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Baleado, espancado (já no chão) e faca sem vestígios de Odair. As “inexatidões” que o MP encontrou

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António Pedro Santos / Lusa

Um auto falsificado e uma ameaça inexistente. Odair Moniz terá sido espancado com um bastão, já no chão, depois de ter sido baleado. Levou dois tiros à queima-roupa, apesar de ter sido a primeira bala a provocar a sua morte.

O caso da morte de Odair Moniz às mãos da PSP está a ganhar novos contornos à medida que o Ministério Público (MP) investiga o que realmente aconteceu na noite de 21 de outubro de 2024 na Cova da Moura.

O MP, que esta terça-feira acusou de homicídio o agente que matou o cabo-verdiano de 43 anos, diz que há “incongruências e de inexatidões” no caso, e “uma das suspeitas que existe é, desde logo, quanto à autoria” do auto de notícia.

Isto porque o auto terá sido elaborado às 14:55 do dia do incidente pelo agente da PSP que disparou sobre Odair — apesar de o mesmo agente, “nessa data e hora” estar “sujeito a interrogatório pela Polícia Judiciária, diligência que se iniciou pelas 14:40 e terminou pelas 18:00 do dia 21 de outubro de 2024 e teve lugar na DLVT [Diretoria de Lisboa e Vale do Tejo] – PJ, em Lisboa”, lê-se na acusação”.

Nesse sentido, o MP adianta que, por despacho de 19 de dezembro de 2024, “foi extraída certidão para investigação autónoma destes factos”.

Faca “nas imediações”, mas sem vestígios de Odair (que não terá ameaçado os agentes)

O Ministério Público não encontrou provas de que Odair Moniz tenha utilizado uma faca para ameaçar os dois agentes presentes.

De acordo com a acusação, Odair Moniz tentou fugir da PSP e resistir à detenção, mas nunca o MP descreve qualquer ameaça com recurso a arma branca.

Esta informação do Ministério Público contraria o comunicado oficial divulgado pela PSP no dia da morte de Odair Moniz, que indicava que Odair “terá resistido à detenção” e tentado agredir os agentes “com recurso a arma branca”.

O despacho refere apenas que foi encontrado “nas imediações” do local onde Odair caiu, perto do carro que estava ali estacionado, um punhal com 25 centímetros de comprimento, 15 centímetros de lâmina e cabo de plástico. Este punhal “não tinha vestígios biológicos em quantidade suficiente para obter um perfil de ADN”, lê-se no documento.

Dois tiros à queima-roupa, seguidos de agressão com bastão

Em relação aos tiros, o primeiro terá sido disparado a uma distância entre os 20 e os 50 centímetros e atingiu a zona do tórax. Nessa altura, Odair ainda “permaneceu em pé”, mas o agente da PSP disparou uma segunda vez, já a uma distância entre os 75 centímetros e um metro, atingindo a zona da virilha.

Quando Odair Moniz caiu no chão, o agente que não foi acusado neste processo, “com recurso a bastão, desferiu uma pancada no corpo daquele e o corpo rolou e imobilizou-se”. Com a autópsia, o Ministério Público revela que a morte terá sido provocada pela primeira bala.

Para o Ministério Público, o agente acusado de homicídio “sabia que a conduta de disparar, por duas vezes, a curta distância do corpo de Odair era apta a atingir o corpo deste”.

“Apesar de tal conhecimento, o arguido, com o propósito de afastar Odair Moniz de si e poder imobilizá-lo, quis atingir com dois projéteis o corpo deste”, acrescenta a procuradora responsável pelo inquérito, Patrícia Agostinho.

Como tudo começou

A acusação descreve ainda o momento em que os dois agentes da PSP que estavam de serviço na madrugada de 21 de outubro de 2024 se cruzaram com Odair Moniz.

Os dois agentes estariam a descer a Avenida da República, na Amadora, e Odair estaria a sair do bairro da Cova da Moura através da Rua Principal.

Ao virar à direita, Odair terá ficado na Avenida da República, de frente para o carro da polícia, mas já com o pisca para seguir pela esquerda. Quando viu o carro da PSP, “guinou a sua viatura para a direita, imprimiu velocidade à viatura e continuou a circular na Avenida da República”, lê-se na acusação. Percebendo a mudança, os dois agentes decidiram dar início à perseguição policial, que só terminou dentro da Cova da Moura.

Agente “não fez tudo o que estava ao seu alcance” para preservar a vida humana

Para o Ministério Público, o agente da PSP “não fez tudo o que estava ao seu alcance para preservar a vida humana e recorreu à medida extrema de recurso a uma arma de fogo contra uma pessoa, conformando-se com a possibilidade da morte de Odair Moniz”.

O agente da PSP que disparou os dois tiros contra Odair Moniz está acusado de homicídio e o Ministério Público pediu ainda que fosse determinada a suspensão do exercício de funções como medida de coação e que fosse aplicada a pena acessória, já em fase de condenação, de proibição de exercício de função. O MP pediu ainda que “o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de suspensão do exercício de profissão de agente da PSP”.

O agente da PSP acusado do homicídio pode ser punido com pena de prisão de oito a 16 anos. Neste momento, o agente da PSP e arguido está de baixa e não existe ainda data para que regresse ao trabalho, tendo sido transferido da esquadra onde estava a trabalhar na ocasião em que a vítima foi morta.

PSP pede presunção de inocência e não faz comentários

Em resposta escrita enviada à Lusa, a Direção Nacional (DN) da PSP refere que “Portugal é um Estado de Direito Democrático, pelo que a PSP espera que seja aplicado o princípio constitucional da presunção da inocência”.

“O caso em apreço está em segredo de justiça, pelo que a PSP não faz mais comentários sobre a decisão judicial”, acrescenta a DN da PSP.

Em 16 de dezembro de 2024, o diretor nacional da PSP disse que a polícia é uma das instituições “mais escrutinadas” e “não está acima da lei”, mantendo o comunicado oficial emitido após a morte de Odair Moniz.

“Devemos deixar as instituições funcionar. O único documento formal que existe, em termos de comunicação social, foi o comunicado que a PSP entendeu por bem fazer na altura. Quando os senhores jornalistas me conseguirem dar um documento formal, oficial, sobre a situação, então aí sugiro que canalizem para o sistema de justiça”,afirmou aos jornalistas Luís Carrilho, à margem da apresentação da campanha de Natal e Ano Novo 2024/2025 “Festas MAIs Seguras”.

Odair Moniz, cidadão cabo-verdiano de 43 anos e morador no Bairro do Zambujal, na Amadora, foi baleado por um agente da PSP na madrugada de 21 de outubro, no bairro da Cova da Moura, no mesmo concelho, distrito de Lisboa, e morreu pouco depois, no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa.

A associação SOS Racismo e o movimento Vida Justa contestaram a versão policial e exigiram uma investigação “séria e isenta” para apurar responsabilidades, considerando que está em causa “uma cultura de impunidade” nas polícias.

Nessa semana registaram-se tumultos no Zambujal e noutros bairros da Área Metropolitana de Lisboa, onde foram queimados e vandalizados autocarros, automóveis e caixotes do lixo, somando-se cerca de duas dezenas de detidos e outros tantos suspeitos identificados.

Além do processo judicial, estão a decorrer na Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) e na PSP processos de âmbito disciplinares.

ZAP // Lusa

10 Comments

    • Maior inconsistência é usar o meu nome para comentar
      Não tem nome?
      Não tem cara para se ver aoespelho, ou não gosta do que vê ?

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        • Calma , só é permitido a existência de uma Lucinda em Portugal. Vai sair uma Lei que todas as outras pessoas com o nome Lucinda vão ter de mudar para que esta senhora fique a unica Lucinda neste nosso país. Mas pensa-se que pode ser uma medida a estender ao resto do mundo

  1. A justiça em Portugal é estranha, e já vi agentes condenados por coisas sem jeito. Mas uma agente está armado, se um bandido se envolve fisicamente pode facilmente aceder à arma e depois matar o agente , apenas porque este não se pode defender . É altura de implementar as body cams e também de esta bandidagem aprender a respeitar a autoridade . Não lhe chegava ter fugido senão depois de apanhado ainda tentar envolver-se com os policias ? Morreu ? Temos pena, foi apenas por estupidez dele .

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  2. Os desacatos a seguir à morte do indivíduo, foram feitos por muitos elementos anarquicos! Estao todos presos??? Claro que não! Sao bandidos, são amigos do outro que agora o inferno lhe estará a fazer a justica devida, ja que em Portugal, não funciona! Em vez disso, estão a castigar um polícia!?

    São bandidos e não foram presos, portanto, não contam para a estatística do crime e assim, os dados estatísticos não apontam para aumento de criminalidade em Portugal.

    Quem é que assim quer ser polícia?
    A policia deveria ser parte intimidatório para o não crime, poderem usar o bastão sem dó e piedade, porque os parasitas da sociedade não fazem falta cá estar. Isto não é ser xenófobo ou racistas mas sim, “eliminar” da sociedade, quem a destrói.

    Os portugueses estão de olhos abertos e já não adianta os pulhíticios virem para a tv dizer que a criminalidade não está a aumentar!

    As ditaduras de Direita vao acabar por ser um mal necessário, pois a excessiva liberdade promovida pelos partidos radicais (anarquicos, BE), estão a intoxicar a sociedade. Gente que nunca viveu privada da liberdade, são os que agora estão a abusar dela e nem sabem o mal que fazem!

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  3. Mais uma execução a sangue frio que vai ficar impune… O cooporativismo do costume, a falsificação de provas do costume… Enfim, fortes com os fracos, fracos com os fortes…o costume!

  4. Esses odaires e outros do género são tudo boa gente.
    Bem comportados, pacíficos e nada delinquentes.
    Talvez uns subsídios para essa gente não fosse pior.
    Quanto aos polícias, cadeia com eles e talvez criar a pena de morte só para os polícias!?

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