Anjos transformaram uma “piadola de Instagram” numa comédia nacional. “Hoje já ninguém se lembrava disto”

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// joanamarques.pt; Universal Music

Ricardo Araújo Pereira suspeita que a advogada dos Anjos o tenha tentado ofender, neste terceiro dia do julgamento a Joana Marques. “Vou esperar 10 minutos. Se tiver um ataque de acne é possível que a processe”.

Decorreu, esta terça-feira, a terceira audiência do julgamento do processo que opõe os irmãos Sérgio e Nelson Rosado – Anjos – à humorista Joana Marques.

A primeira testemunha a depor foi o contabilista dos Anjos. O conjunto exige uma indemnização de mais de um milhão de euros, pela publicação de um vídeo satírico no Instagram da humorista, dos dois irmãos a cantar o hino nacional, em abril de 2022.

Além do contabilista, do lado dos Anjos, testemunhou também o líder da empresa que gere a marcação e produção de concertos da banda, que se queixa da diminuição do cachet.

“O cachet justo dos Anjos seria de 25 mil euros. Estamos neste momento com 20 mil. Estamos 5 mil euros abaixo [do que seria justo]”, disse, detalhando que a empresa que representa recebe 10% líquidos da faturação dos concertos da dupla. “Tínhamos concertos em França e no Luxemburgo que acabaram por cair e ainda hoje pagamos a fatura por este assunto”, acrescentou, citado pelo Observador, que seguiu a sessão ao minuto.

Do lado de Joana Marques, depuseram Ricardo Araújo Pereira (RAP), de manhã, e Fernando Alvim, à tarde.

Ainda antes de entrar no tribunal, em declarações aos jornalista, Ricardo Araújo Pereira fez uma reflexão sobre a suposta “pior das agressões”: o humor.

“Estamos aqui hoje por causa de uma perspetiva segundo a qual o humor é uma agressão. Não é apenas uma agressão. É a pior das agressões”, começou por dizer, ironizando.

“Os queixosos têm um documento da empresa que captou e transmitiu o som a admitir falhas técnicas graves e eles não processaram. Também têm provas da quantidade das pessoas que os ameaçaram de morte e eles não processaram nenhuma”, explicou. “A Joana fez uma piada e nós vamos para o terceiro dia de julgamento”, concluiu a reflexão.

Ironizando, mais uma vez, antes da entrada para a sessão, o humorista disse, sobre a colega, que, depois disto, “espero que a prendam e deitem fora a chave”.

Metáforas aprendem-se no 6.º ano

No primeiro dia do julgamento, Nelson Rosado queixou-se de ser acusado de “assassinar o hino” e fez a ressalva: “nós não somos assassinos”.

Esta segunda-feira, em tribunal, Ricardo Araújo Pereira recordou a defesa da banda que quando se diz “assassinar uma canção” não se está literalmente a levar a cabo um assassinato.

“Assassinar uma canção é uma expressão bastante conhecida. Não significa que se está a pôr quem assassina uma canção no mesmo plano que a Rosa Grilo”, disse, provocado alguns risos tímidos na audiência, segundo o Observador

O humorista sublinhou que o trabalho humorístico se baseia também na ideia de metáfora – que, como referiu dito no exterior, se aprende no 6.º ano de escola.

Sobre o vídeo em causa, RAP considera que “não comete nenhum ilícito. Retirá-lo seria uma assunção de culpa que não existe”, lembrando o “precedente” que abriria para casos futuros.

Advogada dos Anjos diz que Ricardo Araújo Pereira “fala como se os humoristas fossem um Deus todo poderoso”.

A defesa dos Anjos acusou o humorista de estar sempre em personagem e de fazer uma “campanha visual assertiva e diária” por Joana Marques.

“Tem feito uma campanha muito boa pela sua amiga. Gostava então que me explicasse porque fala como se os humoristas fossem um Deus todo poderoso. (…) Pergunto-lhe se me chamar lá fora de cabra se não poderei fazer absolutamente nada.

RAP concluiu a sua intervenção reforçando o ponto: “Se alguém ameaça os Anjos de morte, é indiferente. Se alguém se ri deles eles pedem um milhão de euros”.

“Se tiver um ataque de acne, é possível que a processe”

À saída do tribunal, em declarações aos jornalistas, durante 10 minutos, RAP foi questionado sobre a provocação da advogada dos Anjos que o acusou de estar sempre em personagem.

“Eu tenho a sensação de que ela pretendia ofender-me“, começou por dizer o humorista.

“Vou esperar 10 minutos. Se tiver um ataque de acne é possível que a processe”, rematou RAP de forma irónica, fazendo, novamente, referência ao primeiro dia de julgamento em que Sérgio Rosado disse ter tido um ataque de acne, devido ao stress que o vídeo lhe terá provocado.

Felizmente tenho a barba crescida para poder tapar as marcas”, disse na altura o cantor, de forma não irónica.

Naquilo que descreveu como uma “flash-interview pós sauna”, Ricardo Araújo Pereira avisou que “se a Joana for condenada, não precisa de ser num milhão de euros, basta ser num euro, isso significa que aquilo que ela fez — uma crítica àquela atuação — é ilícito. E portanto toda a gente que já teve ou quer vir a ter o direito de dizer ‘eu não gostei muito disto’, que vá preparar a carteira“.

Natais no no rés-do-chão por causa da prima Andreia

No julgamento, RAP foi questionado se no lugar da Joana tinha tirado o vídeo, se soubesse que tinha causado um prejuízo tão grave do ponto de vista emocional e financeiro. O humorista contra-respondeu: “Se alguém contactar os Anjos a dizer que alguém tem vontade de se matar sempre que ouve os Anjos é improvável, mas eu por acaso conheço uma pessoa”.

A minha prima Andreia sempre que ouve a Noite Branca atira-se da janela. Temos de fazer sempre o Natal no rés-do-chão. A Andreia não gosta daqueles álbuns, mas não é razão para eles os recolherem“, argumentou.

Para Ricardo Araújo Pereira, uma eventual condenação seria “uma catástrofe, não apenas para quem tem a nossa profissão, mas para cidadãos em geral”, porque isso querer dizer que fazer uma crítica passaria a ser ilegal.

Anjos nos “Monstros do Ano”

À tarde, foi Fernando Alvim a testemunhar, sobre nomeação dos Anjos à sua gala “Monstros do Ano”, que acontece há quase 20 anos.

“Estou aqui para falar dos Monstros do Ano, que organizo há 17 anos, e da sessão de 2022 para o qual os Anjos estavam nomeados“, que aconteceu a 19 de fevereiro de 2023, recordou.

O radialista diz ter recebido um telefonema por parte de Nelson Rosado em que o cantor lhe pedia para retirar um vídeo que foi exibido na gala.

No entanto, o Alvim disse em tribunal que os Anjos nem sequer ganharam – o que, segundo o Observador, provocou risos na audiência.

“Quem ganhou foram as Senhoritas, com Sabão em Pó”, apontou Alvim, que acabou por retirar o vídeo da Internet, por esse mesmo motivo.

“O fundamento foi haver comicidade. Para os Anjos possivelmente não haveria, mas para nós houve. Há dificuldade técnicas, houve um desajuste, e o resultado é aquele (…) não manipulei absolutamente nada“, advertiu.

Quando questionado pela defesa dos Anjos se só publicou o vídeo por ter sido antes publicado por Joana Marques, Alvim negou e voltou a provocar risos na sala: “O vídeo [original] já ia muito bem lançado”.

“Eu já conhecia o vídeo antes de a Joana ter pegado nele”, retomou.

“Hoje já ninguém se lembrava disto”

Fernando Alvim lamentou que este processo venha chamar a atenção para um “momento que hoje em dia já ninguém se iria recordar”.

“A Joana Marques é humorista e aquilo que está ali a fazer é um exercício de humor. Honestamente quando vi eu achei graça, achei divertido, não imaginei que aquele post originasse todo este processo. Acho que todos nós podemos defender essa liberdade de expressão“, defendeu o animador de rádio.

De “piadola de Instagram” a comédia nacional

Ao Correio da Manhã, a radialista e colega de Joana Marques, Ana Galvão, que acompanhou o julgamento, disse que a dupla de cantores conseguiu “transformar uma piadola de Instagram numa comédia que atingiu o país inteiro”.

A próxima sessão ficou marcada para o dia 11 de julho, com o depoimento de Pedro Taborda – Tatanka – a pedido dos Anjos.

Seguir-se-á, depois, a vez de Joana Marques.

Miguel Esteves, ZAP //

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