Algo muda no paladar quando comemos no escuro

Comer no escuro pode ter um estranho efeito sobre o nosso paladar e sobre aquilo que comemos. Há restaurantes que oferecem experiências às escuras.

No elegante e discreto lobby do restaurante, um homem explica as regras. Nenhum aparelho que emita luz, como relógios de pulso e telemóveis, é permitido dentro da sala. Todos os pertences devem ser colocados nos armários ao lado da porta da frente. Os casacos devem ser pendurados.

O restaurante chama-se Blindekuh (“Vaca cega”) e fica em Zurique, na Suíça. Nele, as expectativas são da sua responsabilidade.

Noutro lugar, poderia olhar à sua volta e encontrar uma bolsa que caiu no chão. Aqui, atrás das cortinas blackout que vedam a sala de jantar, o que impera é outra realidade.

O garçon chega ao lobby e pede que se forme uma fila atrás dele. Dali, passa-se por uma antessala sombria, as cortinas aveludadas… e, depois, não se vê mais nada.

Ouve-se o som de uma sala cheia de pessoas a rir e conversar, além do ruído dos talheres. Mas, para os olhos, nada além das manchas que rodopiam pela visão quando as pálpebras estão fechadas. Aliás, não importa se os seus olhos estão abertos ou não. Pode fechá-los, se quiser. Não faz diferença alguma.

Restaurantes escuros como o Blindekuh oferecem uma novidade tentadora: uma refeição consumida na total escuridão. Neste caso, ela é servida por garçons cegos ou com visão limitada.

Para eles, a escuridão não é dificuldade. No escuro, eles movem-se com facilidade e segurança, enquanto as pessoas que veem permanecem presas às suas cadeiras, incapazes de se moverem.

Embora já existam alguns restaurantes deste tipo pelo mundo, o Blindekuh foi a primeira experiência permanente. Foi fundado por um sacerdote cego em 1999.

A primeira mordida já deixa claro como esta experiência será estranha, conta a jornalista Veronique Greenwood, da BBC. A voz do garçon diz que, à sua frente, há uma colher com um pequeno aperitivo. Veronique tateia até encontrar o frio objeto de metal, que leva aos lábios.

Percebe a existência de vários botões pequenos e plumas, como se estivesse a comer um pequeno tronco musgoso onde nasceram cogumelos. Não consegue definir com um nome.

Sem a imagem para fixar as impressões, não consegue lembrar-se de quase nada sobre a sensação na boca depois de engolir.

Diversos psicólogos já estudaram os efeitos da visão sobre a memória. As mesmas pessoas questionadas sobre o que se lembram de terem ouvido – desde gravações de salões de bilhar até ao latido de cães – apresentam mais dificuldades do que quando questionadas sobre o que tinham visto.

Outro estudo concluiu que as recordações verificadas no mesmo dia da sua formação são muito mais claras se a informação for visual. As informações auditivas são lembradas mais vagamente, sem tanta especificidade.

Passando o garfo à volta da borda do prato, Veronique fica estranhamente criteriosa com essa comida que não consegue ver. Mas come tudo.

Esta reação confirma um dos raros estudos disponíveis sobre jantar no escuro. O estudo concluiu que, sem a orientação da visão, as pessoas podem consumir muito mais alimentos do que o normal, sem perceber.

Durante o estudo, algumas pessoas que jantaram no escuro receberam porções normais, enquanto outras receberam porções acima do normal. Após a refeição, todos os participantes tiveram acesso a uma sobremesa servida em buffet, numa sala iluminada.

Os participantes que receberam as porções acima do normal ingeriram 36% mais calorias que os demais, mas comeram a mesma quantidade de sobremesa e tinham mais ou menos a mesma fome que os demais após o jantar. Isto indica que ver realmente os alimentos à nossa frente pode interferir nos nossos cálculos do tamanho da nossa fome.

ZAP // BBC Brasil

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