“Apontaram-me uma arma e queimaram-me”. Vítima de ataque a autocarro relata terror

Miguel A. Lopes / Lusa

Esta quarta feira, o motorista de autocarro que foi vítima do ataque “mais grave” durante os tumultos de Lisboa conta o episódio traumático, que vivenciou “sozinho” e lhe valeu uma semana de coma entre a vida e a morte.

Isso vai ficar para a vida, porque eu não faço mal a ninguém”, diz o motorista da Carris, que na madrugada do dia 24 de outubro abriu as portas do autocarro para deixar sair os passageiros, por volta das 2 da manhã, em Santo António dos Cavaleiros, concelho de Loures.

“Tento fechar as portas e há um indivíduo que entra pela porta do meio. Aponta-me a arma à cabeça e diz ‘tu não sais’ — e eu no meu lugar”. O relato foi dado na noite desta quarta feira, à TVI, numa entrevista em vídeo, onde o rosto da vítima, Tiago Cacais, não é exibido.

“Entretanto eles começam a mandar cocktails molotov para o vidro do autocarro, para a porta da entrada do autocarro, para o meu lugar, para cima de mim. Eu sinto logo que fica um cheiro a combustível e foi só um indivíduo fazer faísca no isqueiro”. E foi aí que começou “a pior noite” da vida de Tiago.

“Pensei: ‘Estou desgraçado!’”, disse o motorista, noutra entrevista que deu ao DN. àquela hora da madrugada, estava completamente “sozinho. A sorte foi que tinha vestido o casaco da farda. O casaco ficou preso pelo elástico de uma manga, porque o resto queimou todo. Eu andava a arrastar o casaco e elas tentaram tirar o casaco, mas eu tinha tantas dores na mão que disse ‘não deixem tirar o casaco'”.

Com queimaduras de terceiro grau no corpo, teve ainda de andar cerca de 150 metros a pé até à ambulância, que não conseguia passar porque o autocarro em chamas impedia a circulação na estrada. No hospital, esteve em agonia até lhe ser induzido um coma que durou uma semana. Esteve entre a vida e a morte.

“Os meus olhos — pelo que me dizem, eu não sei, eu estava todo ligado, ventilado —, eu tinha os olhos fora da cara. O inchaço era tanto na cabeça que os meus olhos ficaram fora da cara. Eu não me lembro de nada”, conta Tiago Cacais.

“Quando a memória vem do acidente, eu só me perguntava ‘porquê eu?, porque é que não me deixaram sair e pegaram fogo ao autocarro?'”, recorda ainda.

As lesões graves com que fico podem acompanhá-lo para o resto da vida: “eu olho para as minhas mãos e não gosto das minhas mãos. Não tenho paciência. Porque é uma recuperação lenta. Tenho muitas dores, tenho dores com frio. Não posso apanhar sol, não posso apanhar frio, ou seja, marcaram-me sem motivo aparente”.

“A justiça é estas pessoas serem presas e pagarem por aquilo que me fizeram porque isto vai ser um marco para a minha vida toda”, diz ainda o motorista, que diz sentir-se “aliviado” por os suspeitos terem já sido presos.

Tiago tinha já sobrevivido a um cancro, e enfrenta ainda uma outra preocupação — o seu pai tem Alzheimer. Apesar dos contratempos da vida, diz que quer voltar à normalidade.

“Faço questão de voltar ao trabalho. Quero continuar a ser motorista. As minhas mãos estão queimadas, mas a primeira coisa que pensei, quando saí do coma, cheio de dores, dores horríveis, foi: ‘Quero voltar ao meu trabalho.'”, disse ao DN.

O ataque a Tiago Cacais é considerado o “mais grave” dos que se seguiram à morte de Odair Moniz, que desencadearam dias de grande tumulto na Grande Lisboa. Ontem, os três suspeitos foram detidos e acusados de homicídio na forma tentada.

ZAP //

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