Ainda o crime que se espalhou: as burlas pelo WhatsApp. O banco não recupera o dinheiro do cidadão – mas recuperou logo o do Ministério da Educação.
As conversas no WhatsApp começaram a multiplicar-se nos últimos anos. E as burlas também.
Por cá, tal como noutros países, tornou-se muito conhecida, e muito praticada, a burla “Olá pai, olá mãe”. Que ainda estará a enganar portugueses todos os dias, quase dois anos depois do primeiro aviso em larga escala.
Nessa altura, no final de 2022, questionámos os bancos e especialistas sobre o que fazer depois da burla. Percebemos a postura dos bancos: não são a polícia. Não podiam devolver o dinheiro à vítima, mesmo com queixa policial na mão.
Os bancos não têm a certeza de que houve mesmo crime. Podem estar a ser enganados pelo titular da conta, que pode ter inventado toda a estória.
E explicaram-nos que, mesmo a nível informático, a devolução do dinheiro é muito complicada, oficialmente. Porque, no sistema de transferências bancárias SWIFT, é como enviar uma SMS: a partir do segundo em que se carrega no “enviar”, no segundo seguinte a mensagem está do lado de lá, nada há a fazer. Transferência feita e sem devolução, traduzindo.
Aliás, como reforçou mais tarde a DECO Proteste, esse estorno depende sobretudo da boa vontade da pessoa que recebe o dinheiro, que tem de aceitar devolver o dinheiro – no caso de um crime, convenhamos que é pouco provável.
Ministério da Educação
O cidadão comum tem pouca ou nenhuma esperança de ter o dinheiro de volta. Fonte da Polícia de Segurança Pública (PSP) confirmou-nos isso mesmo, ainda em 2022.
No entanto, há poucas semanas soube-se que o Ministério da Educação – mais concretamente o IGeFE, instituto responsável pela gestão financeira do Ministério – também foi alvo de uma fraude (diferente, com IBAN falso) em três pagamentos de mais de 2,5 milhões de euros.
Mas conseguiu recuperar o dinheiro todo. Logo no dia seguinte.
Como?
Na altura, o Ministério da Educação destacou “o rápido reporte do IGeFE às autoridades”, que permitiu bloquear as actividades das entidades envolvidas na operação, “incluindo o bloqueio do sistema bancário”.
Como?
O Ministério da Educação deixou um curto esclarecimento ao ZAP: “O IGeFE alertou o seu banco e as autoridades. Tudo o resto ocorreu no sistema judiciário e bancário“.
A Polícia Judiciária, que começou logo a investigar o caso, disse-nos que nada tinha a haver com o bloqueio do sistema bancário, que fez um procedimento igual a outro caso. “É uma pergunta que tem de fazer ao sistema bancário“.
Por razões óbvias, não sabemos qual é o banco, ou quais são os bancos, envolvidos neste processo do Ministério da Educação.
No geral, os bancos já nos tinham mostrado em 2022 que não respondem. Só um dos seis maiores bancos respondeu (o BCP) às perguntas sobre as burlas no WhatsApp – para dizer que não comenta procedimentos internos. Normal. Faz parte do conhecido sigilo bancário.
Voltámos então a falar com um dos especialistas em assuntos bancários, que acumula anos de experiências no sector em Portugal.
A resposta também foi curta: a recuperação do dinheiro por parte do Ministério… “É uma questão de poder. É um facto”.
Destinatário: o que os bancos podiam fazer
Aproveitámos a conversa para aprofundar a questão mais persistente: o que podem fazer os bancos nestes casos de burlas? Podem fazer algo?
Até podem. Já lá vamos.
Primeiro, o antigo bancário não duvida de que os bancos têm uma grande responsabilidade nestes casos de fraudes. “Deixam que a sua casa seja ocupada por marginais”.
Há sistemas automáticos de alerta para fraudes em qualquer banco. E, assim, uma conta que recebe, no mesmo dia, várias transferências, numa conta que nem tinha movimentos – ou é conta nova, ou roubada – e “de repente entram 10, 15 transferências… Isso só acontece num dia, ou numa manhã. A partir desse momento, parou”.
Ou seja, a sugestão é: travar o crime na conta do destinatário.
O banco não consegue travar a transferência porque o titular da conta faz a transferência de livre vontade. E provar que foi mesmo crime é complicado, pelo menos num primeiro momento (o ZAP sabe que há processos a decorrer em tribunal à volta destas burlas).
Assim, resta travar o criminoso: “A lei responde ao bom-senso. E é fácil ter alertas nos bancos para uma conta parada quando, de repente, entraram transferências de uma vez só”.
Ou, noutra perspectiva: “O titular dessa conta não entra automaticamente numa lista de suspeitos? Se ele abrir depois outra conta, no mesmo banco ou noutros bancos… Essa informação não é partilhável entre bancos?”, questiona o especialista.
“Eu, que sou um vigarista, abro uma conta no Algarve e outra conta no Porto. E ninguém acha estranho?“, reforça.
Num sistema tão avançado como o dos bancos, em que há tantos processamentos e cruzamentos de dados… “Isto para mim é um escândalo!”, confessa-nos.
Se há tanto dinheiro a entrar sempre na mesma conta, é preciso justificar a origem desses valores. 10 euros passam despercebidos, mas 700 ou 2.000 euros de cada vez… “Se calhar há aí coisa”.
E se o criminoso arrancar justificações falsas para o dinheiro? Documentos falsos. “O banco está a deixar-se ser enganado e não está a analisar bem as situações”, responde.
Ainda apresentámos outra hipótese: pode alguém criar uma conta bancária sem apresentar documentos? Não. Em bancos portugueses, não. Pode é o mesmo criminoso criar várias identidades falsas – e aí já entrava novamente o cruzamento de dados, que aparentemente não acontece.
O especialista lembra que, numa burla com cartão crédito, o banco restitui o dinheiro. Neste tipo de casos, o banco não faz nada.
Então falta a pergunta básica: porque os bancos não mudam nada no seu procedimento? “Não sei. É essa a parte que não consigo perceber. É estranho. Não me parece que haja uma lei que proteja algo…”.
Ainda contactámos o Banco de Portugal. Sendo o Banco de Portugal o regulador, quais são as regras que o Banco de Portugal estipula para casos de burla? Que regras impõem aos bancos nestes processos? Não tivemos resposta até à publicação deste artigo.
Não há absolutamente nenhuma desculpa a não identificar onde o dinheiro caiu mesmo no sistema Swift.
A noção de transferência efetuada de livre vontade é tão perversa que dá grande apoio à burlões para atingirem os seus objetivos. Na verdade a mente humana foi programada a ter de pagar as faturas que recebe em sem nome ficando sujeitas a pagamentos de demora, coimas ou processos judiciais o que leva por vezes a alguma precepitacao. Só pessoas bem avisadas, treinadas e altamente cautelosas podem evitar qualquer burla. Mas a sofisticação das burlas levam a um dia também caírem.
A noção de sigilo bancário foi abolida num contexto absoluto e virou apenas relativo ou seja ainda se usa o termo para dar uma imagem de segredo que na verdade pode ser quebrado por direito de interesses de estado.
Em caso de queixa judiciária o processo de avaliação é inquérito deve ser tomado e em menos de 24 horas tem de haver sobre a mesa todos os dados possíveis de recuperar para a identificação provável de uma burla.
Se o homem não é capaz de um fazer, lembrem-se que um computador consegue em menos de 1 segundo.
Por isso é apenas questão de filtros e preguiça legal e jurídica na identificação de burlas.