado no dia 11 de fevereiro de 2021.

AP, ZAP //

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