O antigo cônsul português Aristides de Sousa Mendes, que salvou milhares de judeus do regime nazi, recebe hoje honras de Panteão Nacional, em Lisboa, através de um túmulo sem corpo.
Esta cerimónia acontece 67 anos após a morte do antigo cônsul de Portugal em Bordéus, França, que salvou milhares de judeus e outros refugiados do regime nazi, durante a II Guerra Mundial, emitindo vistos à revelia das ordens do Governo de Oliveira Salazar, o que lhe valeu a expulsão da carreira diplomática, e acabaria por morrer na miséria.
Nascido em 19 de julho de 1885, Aristides de Sousa Mendes morreu em abril de 1954, no Hospital Franciscano para os Pobres, em Lisboa.
De acordo com o cerimonial enviado à imprensa, a homenagem tem início previsto para as 11:00, altura em que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, e o primeiro-ministro, António Costa, já estarão no local.
A cerimónia inicia-se com uma interpretação do hino nacional pelo Coro do Teatro Nacional de São Carlos e logo depois, Margarida de Magalhães Ramalho – académica e coautora do Museu Virtual ‘Aristides de Sousa Mendes’ – dirige-se ao púlpito para fazer o elogio fúnebre.
Depois de ser projetado um vídeo com testemunhos sobre o antigo cônsul e entre atuações do Coro Nacional de São Carlos, vão discursar o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, e o chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa.
Segundo o programa, após as intervenções, está previsto um cortejo na nave central do Panteão Nacional constituído por assistentes parlamentares, o chefe do protocolo do Estado e secretário-geral da Assembleia da República, o Presidente da República, o primeiro-ministro, o presidente do parlamento, Silvério de Sousa Mendes (familiar de Aristides de Sousa Mendes), o coordenador e membros do grupo de trabalho parlamentar responsável por definir o processo de concessão de honras e o diretor do Panteão Nacional.
Este cortejo irá dirigir-se à sala 2 do Panteão Nacional, onde se procederá ao descerramento da placa evocativa da homenagem a Aristides de Sousa Mendes, ao mesmo tempo que é interpretado o ‘Prelúdio em Dó Maior’, para harpa, de Johann Sebastian Bach, pelo Coro do Teatro Nacional de São Carlos.
Após o descerramento, junto à placa evocativa, a bandeira nacional será dobrada por militares da Guarda Nacional Republicana.
De seguida, os membros do cortejo regressarão aos seus lugares no Panteão, e o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República e o primeiro-ministro, encaminham-se para junto do altar, para assinatura do Auto de Honras de Panteão Nacional.
A cerimónia termina com nova interpretação do hino nacional.
O grupo de trabalho responsável por definir o processo de concessão de honras de Panteão Nacional a Aristides de Sousa Mendes foi constituído em outubro do ano passado, contando com representantes de todos os partidos (exceto Chega) e familiares do antigo cônsul.
Este grupo de trabalho surgiu no seguimento da aprovação, em julho de 2020, de um projeto de resolução proposto pela deputada não inscrita Joacine Katar Moreira – na altura ainda deputada do partido Livre.
A recomendação em causa – que não tem força de lei – pretende homenagear o antigo cônsul português na forma de um túmulo sem corpo, não implicando assim a habitual trasladação para o Panteão Nacional.
Desta forma, a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira propunha que o corpo continue no concelho de Carregal do Sal (distrito de Viseu), terra onde nasceu e viveu Aristides de Sousa Mendes, preservando a importância cultural e económica que a presença do corpo tem no turismo da região.
No Panteão Nacional estão sepultadas figuras como os escritores Aquilino Ribeiro, Guerra Junqueiro, Almeida Garrett e Sophia de Mello Breyner Andresen, a fadista Amália Rodrigues, o futebolista Eusébio, e o marechal Humberto Delgado, ex-candidato à Presidência da República.
No panteão estão também alguns dos antigos Presidentes da República, como Sidónio Pais, Manuel de Arriaga, Óscar Carmona e Teófilo Braga.
Portugal curva-se perante personalidade moral de Aristides
O Presidente da República declarou, durante a cerimónia, que Portugal se curva perante a personalidade moral do antigo cônsul Aristides de Sousa Mendes, que salvou milhares de judeus, “eternamente grato”, recordando-o “hoje e para sempre”.
“Aristides de Sousa Mendes serviu, com coragem extrema, provação pessoal e familiar e exemplar humildade esses valores na sua mais notável expressão. Portugal, curvando-se perante a sua personalidade moral, eternamente grato, hoje e para sempre o recorda e homenageia”, declarou o Presidente da República.
O chefe de Estado discursava na cerimónia de concessão de honras de Panteão Nacional, que decorre hoje, em Lisboa, ao antigo cônsul português em Bordéus, que salvou milhares de judeus e outros refugiados do regime nazi durante a Segunda Guerra Mundial.
Marcelo Rebelo de Sousa enalteceu que “Aristides de Sousa Mendes mudou a história de Portugal e projetou Portugal no mundo”.
“Mudou a história de Portugal nesse momento trágico chamado genocídio em plena guerra mundial. Porque de genocídio se tratava, já na perseguição de comunidades, que haveria de acabar em Holocausto”, considerou.
Mas também “projetou Portugal no universo”, continuou, desde “o reconhecimento a um dos ‘Justo entre as nações’ em Jerusalém, ao respeito e à veneração na Europa, nas Américas, na África, nas Ásias, onde quer que haja descendentes dos descendentes daquelas e daqueles que ajudou a salvar, ou ao menos um punhado de cidadãos do mundo cultores das bem-aventuranças – das bem-aventuranças das igrejas, como das bem-aventuranças das luzes, que somam a razão ao afeto”.
“Aqui entrou Aristides de Sousa Mendes e aqui permanecerá até ao fim dos tempos, se os tempos tiverem fim”, declarou.
// Lusa
Grande estranheza, a ausência de Familiares. Mas talvez haja uma razão não dada!….. Túmulo vazio dos restos mortais, foi como uma cerimonia incompleta. Resta saber porquê !
Numa altura em que Hitler poderia decidir invadir a Península Ibérica pode-se compreender a preocupação de Salazar perante o que poderia ser visto como uma provocação contra Hitler. Mas isso não justifica a maneira como Aristides de Sousa Mendes foi tratado por Salazar, com a sua expulsão do corpo diplomático. E também se deve estranhar como os bons e democráticos portugueses que existiam ainda no tempo do Estado Novo deixaram Aristides ficar na miséria. Teria sido assim tão difícil subsidiar uma família vítima dos rancores de Salazar? Então onde estava a Igreja? E a Maçonaria? E os lutadores pela liberdade? Naturalmente estavam agora todos no Panteão… E talvez por isso a família de Aristides de Sousa Mendes preferisse ficar longe…