O governo argentino não chegou a um acordo, esta quarta-feira, com os fundos especulativos – os chamados “fundos abutres” -, que recusaram a oferta do país de pagamento de títulos da dívida, anunciou o ministro da Economia, Axel Kicillof, em Nova York.
Esta quarta-feira teve fim o prazo de carência para a Argentina pagar os títulos da sua dívida pública àqueles que aceitaram em 2005 e em 2010 as ofertas feitas pelo governo na reestruturação da dívida, na sequência da bancarrota de 2001.
A falta de um acordo, que permitiria que a Argentina pagasse os demais credores, põe o país em incumprimento – pela segunda vez em 13 anos, tratando-se do quinto default na história do país.
Os especuladores ganharam na Justiça o direito de receber a totalidade da dívida (1,3 mil milhões de dólares), sem desconto, e com os juros acumulados durante o longo processo. Pelos cálculos dos economistas, o total chega a (1,65 mil milhões de dólares). Enquanto isso, a maior parte dos detentores de títulos da divida argentina (93%) aderiu a dois planos de reestruturação, de 2005 e 2010, e aceitaram receber 35% do valor dos títulos parcelado em até trinta anos.
O governo argentino já tinha feito o depósito de 539 milhões de dólares (402,5 milhões de euros) para pagar os títulos que venceram. No entanto, os dois pagamentos – a estes “fundos abutres” e aos demais credores – acabaram vinculados por decisão do juiz de Nova Iorque, Thomas Griesa.
Griesa determinou que os outros credores que haviam aceitado a oferta do país de pagamento de títulos da dívida poderiam receber apenas se os fundos especulativos também recebessem o que pediam. A sentença congelou o depósito a Argentina já tinha feito para pagamento dos outros credores, cujo prazo de carência terminava esta quarta-feira. O impasse jurídico durou mais de um ano.
Incumprimento é quando não se paga, Argentina defende que pagou
“Os fundos abutres não aceitaram as propostas do governo argentino”, disse o ministro no consulado argentino na cidade americana, diante de câmeras de televisão. Segundo Kicillof, esta é uma situação nova e não pode ser chamada de incumprimento.
“A Argentina não está em incumprimento porque o país fez o depósito para o pagamento que venceu no dia 30 e vai continuar a pagar. Mas não podemos aceitar exigências ilegais como a destes fundos que querem receber muito mais que os outros credores. Vamos continuar abertos ao diálogo. Mas queremos pagamentos equitativos e dentro da lei”, disse o ministro.
O anúncio foi feito após várias horas de reuniões na terça e quarta com o mediador judicial Daniel Pollack e representantes destes fundos. Kicillof reiterou que o país não pode fazer uma oferta diferente da feita para outros credores por determinação do contrato de renegociação da dívida.
Pollack confirmou a falta de um acordo e disse que lamentava que, consequentemente, a Argentina caia em incumprimento. “Infelizmente não se chegou a um acordo e a Argentina entraria imediatamente em default“, disse em comunicado.
A questão do “calote” foi bastante debatida por economistas argentinos. “Seria um incumprimento técnico e contra a vontade já que a Argentina fez o depósito”, disse à BBC a economista Marina Dal Poggetto, da consultoria económica Estudio Bein e Associados.
A oposição, que destacava a importância de se evitar o incumprimento, criticou a postura do governo argentino no processo. “O governo ficou exposto por não negociar e mostrou-se pedante diante dos demais”, disse a deputada opositora Patricia Bullrich.
De 2001 para cá
Em 2001, no governo do então presidente Adolfo Rodríguez Saá, a Argentina entrou em incumprimento com uma dívida de cerca de 100 mil milhões de dólares (75 mil milhões de euros, na cotação atual) – na época o maior da história do capitalismo.
Anos depois, em 2005 e em 2010, os governos de Nestor Kirchner e de Cristina Kirchner reestruturaram a dívida milionária e 92,4% aceitaram as propostas do governo de receber, em parcelas, bem menos do que os títulos valiam.
Aqueles que recusaram o acordo venderam os títulos para fundos especulativos (os chamados “fundos abutres”, como lhes chama o governo argentino), que foram à Justiça e querem o pagamento acima do que o que foi oferecido pelo governo argentino. Alguns deles obtiveram decisão favorável do juiz Griesa, em Nova Iorque.
“Nós participamos de todas as reuniões, nós fizemos o pagamento que venceu no dia 30 de junho, nós fizemos propostas aos fundos dentro da lei argentina e dos acordos assinados, mas os fundos queriam receber agora e mais do que os credores que aceitaram as reestruturações da dívida argentina em 2005 e em 2010. Isso é ilegal”, disse Kicillof.
A situação abriu um debate internacional sobre o caso argentino. Afinal, disseram especialistas e governistas, a Argentina fez o depósito para pagar, mas foi “impedida”, como disse Kicillof, pelo juiz americano.
Na véspera do prazo para realizar o pagamento que venceu no dia 30 de junho, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, disse em Washington que o organismo estava a “monitorizar, observar e avaliar a situação, tratando-se de uma moratória, um acordo com o prosseguimento das negociações”.
ZAP / BBC